Tratado Vinculante: A sociedade civil denuncia a influência que grandes empresas exercem na ONU

A histórica 10ªSessão de Negociações por um Tratado da ONU que faça as com que as grandes empresas transnacionais (ETN)  sejam responsabilizadas por suas violações de direitos humanos (Tratado Vinculante) acaba de começar em Genebra, na Suíça. Ainda que a princípio seria realizada em outubro de 2024, a decisão unilateral e pouco democrática da Presidência de alterar as datas das negociações apenas um mês antes afetou a presença física da sociedade civil.

Apesar disso, a Amigos da Terra Internacional, junto com a Campanha Global para reivindicar a soberania dos povos, desmantelar o poder das transnacionais e por fim à impunidade está decidida a garantir que a sociedade civil, as comunidades afetadas e os povos indígenas não sejam deixados de lado.  A Amigas da Terra Internacional se mantém firme para garantir que o Tratado Vinculante reflita a vontade dos povos, e suas demandas por justiça às pessoas afetadas que lideram a luta contra o poder empresarial, acima dos desejos das empresas transnacionais.

“As atividades desmedidas das Empresas Transnacionais sangram as comunidades, nossas terras, o meio ambiente e os povos indígenas. As grandes empresas seguem violando os direitos humanos em todo mundo com impunidade. Um Tratado Juridicamente Vinculante, forte e efetivo, deve nos garantir o direito de acesso à justiça e às reparações. Deve garantir que as ETN possam ser julgadas por tribunais independentes pelos delitos cometidos em qualquer parte do planeta. Deve garantir a reparação plena pelos danos, especialmente para as pessoas mais vulneráveis. É inaceitável que se dê maior relevância aos interesses das grandes empresas ao invés de aos direitos humanos”  Pablo Fajardo, UDAPT / Amigos da Terra Equador

O valor agregado do Tratado Vinculante reside na sua complementariedade com as regulamentações nacionais e regionais em matéria de empresas transnacionais. De todas maneiras, deve ser ambicioso e colocar as comunidades e os povos no centro. Muitas destas regulamentações são insuficientes para cobrir todas as cadeias de valor globais e as violações dos direitos humanos que as empresas transnacionais continuam a cometer nelas. As leis nacionais por si só não são suficientes.” Aurore Dorget, Amigos da Terra França.

No entanto, como ocorre em muitas negociações da ONU, o poder das grandes empresas encontrou o seu lugar nas salas de negociações:

“É claro que o lobby empresarial presente nas salas de negociações (como a Organização Internacional de Empregadores, ou o Conselho de Negócios Internacionais dos Estados Unidos) está decidido a debilitar o texto do tratado e converte-lo em outro instrumento frágil e inútil, baseado na autorregulação e na devida diligência das grandes empresas. As propostas dos países do Norte Global de incluir a múltiplas partes interessadas não são mais que tentativas para consolidar ainda mais a cooptação empresarial do processo. Exigimos medidas claras para proteger o espaço contra a influência de grandes empresas  e garantir que as vozes dos povos afetados e dos Estados do Sul Global sejam as que deem forma ao Tratado Vinculante”, Erika Mendes
Justiça Ambiental / Amigos da Terra Moçambique.

“A margem de manobra da sociedade civil e a democracia se encontram ameaçadas nas Nações Unidas e as negociações do Tratado Vinculante não são uma exceção.  Quer se trate de com que projeto de texto que avançamos, de especialistas selecionados ou das datas das sessões que são alteradas no último minuto, todas estas são partes técnicas da ONU que têm implicações muito reais para as comunidades e estados afetados do Sul Global, cujas vozes continuam a ser marginalizadas nas negociações que deveriam liderar.”

