Declaração das organizações populares é apresentada na Cúpula Social do Mercosul

Na manhã desta terça-feira (5/12), movimentos sociais e organizações populares leram a “Declaração das organizações populares na Cúpula Social do Mercosul”, durante encontro ocorrido no Rio de Janeiro, Brasil.

O texto inclui a posição histórica das organizações Amigas da Terra Brasil (ATBr), REDES (Red de Ecología Social) – Amigos da Terra Uruguai, Terra Nativa Amigos da Terra Argentina e Sobrevivencia Amigos da Terra Paraguai, que rejeitam os TLC (Tratados Livre Comércio) em defesa da integração dos povos, da soberania, da democracia e da participação social.


O espaço de debates presenciais da Cúpula Social foi retomado após sete anos de abandono, com uma clara defesa da integração regional e da participação social como caminho para a construção de políticas públicas regionais para os povos.

A Cúpula Social foi um momento chave para reiterar a rejeição contundente das organizações e movimentos sociais ao ACL #UEMERCOSUL , uma vez que significaria o aprofundamento de um modelo produtivo extrativista, colonial e racista, insustentável para o ambiente e para as pessoas.

Acesse a Declaração dos Movimentos Sociais na Cúpula Social do Mercosul e saiba mais 

 

Que horizontes são postos em debate para a região após a reunião da Celac

A integração latino-americana e caribenha é um projeto antigo, de longa caminhada. Desde as lideranças do haitiano Toussaint L’Ouverture no século XVIII, do cubano José Martí e do venezuelano Simón Bolívar no século XIX, lutas emancipatórias são travadas com o fim de construir soberania e autodeterminação para nossos povos. No nosso tempo, durante o final dos anos 90, a Revolução Bolivariana liderada por Hugo Chávez, e ao longo dos anos 2000, a emergência de diversos governos progressistas no Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina, Equador, Bolívia, Honduras, Nicarágua, El Salvador e a sempre histórica resistência cubana, fizeram avançar importantes agendas neste campo.

As lutas dos povos para derrotar a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), projeto neoliberal formalmente abandonado em 2005 após a realização de um plebiscito popular continental, criaram pressão sobre os governos latino-americanos para avançar em outras iniciativas de diálogo e de relações com seus vizinhos. Neste cenário, em 2006, é fundada a Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), uma proposta de Venezuela, Bolívia e Cuba, que trouxe radicalidade ao cenário de cooperação latino-americana. Não apenas uma aliança econômica; é que algo foi se definindo como um projeto para a América Latina a partir de sua própria história de resistência. Obviamente, a iniciativa incomodou muito os países interessados em continuar mantendo sua hegemonia na região, tal como foi, nos séculos anteriores, com as elites coloniais ou com o imperialismo norteamericano na época das ditaduras na região.

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Rompendo o cerco, neste novo milênio, a mais importante iniciativa de integração regional se deu com a criação da Celac (Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos) em 2008. Composta por 33 países (exceto Estados Unidos/EUA e Canadá), com uma organização interna flexível, dedicou-se a refletir sobre os problemas candentes da região para construir um diálogo político entre os estados-membro a fim de promover a cooperação regional em diversas frentes, dentre elas energética, saúde e desenvolvimento sustentável. O Brasil dos governos Lula e Dilma promoveu a Celac como parte de uma política externa de estímulo às relações de cooperação Sul-Sul e com foco na promoção do desenvolvimento regional.

Já em 2020, com um discurso absolutamente senso comum sobre a Venezuela, Nicarágua e Cuba, o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, anunciou a saída do Brasil da Celac. O ministro, assim como todo o Governo Bolsonaro, assumiu um lugar subalterno para o país na inserção internacional, aceitando e reproduzindo a lógica imperialista norte-americana e, ao mesmo tempo, entreguista aos interesses neocoloniais comerciais da União Europeia, com o anúncio do fim das negociações do Acordo de Associação entre o Mercosul e a União Europeia (UE), trancadas e mantidas longe do escrutínio público há mais de vinte anos.

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A tragédia não foi só diplomática. Ao longo do Governo Bolsonaro, todos os projetos de integração regional foram sucateados. Propostas progressistas, como a Unila (Universidade da Integração Latino-Americana), foram desarticuladas diante do corte de verbas. O Programa Mais Médicos, que recebia os médicos cubanos no Brasil e ampliava as relações solidárias entre os dois países, foi encerrado, afetando o acesso à saúde de zonas remotas do Brasil. O acordo de cooperação que permitia que a população de Roraima acessasse energia elétrica por meio do fornecimento pela Venezuela, tendo em vista que o estado não está interligado à rede nacional, foi rompido, levando a apagões que precarizaram a vida da população e, logo, a que o Estado brasileiro gastasse mais dinheiro e emitisse mais gases de efeitos estufa pela produção de energia por meio da queima de óleo diesel.

Determinando uma nova política de relação para com os nossos vizinhos, o atual ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, anunciou já em 5 de janeiro o retorno do Brasil à Celac, comunicando a ruptura com a política externa anterior e informando da busca por uma maior parceria com os países da região. Nesse ritmo de inauguração das viagens diplomáticas internacionais, Lula chegou a Buenos Aires no dia 23 de janeiro, firmando três novos acordos de parceria comercial com a Argentina. Na oportunidade, os presidentes Alberto Fernández (Argentina) e Lula (Brasil) anunciaram a discussão da criação de uma moeda comum para a região. Já na abertura da VII Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da Celac, o retorno do Brasil foi motivo de calorosos aplausos, sinalizando que o país volta a caminhar ao lado de seus vizinhos. Foi assim também nas ruas lotadas de Montevideo, para onde o presidente Lula se dirigiu logo após, para uma conversa com o presidente uruguaio Lacalle Pou, focada na importância de fortalecer o Mercosul e sua agenda econômica antes que se firmem acordos comerciais bilaterais a partir do unilateralismo ou assimetrias, as quais  não resultam em benefício dos países do bloco. Nas palavras do presidente argentino Alberto Fernández: “Agora temos uma Celac completa”.

