O início de agosto foi marcado por muita articulação e luta na Escola Internacional da Organização Feminista Berta Cáceres. Realizado por organizações que compõem a Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo, o encontro reuniu, entre os dias 7 e 11, em Honduras, mais de 100 mulheres em diversidades de gênero, indígenas, negras, camponesas e trabalhadoras das Américas, com o intuito de fortalecer o Feminismo Popular.
Berta não morreu, multiplicou. AEscola Popular retoma o seu legado, e a Amigas da Terra Brasil somou nessa construção. Foram dias de partilha de ideias, saberes e experiências, de caminharmos juntas na construção de um projeto político que coloque a vida no centro.
Em entrevista ao podcast Fúria Feminista, Letícia Paranhos, da Amigas da Terra Brasil e coordenadora internacional do Programa de Justiça Econômica e Resistência ao Neoliberalismo da Federação Amigos da Terra Internacional, membra da Campanha Global para Reivindicar a Soberania dos Povos, Desmontar o Poder Corporativo e Por Fim à Impunidade, comentou sobre o papel da economia feminista, uma das bases do feminismo popular, na mudança da sociedade.
“A economia feminista é um caminho para a transformação porque desafia o sistema de opressão, o capitalismo, racismo e o patriarcado, que se entrelaçam desafiando os direitos e apropriando, explorando; e sabemos que são as classes dominantes, que são as elites, que se beneficiam dessa exploração. Para mudar esse sistema é preciso romper com essa lógica de dominação e, daí, vem a perspectiva feminista, que coloca a vida no centro enquanto esse sistema tem como objetivo o lucro, concentrado nas mãos de poucas empresas transnacionais, em sua maior parte baseadas no Norte global, que geram miséria para os povos e mulheres em todo o Sul global. É mais que um conceito, é uma ferramenta política. É teórica sim, mas é ação, e já está em marcha em comunidades da periferia”, argumentou Letícia.
A articulação internacionalista na construção do feminismo popular é fundamental. Assim como a relação com a justiça ambiental. “O ambientalismo popular vem da Justiça Ambiental e, portanto, busca também o fim dessa lógica opressora e acumuladora de capital, desvela que as injustiças afetam, sobretudo, a classe trabalhadora, os povos, as mulheres. Essas opressões são exacerbadas nos corpos e territórios negros, quilombolas, dos indígenas e povos originários, povo camponês. E se nutre e se sustenta na soberania popular, que engloba a alimentar, tecnológica e energética, abraçando o feminismo e retroalimentando a economia feminista”, disse Paranhos.
O encontro trouxe como um dos lemas principais “Mulheres, água e energia não são mercadorias”, uma bandeira do feminismo popular que clama por soberania nos territórios do Sul Global.
A Rádio Mundo Real (RMR) , a Capire e aRádio Rebelde de Cuba estiveram emHonduras, juntas por uma comunicação feminista e popular. Acesse AQUI a matéria feita pela Capire sobre o encontro.
A Escola Feminista Berta Cárceres é organizada pela Grassroots Global Justice Aliance e pela Jornada Continental . Assista ao vídeo e saiba mais sobre o projeto:
Entrevista com Elsy Banegas, lutadora social e coordenadora da Coordenação de Organizações Populares do Aguán (COPA)
Uma semana depois do início do ano, Jairo Bonilla e Alí Domínguez foram assassinados enquanto trabalhavam em Concepción, departamento de Colón, a poucos quilômetros de sua comunidade, Guapinol. Ambos eram defensores dos rios Guapinol e San Pedro, e do Parque Nacional Montaña de Botaderos, também chamado Carlos Escaleras, onde nascem 34 fontes de água.
Dez dias depois e na mesma região, Omar Cruz, presidente da cooperativa camponesa Los Laureles e membro da Plataforma Agrária do Vale do Aguán, e seu sogro Andy Martínez tiveram o mesmo destino.