Publicado originalmente em Amigos da Terra Internacional, no link: https://www.foei.org/es/tratado-vinculante-la-sociedad-civil-denuncia-la-influencia-que-ejercen-las-grandes-empresas-en-la-onu/?fbclid=IwY2xjawHP-XVleHRuA2FlbQIxMQABHVtCZqJMpuo0-C3YsePfz1QNVtR4yNpmIPsb8RsyNJX82Gj4ih_rfOF1vQ_aem_N2iegz1O2B4D_uD3kapNWw

Assembleia Geral Bianual da Federação Amigos da Terra Internacional (FoEi) reforça solidariedade com a Palestina e articulação regional

A Amigas da Terra Brasil esteve, em novembro, em Nova Orleans, nos Estados Unidos (EUA), participando da assembleia geral bianual da Federação Amigos da Terra Internacional (FoEi). Compareceram nossa conselheira Lucia Ortiz, que é membra do Comitê Executivo da FoEi, e a presidenta Letícia Paranhos, também coordenadora internacional do programa Justiça Econômica e Resistência ao Neoliberalismo (JERN) da federação.

Na assembleia, organizações ambientalistas de base de todo o mundo que integram a Federação Amigos da Terra debateram o plano quinquenal da organização, estabelecido de forma democrática para o período 2021-2026, e avaliaram sua caminhada em direção ao cumprimento dos seus 3 objetivos principais: organizar e mobilizar para construir o poder popular e a soberania dos povos; contribuir no desmantelamento de todas as formas de exploração e de opressão e o poder corporativo das empresas transnacionais; assegurar mudanças urgentes necessárias para abordar as crises sistêmicas desde uma perspectiva de justiça (ambiental, social, de gênero e econômica).



Dentre tantos compromissos firmados pela assembleia, está o de seguir em solidariedade com a Palestina. Nós do Brasil, saímos comprometidas, entendendo ainda mais a importância latino-americana nessa solidariedade, pois os companheiros da Palestina contam com a gente. Temos capacidade de fortalecer a Campanha BDS, que é um movimento não violento da sociedade civil palestina que pede Boicote, Desinvestimento e Sanções às empresas transacionais vinculadas ao Estado de Israel e seu projeto colonial, imperialista e genocida do povo palestino. Esse sistema que oprime os trabalhadores e os povos da periferia dos países do Sul é o mesmo que permite o apartheid e a destruição do ambiente e das possibilidades de sustentação da vida na região; que possibilita os ataques e a violência de Israel contra os palestinos, com grandes empresas que atuam em nossos países exportando armas de guerra, tecnologias de vigilância, técnicas de privatização e controle de águas e as bases ideológicas para a manutenção de um estado de guerra, com apoio das grandes potências do Norte global. Queremos e lutaremos pela liberdade do povo e da terra palestina!

As organizações do nosso continente também fortaleceram a articulação regional, a ATALC (Amigos da Terra América Latina e Caribe). Realizamos uma bonita homenagem à Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) no Brasil e integrante da Sempreviva Organização Feminista (SOF), falecida neste ano. A atuação feminista da Nalu foi determinante a todas as organizações e movimentos sociais latino-americamos. Reforçamos o compromisso de seguir a marcha de Nalu, desmantelando o patriarcado e todas as formas de opressão!


#nalufariapresente #FoEi #ATBr  

Cúpula UE-CELAC: mais de 450 organizações pedem que o Acordo Tóxico UE-Mercosul pare

Paralelamente ao início da Cúpula UE-CELAC, ativistas construíram e derrubaram uma “Torre Jenga da ambição UE-Mercosul” frente ao Parlamento Europeu, apoiando os responsáveis ​​políticos que detiveram o acordo comercial UE-Mercosul. Foto: Johanna de Tessieres/Greenpeace

Uma coalizão de mais de 450 organizações da América Latina e da Europa, incluindo sindicatos, agricultores, movimentos sociais, ativistas pelos direitos dos animais e ambientalistas, criticou o anúncio dos líderes dos países da União Europeia (UE) e do Mercosul de que pretendem resolver as questões pendentes e concluir o Acordo UE-Mercosul até o final de 2023.

Lis Cunha, ativista comercial do Greenpeace Alemanha, disse: Este acordo comercial é um desastre para as pessoas, os animais e a natureza. Mais conversas secretas só conduzirão a um resultado que submeterá as florestas, o clima e os direitos humanos a uma pressão insuportável. Em vez de avançar com um acordo destinado à exploração corporativa, os países da UE e do Mercosul deveriam recomeçar e repensar sua relação de forma a colocar o planeta, as pessoas e os animais acima da destruição de nosso planeta para o lucro de curto prazo”. 

