A Retomada Gãh Ré do povo indígena Kaingang, no Morro Santana, em Porto Alegre (RS), completou 2 anos em 18 de outubro. A comemoração contemplou memórias, ações e anseios expressos em rodas de conversa (com chimarrão e fogo), plantio de mudas nativas, pinturas, caminhadas, roda de capoeira e partilha de refeições.
Gah Te, kujá e cacica, juntamente de sua família, recebeu todos os visitantes e apoiadores com sorriso no rosto, convidando enxergar, na pedreira do morro, para além da ferida da exploração à força da natureza pelos não indígenas: ver a memória das casas subterrâneas tradicionais Kaingang no local.
A Retomada Gãh Ré (@retomadagahre) evidencia a sábia relação dos Kaingang com o território. O Morro Santana é o morro mais alto de Porto Alegre, bastante reconhecido por sua biodiversidade. O manejo da mata, realizado pelas famílias indígenas, reforça a importância das espécies nativas de flora como alimento para a fauna e proteção das nascentes de água do local. A permanência dos indígenas na área barra a especulação imobiliária, que com força tem avançado sobre áreas de relevância ambiental na capital gaúcha.
A palavra “retomada”, para os Kaingang, remete à “volta para casa”. Além do retorno ao território, a retomada Kaingang no morro mobiliza os rituais, a língua e outros aspectos centrais do modo de viver. “Retomar” é reencontrar-se e reconstruir o território onde os antepassados nasceram, viveram e morreram. É viabilizar, no tempo presente, o encontro entre as marcas do passado e os meios para um futuro digno.
A Amigas da Terra Brasil saúda a Retomada Gãh Ré e seus dois anos de resistência! Apoiamos a luta do Povo Kaingang pela demarcação do território, que ganha força na semana em que 7 territórios Guarani tiveram importantes avanços nos seus processos de demarcação.
Levantamento feito por organizações indígenas e indigenistas busca cobrar o poder público e apoiar campanha de arrecadação de doações para comunidades afetadas
A comunidade Pindo Poty, do povo Guarani Mbya, que fica localizada no bairro Lami, em Porto Alegre é uma das mais afetadas pelas chuvas no Rio Grande do Sul. Foto: Roberto Liegbott/Cimi
Os impactos das chuvas e das cheias inéditas no estado do Rio Grande do Sul chegam de forma avassaladora em comunidades indígenas da região. Um levantamento colaborativo indica que mais de 80 comunidades e territórios indígenas foram diretamente afetados, alguns com extrema gravidade.
O mapeamento, que segue em atualização, é realizado de forma conjunta pelo Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Sul, Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), Fundação Luterana de Diaconia, Conselho de Missão entre Povos Indígenas e Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (FLD/Comin/Capa), além do Conselho Estadual dos Povos Indígenas do Rio Grande do Sul (Cepi/RS).
O mapeamento, que segue em atualização, é realizado de forma conjunta:
Comunidades dos povos Guarani Mbya, Kaingang, Xokleng e Charrua, espalhadas em 49 municípios gaúchos, são as mais impactadas da região. Dentre as comunidades que se encontram em estado de emergência mais grave, todas elas do povo Guarani Mbya, estão Lami e da Ponta do Arado, situadas no município de Porto Alegre, com 18 famílias atingidas; Yva’ã Porã, em Canela, com 16 famílias afetadas; Flor do Campo e Passo Grande Ponte, em Barra do Ribeiro, com 25 famílias impactadas, e as 19 famílias da aldeia Araçaty localizadas no município de Capivari do Sul.
Nessas comunidades, as famílias precisaram deixar suas casas para se deslocar para áreas mais elevadas, dado o risco de alagamento e deslizamento de terra. Na aldeia Pekuruty, localizada às margens da BR-290, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) destruiu as casas e edificações da comunidade, sem qualquer consulta ou justificativa.
As famílias precisaram deixar suas casas para se deslocar para áreas mais elevadas
Segundo Roberto Liegbott, missionário do Cimi Regional Sul, “essa comunidade foi removida para que o DNIT pudesse consertar uma tubulação que passa ali e eles acabaram destruindo toda a comunidade indígena. Eles arrancaram as casas dos indígenas sem que os Guarani sequer soubessem ou tivessem sido comunicados. Os indígenas no momento encontram-se em um abrigo, mas quando retornarem, a comunidade já não existirá mais, porque o DNIT destruiu tudo”, informou o missionário.