As comunidades ancestrais de Garífuna também foram alvo de perseguição e assassinatos no primeiro mês do ano. Após os primeiros 15 dias de janeiro, três jovens originárias de Travesía, Janahira Aranda, Ana Castillo e Cristy Espinosa, foram assassinadas em sua comunidade, perto de Puerto Cortés, no departamento de mesmo nome. O mês terminou da mesma forma, com o assassinato do líder socioambiental Ricardo Arnaúl Montero, garífuna integrante do Comitê de Defesa da Terra Triunfo de la Cruz, mesma comunidade onde quatro defensores garífunas desapareceram há mais de dois anos, localizada na Departamento de Atlantis.
O paradoxo: defender a vida significa encontrar a morte
Os interesses pelas terras e fontes de água de Honduras são multiplos e todos impactam da maneira mais crua as comunidades que vivem na terra e da terra. O extrativismo com seus projetos de minerários e agroindustriais, a interferência histórica dos Estados Unidos, o turismo de elite que almeja as costas do Mar Caribe, a trama da impunidade e os amigos que o ex-presidente Juan Orlando Hernández deixou antes de sua extradição a processos por tráfico de drogas, se unem no mesmo país e empregam sua violência de diversas formas: perseguições, ameaças, assédio, criminalização e assassinatos a sangue-frio.
A dirigente Elsy Banegas, membro do Sindicato dos Trabalhadores do Instituto Nacional Agrário (SITRAINA) e coordenadora geral da Coordenação de Organizações Populares Aguán (COPA), falou com a Rádio Mundo Real. A COPA é integrada por organizações camponesas, sindicais e de mulheres da região de Aguán, área que quase perdeu a conta de suas mortas e mortos por defender o direito à terra, à natureza e aos direitos humanos.
Banegas vive na própria pele a lógica que a oligarquia hondurenha instalou em sua região para apropriar-se de suas terras. Seu filho, Fernando Alemán Banega, foi assassinado em outubro de 2016. Não é por falta de organização e luta que essas áreas são cercadas por pistoleiros, paramilitares e agentes de segurança de empresas mineradoras ou agroindustriais. É graças a uma estrutura de violência e impunidade cravada na história do país.
A coordenadora da COPA contou que o Vale do Aguán foi incluído em um processo de reforma agrária “que garantisse às famílias camponesas um modo de vida que permitisse justiça social no campo, com regularização fundiária”. Mas, segundo a dirigente, ao longo dos anos os diversos interesses empresariais têm impedido e os governos têm procurado “sempre favorecer a oligarquia nacional”. Desde 2014, a COPA está sujeita a uma medida cautelar da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pela violência incessante, mas isso não impediu os assassinatos. Quanto a isso Banegas é assertiva, porque é uma realidade cotidiana para ela e sua organização: as mineradoras e as agroindústrias não param de pressionar os governos e ameaçar o campesinato. “Temos visto vontade política porque se assinam acordos (…), mas a realidade é outra”.
Uma história de impunidade
“Os defensores dos dois rios estão presos e os responsáveis pelos saques e altos índices de corrupção do país andam livres.” Com esta frase, Banegas sintetiza uma história de impunidade. Mas a história não é só de injustiças e corrupções, mas também de lutas e resistências para mudar essa realidade e das memórias que essas lutas guardam.
O Parque Nacional Botadero recebeu a denominação de Carlos Escaleras em 2014, com base em uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que responsabilizou o Estado hondurenho pelo assassinato, em 1997, de Escaleras, ativista que lutou contra o instalação de uma planta de extração de óleo de palma dentro do parque, próximo ao Rio Guapinol. É precisamente lá que hoje se projeta a instalação de uma planta de pelotização de ferro do megaprojeto de mineração Inversiones Los Pinares, ao qual resiste a comunidade de Guapinol. Los Pinares é propriedade de Lenir Pérez, um grande beneficiário do narco-estado que Hernández deixou ancorado.