Alberto Villarreal, da Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC) salientou: Nenhum protocolo ambiental adicional será capaz de remover as ameaças a pessoas, territórios e ao planeta que estão embutidas neste acordo de livre comércio neocolonial e perversamente corporativo, impulsionado por lucro. Precisamos de acordos socioambientais multilaterais exequíveis, baseados em responsabilidades e capacidades diferenciadas para reduzir as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), não falsas soluções baseadas no mercado, promessas líquidas zero ou painéis de disputa em acordos de livre comércio que são totalmente tendenciosos a favor do lucro corporativo.

Morgan Ody, Coordenadora Geral da Via Campesina e membra da Coordenação Europeia da Via Campesina, expõs: Os acordos de livre comércio estão impossibilitando que os médios e pequenos agricultores vivam da agricultura, por isso os camponeses são contra. Os agricultores de ambos os lados não querem produzir para exportar e competir, queremos produzir para alimentar as comunidades locais, priorizando o comércio local, nacional e regional sobre o comércio internacional. Convocamos os parlamentares europeus e os governos dos dois continentes a se unirem como aliados pela soberania alimentar e aumentar a pressão para quebrar o acordo UE-Mercosul.”

Contexto

Nos dias 17 e 18 de julho, os chefes de estado e de governo da União Europeia (UE) e da América Latina e Caribe reuniram-se em Bruxelas para uma cúpula extraordinária pela primeira vez em oito anos.

Paralelamente ao início da cúpula, na segunda-feira, 17 de julho, ativistas de mais de 50 organizações da sociedade civil construíram e demoliram uma gigantesca “Torre Jenga da Ambição do UE-Mercosul”, de três metros de altura, em frente ao Parlamento Europeu, em Bruxelas. Isto em protesto contra a acordo comercial e para pressionar os políticos responsáveis, de ambos os lados do Atlântico, a interromper as negociações para o bem das pessoas, dos animais e do planeta.

Recentemente, no final de maio, a Comissão Europeia havia promovido esta cúpula como um marco importante para as negociações comerciais UE-Mercosul, que duram mais de 20 anos. Desde que Luiz Inácio Lula da Silva se tornou presidente do Brasil em janeiro de 2023, as negociações a portas fechadas se concentraram em um anexo ao acordo. Um rascunho do adendo vazou em março de 2023.

Fotos: Johanna de Tessieres/Greenpeace

O acordo UE-Mercosul proposto foi criticado por vários governos e parlamentos, bem como por agricultores, sindicatos e sociedade civil de ambos os lados do Atlântico, como um desastre para a agricultura local, a natureza, os trabalhadores, a indústria local, os seres humanos e os animais, direitos, biodiversidade e o clima. Avaliações de várias organizações mostram que tarifas e controles mais baixos sobre produtos como autopeças, pesticidas da Europa e carne bovina e de aves de países da América do Sul aumentarão a já alarmante taxa de destruição da natureza.

Mais de 200 organizações pedem aos formuladores de políticas que mantenham o escrutínio democrático dos acordos comerciais. Pedem também que se oponham às tentativas da Comissão Europeia de aprovar a parte “comercial” do acordo sem o apoio unânime dos estados membros da UE e sem a ratificação dos parlamentos em todos os Estados unidos. Tal movimento seria uma violação do mandato de negociação que os estados membros da UE deram à Comissão, de acordo com uma análise legal recente.