Quando a Celac foi criada, o Brasil liderava uma política externa inovadora, tendo um importante protagonismo na construção de relações Sul-Sul. Neste momento do retorno não encontra o mesmo cenário político, apesar da presença de outros governos de esquerda, e ainda enfrenta um duro cenário interno com ameaças da extrema direita que, não se pode negar, tem sido cada vez mais comuns na desestabilização das democracias de outros países da região. Em sua maioria, os países estão aterrados em profundas crises sociais, como o avanço da fome, o aumento das desigualdades sociais, da injustiça racial e de gênero e a falta de desenvolvimento da indústria, todos impactos das década anteriores de políticas neoliberais, agravadas com a pandemia dos últimos anos. Ao passo que há, também, uma pressão social com o crescimento da ultradireita e de todo o tipo de violência e militarismo, acompanhada da difamação, a partir de teses antipolíticas e da arma híbrida do lawfare contra governantes progressistas, como no caso de Cristina Kirchner (Argentina), Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e do próprio Lula, que não pôde concorrer na eleição anterior vencida por Bolsonaro no Brasil.

A pressão de avançar em caminhos soberanos ficou destacada nas primeiras linhas da Declaração Final da VII Cúpula da Celac em Buenos Aires e, na sequência,  a defesa da democracia, da paz, da integração, da segurança alimentar e da sustentabilidade ambiental. Os líderes reunidos precisaram desenvolver uma leitura atual da crise do sistema capitalista na região, construir um balanço da conjuntura latinoamericana e dos processos de desestabilização nos territórios e atualizar os desafios da integração. Ainda não está claro qual a centralidade que foi dada ao combate ao fascismo e à construção de saídas às políticas imperialistas na região.

Os governos defenderam ainda a retomada do Fórum Celac com a China e União Europeia, tarefa que envolve um importante papel ao Brasil. A disputa de novos acordos comerciais com a China esquenta o clima da guerra híbrida e da disputa multipolar em curso. Ao mesmo tempo, a Europa, em uma profunda crise com a Guerra na Ucrânia, especialmente pela dependência energética, precisa acessar matérias-primas privilegiadas para sua transição e assegurar a contínua transferência de lucros extraordinários para suas empresas transnacionais. Os países do Norte Global, o FMI (Fundo Monetário Internacional), as grandes corporações e as elites estão longe de aceitar avanços progressistas na região. A ultra-direita já se organiza, como se pôde notar nos episódios de 8 de janeiro no Brasil, no golpe parlamentar no Peru, na onda golpista na Bolívia e na derrota da constituinte no Chile.

A agenda financeira comum, defendida pelo Brasil, envolve pensar numa maior integração das cadeias produtivas dos países. Foram apontados, na Declaração Final, a construção de um plano de recuperação econômica e produtiva pós-pandemia e a retomada de investimentos no desenvolvimento de ciência, tecnologia e inovação para superar a dependência externa. E outros setores tiveram destaque, como a questão ambiental, na qual se pronunciou pela promoção da justiça climática, com reconhecimento das responsabilidades diferenciadas entre os países e a reafirmação do papel dos países do Norte em compensar os prejuízos desiguais nos países do Sul.

Uma batata quente na órbita dos diálogos sobre integração será o Acordo UE-Mercosul. O Brasil já anunciou a necessidade de revisitar capítulos do acordo e propõe um maior debate nacional e regional sobre ele. Resta saber se, para tanto, o governo irá assegurar a participação social, visto que muitas organizações têm apontado críticas ao seu formato e conteúdo. O quão profunda será a revisão do governo nos interessa porque supostas cláusulas adicionais ao acordo, em elaboração pela Comissão Europeia, sem tradução ou transparência, podem afetar ainda mais o desenvolvimento da indústria nacional, enquanto não devem alterar o caráter neocolonial central do acordo: de intensificar o avanço da exploração de commodities nos territórios e a entrada de empresas europeias nos setores de serviços e compras públicas, à medida que garantem barreiras protecionistas para os países europeus.

O cenário de unidade latino-americana está bastante abalado. Internamente, muitos países sofrem a pressão de tentativas de golpe e o questionamento de governos democraticamente eleitos, como o Chile, Peru e a Venezuela. Externamente, alguns países, como Uruguai, furando o bloco do Mercosul, ou o Equador, fragilizam a centralidade regional ao dialogarem bilateralmente com outros países na área de “livre” comércio e na proteção de investimentos estrangeiros. Será um grande esforço para avançar na integração regional, que recairá sob o novo presidente da Celac depois da Argentina, o caribenho Ralph Gonsalves, de San Vicente y Granadinas.

E também na esteira das resistências, os movimentos populares devem manter a pressão sobre seus governos, seguindo em marcha com as iniciativas como a Alba Movimentos, a Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo e a Celac social, inaugurada neste ano na Argentina, conclamando a uma revisão profunda dos modelos produtivos neoliberais na América Latina e no Caribe e promovendo a integração e a solidariedade entre os povos.

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