A empresa faz parte do conglomerado de capital EMCO, que também abriga a ECOTEK, a maior usina de processamento de óxido de ferro da América Central que, segundo denúncia da comunidade organizada de Guapinol, opera sem licença ambiental dentro de área protegida do Parque Nacional Serra Botadero.
Estamos defendendo a água e com ela a vida”, disse Banegas com convicção, e detalhou quais são as ferramentas dos poderes hondurenhos para fazê-los desistir. “Começa com um processo de difamação, depois tentam comprar dirigentes, quando não te compram (…) criminalizam-te, uma criminalização que é reflexo do desvio da aplicação da justiça, com mentiras, invenções, com processos encomendados por empresas mineradoras ou agroindustriais, e se não te matam”.
Como resultado dos primeiros assassinatos do ano, várias organizações nacionais como o Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (COPINH), a Coalizão Contra a Impunidade de Honduras, o Comitê Municipal em Defesa dos Bens Comuns e Públicos, entre muitas outras, e entidades globais como a Anistia Internacional e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, emitiram declarações de solidariedade e exigiram investigações independentes.
Sobre essas petições e reivindicações, Banegas informou que ainda não têm nenhuma resposta concreta, embora já tenham apresentado todas as denúncias nos locais correspondentes e frisou que vão continuar insistindo em sua reivindicação.
Entre o dito e o feito
A imparcialidade da polícia e da justiça não é garantida em Honduras e há vários motivos para desconfiança. Logo após os assassinatos de Ali e Jairo, a polícia informou que as mortes foram decorrentes de roubo e descartou que o crime tivesse ligação com questões ambientais. Isso gerou forte rejeição da comunidade organizada de Guapinol.
Em 2 de fevereiro, a mesma comunidade emitiu um comunicado no qual afirmava: “não há confiança nem no Ministério Público nem na Polícia de Tocoa para realizar uma investigação independente neste caso. Eles já demonstraram sua parcialidade e são responsáveis por usar provas ilegais para criminalizar os defensores da área, incluindo Ali, e despejar violentamente o acampamento Agua y Vida em Guapinol. Em 19 de janeiro, a família de Alí Domínguez solicitou a transferência do caso para a Promotoria de Crimes Contra a Vida com o apoio da ATIC [Agência Técnica de Investigação Criminal], mas a Procuradoria Geral da República não respondeu”.
Ali Domínguez foi um dos 32 ativistas processados por defender o rio em 2018, quando Los Pinares tentava instalar sua mina de óxido de ferro. Dá para entender que não é coincidência, e a desconfiança aumenta, que o promotor que os mandou para a cadeia naquela época seja o mesmo que hoje tem as causas dos assassinatos.
O mesmo acontece com a Polícia. Banegas conta que em 9 de janeiro, enquanto os seguranças privados da empresa DINANT disparavam gás e balas de borracha contra as famílias da cooperativa El Chile, a Polícia assistia e até ria. Uma informação importante: a empresa DINANT ligada ao agronegócio e alimentos ultraprocessados pertence à família de empresários Facussé, a mesma contra a qual Escaleras lutou nos anos 1990.
Tanto a Procuradoria Geral da República quanto o Ministério Público foram nomeados pelo governo de Juan Orlando Hernández e seus mandatos constitucionais ainda estão em vigor. Sob a proteção da constituição, ambos os poderes agem com total impunidade. Atualmente, Honduras está em processo eleitoral para a formação de uma nova Corte Suprema de Justiça e ainda não definiu a nomeação do novo Conselho Fiscal, o que dá esperança de um sistema judicial melhor.
Ontem e hoje o Aguán resiste, não haverá exceção
“Neste quadro em que temos um novo governo, ainda há esperança de que neste segundo ano possam realmente ser procuradas alternativas, que só se têm manifestado numa vontade política de resolver os diferentes problemas. Ao longo deste ano vimos, sentimos e sofremos a violência dessas empresas”.