Fotos: Johanna de Tessieres/Greenpeace

Texto originalmente publicado no site da Amigos da Terra Europa, em: https://friendsoftheearth.eu/press-release/eu-celac-450-organisations-call-stop-toxic-eu-mercosur-deal/ 

A Crise da COVID-19 é um sinal de alerta para mudarmos o sistema

A crise do Coronavírus só pode ser enfrentada com a soberania dos povos e com justiça ambiental, social, de gênero e econômica

Amigos da Terra Internacional expressa sua profunda consternação e solidariedade neste momento em que o mundo enfrenta a crise da COVID-19, que já está afetando tantos povos ao redor do mundo, especialmente daqueles que sofrem o impacto das desigualdades estruturais. A perda dramática de vidas humanas nos comove profundamente, em um mundo que não estava preparado para enfrentar uma catástrofe como esta. Essa é uma crise que vai muito além dos incontáveis impactos sanitários da pandemia, revelando injustiças ambientais, sociais, de gênero e econômicas que são sistêmicas, além de causas e consequências políticas absolutamente nocivas.

Esta crise é alimentada pelo atual sistema político-econômico, que exacerba seus impactos e impõe obstáculos significativos para respostas estruturais. As horríveis consequências do Coronavírus são o resultado da crescente concentração de riqueza e da imposição de uma doutrina neoliberal que sacrifica a preservação da vida. Hoje está mais evidente do que nunca que a economia baseada no livre mercado é o problema, não a solução.

O neoliberalismo conduziu à privatização e ao sucateamento dos sistemas de saúde pública, seguridades social e dos serviços públicos, ao desmantelamento dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores e à precarização dos empregos e à maior exploração do trabalho das mulheres. Além disso, outorgou poderes e privilégios extraordinários às empresas transnacionais, ao mesmo tempo em que reduziu o papel e a posição do Estado, aumentando a vulnerabilidade de nosso mundo ante impactos da crise.

A pandemia está desvelando e agravando as violentas desigualdades do capitalismo entre e dentro dos países. Está debilitando nossas necessidades humanas básicas e deixando milhões de pessoas vulneráveis a uma perda repentina de acesso aos meios de sobrevivência. Muitas pessoas simplesmente não podem se isolar, cumprir o distanciamento social ou deixar de trabalhar. Os despejos serão a norma quando as pessoas não puderem pagar seus aluguéis ou prestações do Minha Casa, Minha Vida. As mais afetadas serão as classes trabalhadoras rurais e urbanas, as populações indígenas, as mulheres, os povos que sofrem com o racismo, as/os imigrantes, refugiadas/os, os povos em zonas de guerra e conflitos e os que vivem em países que sofrem com bloqueios econômicos. Será cada vez maior o número de trabalhadores que perderão seus empregos e de imigrantes que enfrentarão uma negação criminosa de seus direitos humanos, bem como muros mais altos e largos.

A COVID-19 está revelando a magnitude da crise do cuidado em nossas sociedades: uma crise que vem sendo gestada há séculos pela incapacidade do sistema patriarcal, racista e capitalista de cuidar dos povos, da natureza e dos territórios, por um lado, e porque se sustenta sobre o trabalho e os corpos das mulheres para compensar e reparar os danos provocados pelo sistema de exploração capitalista neocolonial, por outro. Por meio da divisão sexual do trabalho, as mulheres têm sido e continuam sendo socialmente responsáveis pelo trabalho de cuidado e suportando em seus ombros essa carga. As mulheres, mães solteiras e famílias da classe trabalhadora são forçadas a escolher entre o confinamento em suas casas ou trabalhar para alimentar suas famílias, sob risco de serem infectadas pelo vírus. Isso é particularmente verdadeiro para mulheres que sofrem com o racismo. Profissionais de saúde na linha de frente do combate ao Coronavírus, que são em sua maioria mulheres, estão encarando uma exploração ainda maior, com compensações financeiras inadequadas aos riscos que correm e às responsabilidades que têm pelos outros.

A globalização do sistema de livre mercado, no qual empresas transnacionais exercem um papel-chave, tem conduzido a uma ruptura devastadora entre nossas sociedades e a natureza. A crise do Coronavírus está desmascarando a real extensão do quanto o controle corporativo da alimentação, da energia, das florestas e da biodiversidade é a causa principal da destruição dos ecossistemas que está facilitando de patógenos que afetarão cada vez mais nossa saúde. O agronegócio e a produção de commodities agropecuárias geram enormes problemas de saúde pública mediante a destruição de habitats naturais e/ou a intensificação da criação de gado e outros animais. Aqueles que sofrem com problemas respiratórios ou imunológicos devido à energia suja e outras poluições industriais estão particularmente sob risco de infecção.