A inundação persiste na região metropolitana de Porto Alegre. A situação ainda é preocupante nos municípios de Canoas, Esteio, Sapucaia do Sul, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Guaíba, Eldorado do Sul e Cachoeirinha, além dos bairros de Porto Alegre, especialmente nas zonas Norte e Sul.
O levantamento realizado pelas organizações indígenas e indigenistas ainda está em estágio preliminar e possui o objetivo de auxiliar, nesta fase emergencial, a realização de uma campanha de doação para as comunidades afetadas. “Há um conjunto de entidades e instituições organizadas para ajudar essas famílias não só nesse primeiro momento, mas também depois, na reconstrução de suas casas e aldeias”, explicou Roberto.
As organizações pedem apoio e doação de alimentos, material de higiene e limpeza, lonas, telhas, colchões e cobertores para as comunidades. As doações podem ser feitas na Paróquia Menino Jesus de Praga, na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
O Cimi Regional Sul, a ArpinSul e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) também disponibilizaram uma conta bancária para receber doações financeiras.
Além de apoiar a campanha de doação em curso, o mapeamento das áreas impactadas também busca subsidiar informações para cobrar, tanto do governo federal como do governo estadual, providências e amparo às comunidades indígenas do Rio Grande do Sul.
“Há também a necessidade que haja a regularização e a demarcação dos territórios, de preferência que se assegure lugares adequados, não degradados, para que essas famílias possam viver tendo um horizonte de segurança e não de vulnerabilização como ocorre hoje”, considera Roberto Liebgott.
Nós, Povo Guarani Mbyá, do Rio Grande do Sul, estamos cansados de viver nas margens de nossas terras originárias, dentro de áreas degradas ou em acampamentos de beira de estradas. Em função disso decidimos retomar um pequeno pedaço do nosso grande território ancestral, o qual chamamos de Tekoá Nhe’engatu, localizado no município de Viamão, Rio Grande do Sul.
Com essa retomada também homenageamos ao nosso avô, Turíbio Gomes, que morreu com 101 anos de idade, e todos os nossos anciões e anciãs que lutaram e padeceram pela busca de uma vida mais digna para o povo Guarani Mbyá, eles não conseguiram, ao menos passar alguns de seus dias de existência, dentro da terra demarcada.
Não temos mais paciência. O tempo passa e nossos Xeramoī, como nosso avô Turíbio, e nossas Xejaryi, como a Laurinda, estão morrendo.
Não é justo vermos nossas crianças nascerem e crescerem em situação de profunda vulnerabilidade, sem perspectivas de uma vida tranquila, justa e saudável.
Passamos nossos anos em casas improvisadas – barracos de lonas – sem terra para plantar nossas roças, sem água potável para beber, sem mato e, sequer temos um lugar para construir nossa Opy, casa de Reza. Não aceitamos mais essa dura e degradante realidade.
Diante desse contexto de desrespeito aos nossos direitos fundamentais, decidimos ingressar nessa área em Viamão, fazendo memória de nossos velhos e velhas, que lutaram, mas não puderam ver garantidos os seus direitos.
Por causa deles, que nos inspiram e nos guiam, estamos aqui, nessa Tekoá Nhe’engatu, dizendo que esta terra tem dono.
Tornamos o grito de Sepé Tiaraju, nosso grande líder e guerreiro, o nosso grito por terra e vida.
Requeremos, nesse momento, que a Funai assuma suas obrigações e agilize os procedimentos de demarcações de terras para nosso povo. Que sejam retomados os procedimentos paralisados e que se inicie a demarcação dessa nossa Tekoá Nhe’engatu, agora ocupada pelos Guarani Mbyá.
Também requeremos a presença das equipes da SESAI, responsável pela assistência de saúde. Pedimos o apoio do Ministério Público Federal, aquele que tem o dever de fazer a defesa de nossos direitos, e principalmente do Ministério dos Povos Indígenas, assim como queremos a participação da Defensoria Pública da União, como órgão que nos auxilie nas demandas jurídicas.
Contamos também com apoio das demais comunidades Guarani Mbyá do Rio Grande do Sul e os apoios dos parentes Kaingang, Xokleng e Charrua.
Seguimos todos nas mesmas lutas, por terra, território e justiça. Demarcação já!