A Secretaria de Direitos Humanos do governo nacional estava presente no território quando os assassinatos de janeiro se tornaram públicos. No dia 23 de janeiro, aquela Secretaria concedeu uma coletiva de imprensa no local.
Banegas mencionou que em fevereiro de 2022 foi assinado um acordo entre o Ministério do Desenvolvimento e Inclusão Social, o Ministério da Segurança, o Instituto Nacional Agrário e 29 cooperativas agrícolas, “para a solução do Conflito Agrário relacionado com a Recuperação das Terras do Reforma Agrária em Bajo Aguán”. Em julho do mesmo ano, a Plataforma Agrária, com base nesse acordo, fez uma nova petição para acabar com a violência, ter acesso às suas terras e à justiça.
As comunidades Aguán trabalham em estreita colaboração com a Organização Fraternal Negra Hondurenha (OFRANEH) e as comunidades Garífuna que sofrem a mesma situação de desapropriação e violência, vários quilômetros ao norte.
“Estamos exigindo justiça e esclarecimentos, que se cancelem os megaprojetos como é o caso de Los Pinares, e que se entreguem as terras da reforma agrária aos campesinos que foram espoliados ilegalmente, as quais elas pertencem”, disse Banegas. “Nós temos uma luta pacífica, baseada em direitos legítimos (…), e somos vítimas da grande violência que nos estão impondo”.
De 25 a 27 de Agosto, aconteceu a Assembleia Anual da ATALC (Amigos da Terra América Latina e Caribe) na cidade de Tegucigalpa, capital de Honduras, na América Central. Representantes de organizações e grupos nacionais de 12 países da região estiveram presentes, entre eles a Amigos da Terra Brasil (ATBr). Durante o encontro, foi aprovada uma carta em apoio e solidariedade ao povo hondurenho e ao governo de Xiomara Castro, eleito democraticamente pelas organizações e movimentos sociais de Honduras.
Divulgamos, abaixo, esta carta, também assinada pela Amigos da Terra Brasil (ATBr).
Em apoio e solidariedade internacional com o povo hondurenho
A Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC), uma organização que trabalha em prol da justiça ambiental, social, econômica e de gênero, envia saudações respeitosas e fraternas ao povo hondurenho e à presidente Xiomara Castro, entusiasmada com o processo que a presidente está a desenvolver para a recuperação e reafirmação dos direitos em Honduras.
Sabemos que os desafios são grandes e numerosos, mas também estamos conscientes da qualidade do processo que estão a realizar, sempre com a intenção de melhorar as condições de vida da população hondurenha e de traçar os caminhos para pôr fim à impunidade e às violações dos direitos que o país teve de suportar no passado recente e desde o golpe de Estado de 2009.
Acreditamos que a aliança e a agenda construída em conjunto com organizações e movimentos sociais foram e continuarão a ser fundamentais para a mudança alcançada, e que a vitória obtida em Honduras e as lições aprendidas com ela irão encorajar novas mudanças na região, tais como as que, após as eleições hondurenhas, tiveram lugar no Chile e na Colômbia, e que esperamos que também tenham lugar no Brasil nas eleições de Outubro próximo.
Sabemos que Honduras é um país militarmente ocupado pelos Estados Unidos. E embora não houvesse razões legais ou éticas para justificar o golpe, foi o início e a continuidade da instalação de um Estado militar-policial, prisional, violador dos direitos humanos e corrupto, que veio a ser descrito como um “narco-Estado”, numa situação de exceção permanente. Durante 12 anos após o golpe, o tráfico de drogas, massacres, tortura, deslocação e despossessão, feminicídio, eleições fraudulentas, a venda do país a corporações transnacionais, uma das mais altas taxas de homicídio do mundo e uma taxa de impunidade de mais de 90% proliferaram. Esses absurdos ainda estão, infelizmente, presentes em Honduras, e são mantidos como resultado da captura criminosa do Estado pela oligarquia e pelas forças de ocupação estrangeiras.