Os impactos devastadores das indústrias extrativistas nos territórios indígenas estão os tornando ainda mais vulneráveis à COVID-19. Seus sistemas e práticas de conhecimentos tradicionais, que incluem cuidados de saúde e de produção, armazenamento e consumo de alimentos estão sendo enfraquecidos. Eles continuam sendo excluídos dos sistemas de saúde e não se está disponibilizando informações culturalmente apropriadas sobre a crise.

A pandemia está agravando as consequências de décadas de inação dos países ricos frente as mudanças climáticas, assim como às suas políticas nocivas. Os olhos do mundo estão postos com razão sobre a crise sanitária atual; mas as catástrofes relacionadas com a injustiça climática, tal como o recente ciclone que atingiu Vanuatu, repetem-se sem parar e é necessário encará-las. Os povos do Sul Global mais fortemente atingidos pelos impactos climáticos estão agora extremamente vulneráveis a contrair e disseminar a COVID-19 e carecem de acesso a sistemas de saúde robustos.

Avizinha-se uma crise alimentar profunda, principalmente em países que dependem de importações e onde as terras têm sido destinadas à produção de commodities agropecuárias. À medida que os povos perdem suas fontes de renda e seus meios de sobrevivência, não poderão acessar economicamente os alimentos, que por sua vez estão cada vez mais expostos à especulação financeira. Em muitos países, o fechamento dos mercados locais impede que os alimentos da produção campesina familiar e artesanal cheguem à população, ao mesmo tempo em que privilegia grandes empresas que priorizam seus lucros acima do direito a uma alimentação saudável.

Fazemos frente a esta pandemia num contexto em que a democracia já vinha sofrendo ataques, com eleições manipuladas mediante o controle empresarial de nossos dados e dos meios de comunicação e, inclusive, com golpes de Estado em alguns países. A ascensão da extrema direita e do neofascismo, com seus discursos e políticas misóginas, xenofóbicas, militaristas e racistas, resulta em um ataque frontal a direitos duramente conquistados pelas classes populares e pelo movimento feminista. Muitos governos já começaram a silenciar vozes que defendem uma democracia real e o poder e a participação dos povos pela criminalização e tentativa de desmantelamento de organizações e movimentos sociais.

As mulheres estão enfrentando um aumento brutal da violência e dos feminicídios em todo o mundo. Orientações para ficar em casa estão aprisionando muitas mulheres e seus filhos em lares inseguros, na companhia de agressores e criminosos, sem qualquer lugar para onde ir, nem possibilidade de receber ajuda.

Em tempos em que o escrutínio público e a capacidade de mobilização e protesto se reduzem, enfrentamos ameaças ainda maiores de um incremento dos ataques criminosos contra defensoras/es dos territórios e dos direitos dos povos, assim como a imposição de novos projetos empresariais prejudiciais. Os países com pouca ou nenhuma soberania para produzir muitos insumos fundamentais estão vulneráveis. O risco de que corporações lucrem com essa crise é muito grande – especialmente por meio do controle sobre os sistemas de saúde, alimentação e produção de medicamentos. Soma-se a isso o perigo real de que se usem fundos públicos para salvar grandes empresas, tais como empresas de combustíveis fósseis, que destroem o clima e a biodiversidade.

Nossas Demandas

Para fazer frente a essa crise e suas causas estruturais, Amigos da Terra Internacional se soma ao movimento feminista, campesino, sindical, aos Povos Indígenas e a outros movimentos sociais para exigir que os governos cessem imediatamente a repressão, abandonem as políticas de austeridade, detenham os despejos e incrementem os orçamentos públicos, a justiça fiscal e a distribuição de renda. Fazemos eco, ainda, ao chamado para anulação da dívida externa.

A centralidade da vida e do trabalho de cuidado deve ser reconhecida, com regulações ambientais mais fortes, com o fim da divisão sexual do trabalho e com uma resposta sistêmica para a crise direcionada à justiça ambiental, social, de gênero e econômica e a uma economia feminista.

Governos devem assegurar que os direitos fundamentais à saúde, previdência social, moradia, energia, água, educação, transporte, alimentação e cuidados serão garantidos por meio de serviços públicos providos pelo Estado. Eles devem apoiar financeiramente as classes trabalhadoras e as comunidades. Qualquer dinheiro público deve ser utilizado para colocar os trabalhadores, o clima e a saúde de nosso planeta e nossos povos a longo prazo em primeiro lugar.

Os pacotes de estímulo e recuperação econômica e financeira internacionais e os governos nacionais devem mirar na criação de milhões de empregos decentes que contribuam para impulsionar uma transição justa que nos liberte do capitalismo e da economia dependente de combustíveis fósseis e assegurar a autonomia das mulheres. Os governos não podem oferecer salvamentos incondicionais para grandes poluidores, como empresas de combustíveis fósseis e de aviação. Não podemos retornar aos negócios de sempre após esta crise. Nós devemos estabelecer as fundações de um mundo melhor. Não podemos permitir mais um ciclo de capitalismo agressivo e políticas neoliberais que destroem as vidas dos povos e nosso planeta.

Os governos devem indispensavelmente fortalecer os sistemas alimentares locais, os mercados locais descentralizados e os programas de compras públicas diretas que contribuam para garantir a venda da produção campesina familiar e artesanal e a disponibilidade de alimentos para aqueles que mais necessitam. Os programas públicos direcionados à infância, às pessoas com deficiência e a todas as pessoas que sofrem com a fome devem ser melhorados e ampliados radicalmente.

Precisamos reverter imediatamente a tendência atual de aumentar o poder, os lucros e a impunidade das grandes corporações, o que inclui pôr fim a todas as negociações comerciais e investimentos que dão ainda mais poder às empresas transnacionais, assim como garantir um tratado juridicamente vinculante sobre empresas transnacionais e direitos humanos no âmbito da ONU.

Devem-se abolir urgentemente os mecanismos arbitrais de solução de controvérsias entre investidores e Estados, que permitem que corporações transnacionais processem governos por tomarem ações que protejam a vida, argumentando que essas ações de interesse público são discriminatórias ou uma expropriação indireta de seus investimentos.

Os meios médicos de enfrentamento ao Coronavírus, incluindo uma futura vacina, devem ser acessíveis a todas e todos, com uma suspensão imediata de qualquer direito de propriedade intelectual sobre suprimentos, equipamentos e tratamentos médicos, incluindo medicamentos e vacinas.

Nossas Ações

Nossas ações agora darão forma ao que virá após a crise. Amigos da Terra Internacional e nossos aliados conhecem o caminho a seguir. Nós devemos usar essa oportunidade para lutar e construir uma mudança de sistema, por meio do desmantelamento do patriarcado, bem como outros sistemas de opressão e poder corporativo. Nós precisamos fortalecer nossos esforços para avançar rumo à soberania dos povos e à justiça ambiental, social, de gênero e econômica.

Este é um momento de reafirmar a esperança, alimentando e fortalecendo novos paradigmas ecológicos e emancipatórios, centrados na justiça e na sustentabilidade da vida e em uma nova relação com os trabalhos de cuidado.

A solidariedade internacionalista entre os movimentos e através das fronteiras é fundamental, a medida que construímos uma resposta coletiva a esta crise, organizando e mobilizando nossas comunidades, organizações e movimentos para fortalecer nossas próprias iniciativas e lutar por nossas demandas.

Nossos grupos membros estão organizando e se somando a comitês locais de solidariedade para apoiar as/os mais afetadas/os. Estão somando-se, também, a plataformas políticas de movimentos sociais, junto a sindicatos, organizações campesinas e feministas, para lutar por respostas sistêmicas adequadas frente a esta crise e às múltiplas crises inter-relacionadas que enfrentamos – ambiental, climática e social. Nós seguiremos unidos aos nossos aliados para combater as injustiças que a COVID-19 tem revelado e exacerbado e para construir o mundo que necessitamos.