Apesar desta realidade inegável, acreditamos que o caminho apontado pelo povo e por suas organizações e movimentos sociais com a eleição de Xiomara Castro, e as mudanças institucionais e políticas que se tornaram evidentes no país desde a sua presidência, criam as condições para a construção de um país que recupera o Estado social de direito e inverte a barbárie imposta há mais de uma década.
Expressamos o nosso apoio sem restrições à presidência de Xiomara Castro, ao novo governo do país e ao povo corajoso e aos seus movimentos sociais que prosseguem enfrentando perseguições políticas, ameaças e vários assédios por parte de estruturas criminosas que continuam a se enraizar em espaços institucionais, e que serão derrotados no processo de reconstrução do país a partir da reafirmação democrática do novo governo. Convidamos a comunidade internacional a expressar a sua solidariedade internacionalista em apoio ao processo em curso no país irmão Mesoamericano.
Pelo amor e solidariedade com o povo hondurenho, e pela defesa da dignidade histórica dos povos da América Latina e do Caribe!
No dia 2 de março completaram três anos do assassinato da hondurenha Berta Cáceres. Um feminicídio político que tentou silenciar as lutas que esta defensora dos direitos dos povos encabeçava junto aos povos originários Lenca e ao Conselho de Organizações Indígenas e Populares de Honduras (COPINH). Com este crime quiseram impedir a luta contra a instalação de projetos extrativistas, como a construção da hidrelétrica de Agua Zarca. Tentaram frear a organização coletiva deste país centro-americano, mas não conseguiram: Berta se multiplicou.
A educadora popular argentina Claudia Korol apresenta em seu livro “As revoluções de Berta” [em livre tradução] reflexões, a partir de conversas entre ela e Berta, sobre a realidade latino-americana sobre o golpe de Estado de Honduras, o governo de Manuel Zelaya – deposto em 2009 -, a reconstrução da Frente Nacional de Resistência Popular, a busca feminista para resolução de conflitos, a comunicação popular como parte da luta política, entre outros assuntos.
Lê-lo é ouvir a defensora dos direitos humanos, das mulheres, dos povos, dos territórios e dos rios em primeira mão, sem intermediários. Na sequência, alguns trechos da entrevista realizada com Claudia Korol pela Radio Mundo Real do Uruguai.
RMR – Antes se podia conhecer sua imagem em distintos âmbitos quando viva, com o seu assassinato sua figura se multiplicou. Também muito presa a sua luta ambiental, este livro trás outras dimensões que ela conjugava todo o tempo em sua luta. Claudia – Sim, ela era uma mulher revolucionária que queria transformar profundamente, não apenas seu país, a América Central, ou nosso continente, mas o que buscava era revolucionar o mundo. Ainda que isso pareça demais, era também uma realidade que estamos agora vivendo muito dolorosamente: não compreender que quando não aceitam em profundidade os processos políticos populares, a possibilidade que se volte para trás, que se reverta e que se desalojem os povos de seus espaços é muito grande. Berta alertou muitíssimo sobre isso, creio que quem tenha acesso ao livro verá as intervenções de Berta quando se deu o debate do marco da Frente Nacional de Resistência Popular de Honduras sobre as possibilidades existentes nesta democracia tão restringida e fraudulenta de se conseguir uma mudança, como a que havia se sonhado em uma refundação de Honduras, a refundação de um outro país. É triste pensar que muito do que estamos vendo hoje dá razão a uma voz que não foi suficientemente ouvida em seu tempo. Nem ao menos quando falava em golpe de Estado, nem ao menos quando dizia que a volta de Honduras a OEA (Organização dos Estados Americanos) acordado por vários dos governos chamados progressistas iria complicar a luta do povo hondurenho. Para mim, é importante dizer que o que fica deste pensamento não é para dizer: “Berta tinha razão”. Mas, bem, Berta observou a realidade em profundidade, com a capacidade que possuía. Essa situação nos advertiu sobre muitos riscos. Agora é hora de estudar seu pensamento, em que se fundava. De sair destas lógicas politiqueiras. Às vezes, também as chamamos eleitoreiras, que significa o mesmo que dizer que é mais que só ganhar ou perder um voto e poder pensar realmente como fazemos para realizar transformações revolucionárias verdadeiras.