Evento da Amigos da Terra denuncia crimes sociais e ambientais cometidos por empresas transnacionais

A realidade de violações de direitos enfrentada por comunidades do mundo todo foi o destaque do evento “Direitos dos Povos e Defesa dos Territórios: Resistências no Brasil e no Mundo”, organizado na noite de quinta-feira (16), no Clube de Cultura, em Porto Alegre, pela Amigos da Terra. A atividade aberta também integrou o encontro internacional de representantes da organização.

Com os territórios impactados por grandes projetos de mineração e de infraestrutura, a ofensiva pelos bens comuns têm provocado a perda de direitos das populações tradicionais, que diante do poderio econômico das empresas transnacionais frente ao estado, ficam ainda mais vulneráveis.

Presidente da Amigos da Terra Internacional, a uruguaia Karin Nansen manifestou solidariedade ao povo brasileiro pelos ataques conservadores que vêm retirando direitos no país.

O primeiro debate também contou com a presença do representante do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (CEDH-RS), Júlio Alt, e da advogada Consuelo da Rosa. Consuelo destacou que com a conjuntura atual, a proteção aos ativistas de direitos humanos será cada vez mais necessária. O Rio Grande do Sul foi o primeiro estado a ter um Programa Defensores e Defensoras de Direitos Humanos por decreto, mas a política foi encerrada em 2014. Para Júlio, o contexto pós-golpe acentuou os ataques sobre bens e terras públicas: “Me parece que as terras públicas é o que está em jogo hoje, vide o sucateamento do Incra e da Funai, para impedir as demarcações”.

De acordo com Karin, essa é uma ofensiva sistêmica que não corresponde somente a um país. “O capital quando avança sobre os territórios, seja onde for, avança com muita violência. Por isso, é importante construirmos ainda mais a solidariedade internacional”.

Da Vila Nazaré a Brumadinho, de Mariana a Moçambique

A solidariedade internacional construída para visibilizar o caso da Vila Nazaré, em Porto Alegre, que será removida por conta das obras de ampliação do aeroporto, foi lembrada por Eduardo Osório, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Na Alemanha, país sede da empresa que assumiu a administração do Salgado Filho, a articulação com a Amigos da Terra Alemanha permitiu que uma denúncia fosse lida durante uma reunião para acionistas da Fraport. “Graças à parceria com a Amigos da Terra Internacional essa luta está sendo ressonada”, disse. Parte da comunidade, que corresponde a 15%, será removida para um condomínio com 364 apartamentos. Para o restante, o futuro é incerto.

Daiane Machado, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), relatou que os rompimentos de barragens ocorridos em Mariana e Brumadinho (MG) foram crimes ambientais, sociais e trabalhistas, já que ficou evidente a escolha da Vale em instalar o refeitório e o alojamento dos funcionários abaixo da barragem, em Brumadinho.  Em Mariana, após três anos, nenhuma casa foi reconstruída. “Isso exemplifica a extrema violação dos direitos humanos e a exploração dos nossos bens comuns pelo capital”.

A expulsão das populações dos territórios por empreendimentos da Vale também foi ressaltada por Érika Mendes, da Amigos da Terra Moçambique. A Vale explora carvão no país desde 2009. No início da operação, mais de 1.300 famílias foram reassentadas, divididas em duas categorias, rurais e urbanas, segundo critérios que não ficaram claros. As famílias perderam infraestrutura e serviços de educação e saúde. “Elas nem sabiam que direitos tinham, porque as empresas sempre chegam com algum representante do estado junto, e as pessoas acham que devem sair”, contou.

Tratado Vinculante

Para tentar limitar o poder das corporações transnacionais, Letícia Paranhos, da Amigos da Terra Brasil, destacou a ação de mais de 250 organizações que se uniram para a campanha global em defesa da criação de um tratado vinculante no âmbito das Nações Unidas para responsabilizar as empresas transnacionais que cometam crimes ambientais e sociais e violem direitos humanos. O objetivo é construir uma nova legislação internacional. “A luta contra as transnacionais é urgente.  É preciso acabar com a arquitetura da impunidade que existe hoje, para se ter justiça ambiental”, afirmou.

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