RMR – Quando lhe fizemos este convite em Honduras, quase de realismo mágico como você disse. “Vem a esperança, venha a utopia”. O que você viu aí quando visitou? Claudia – Isto foi em março de 2010, fazia alguns meses depois do golpe de Estado quando já se organizaram o segundo encontro pela refundação de Honduras. E precisamente o que vi foi um povo deliberando em meio ao golpe, não sobre como resistir somente, nem principalmente, se haveria resistência, se se colocaria em jogo a vida de companheiros e companheiras. Se havia de dizer: por quê? Por qual sonho se estava caminhando, por qual sonho se estava colocando o corpo. Por que tipo de país, por que tipo de mundo, por que tipo de revolução se queria lutar. Não falando em geral de revolução, assim como um conceito propagandístico. E sim dizer: bom, o que queremos que aconteça com os bens comuns, com a água, com a terra, com as sementes? Com as relações entre homens e mulheres, com as pluralidades sexuais, com as forças armadas, com as forças repressivas do Estado? Poder olhar o conjunto das relações sociais como se constrói a governabilidade a partir da opressão. Que é o que estávamos propondo como organizações populares.
Amigos da Terra da América Latina e Caribe (ATALC) repudiam o pedido de detenção provisória decretada pelo juiz Sérgio Moro contra o companheiro e ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Condenamos, repudiamos e denunciamos essa decisão judicial como mais uma das estratégias da direita e do neoliberalismo para garantir seu avanço contra os direitos dos povos e qualquer possibilidade de construção democrática na região. Além disso, como organização da América Latina e do Caribe que luta por justiça ambiental, social, econômica e de gênero, entendemos que este pedido de prisão e suas consequências, no contexto brasileiro e regional atual, faz parte da estratégia violenta das classes dominantes e do poder corporativo transnacional, que nega a participação política da classe trabalhadora para a imposição de seus interesses econômicos.
É uma extensão do ataque fascista à esquerda brasileira e às manifestações populares de todas/os lutadoras/es sociais que atuam por uma mudança desse sistema capitalista, racista, patriarcal e neocolonial, e por sua vez se constitui na impossibilidade de construção de uma sociedade justa e democrática, onde os direitos dos povos, a começar pela garantia de que os direitos civis e políticos de qualquer pessoa, sejam respeitados.
Consideramos a grave situação que ocorre no Brasil como resultado do golpe de Estado perpetrado pela direita que agora governa ilegitimamente o país através Michel Temer, como um ataque contra os povos da América Latina, permitindo ao modelo neoliberal fortalecer os golpes perpetrados no passado recente em Honduras e no Paraguai, bem como a sua ofensiva em outros países irmãos da região, que são alvos de perseguição e ataques à construção democrática, orquestrados e liderados pela direita latino-americana, o imperialismo e o poder das corporações transnacionais. Reiteramos o nosso apelo permanente à comunidade internacional para reforçar os laços de solidariedade entre nossos povos, com os movimentos populares camponeses, sindicais, feministas, urbanos, quilombolas e indígenas que foram historicamente violados em seus direitos fundamentais, como resultado de imposições e modelo de barbárie neoliberal e suas estratégias de militarização e criminalização, que no Brasil já reivindicaram a vida daqueles que se opõem à invasão territorial e desapropriação e agora também pretendem negar qualquer possibilidade de sua participação política.
Continuaremos apoiando as manifestações pacíficas e legítimas do povo brasileiro e latino-americano que, em defesa da democracia e contra o neoliberalismo de hoje, são unificadas através de um único grito: Lula Livre!
Amigos da Terra da América Latina e Caribe – ATALC