A comunidade indígena Mbya Guarani Tekoa Yjerê, na Ponta do Arado, localizada na zona sul de Porto Alegre (RS), continua sofrendo ameaças dos donos do empreendimento imobiliário Arado Velho.
Recentemente, no dia 9 de outubro, empregados e seguranças do empreendimento se dirigiram até a comunidade Mbya Guarani com o objetivo de ameaçar e intimidar as famílias que lá vivem.
De acordo com relato das lideranças, nos últimos três meses, ocorreram diversas investidas contra a comunidade. Todas as ações buscam impedir que os indígenas consigam viver em paz no espaço de terra que habitam, conforme determinado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) até que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) realize e conclua o procedimento de demarcação, iniciado em novembro de 2023.
A determinação do TRF4 garante o livre trânsito de todas as pessoas que compõem a comunidade Mbya Guarani pelas estradas que estão dentro da Fazenda Arado Velho. Também estabelece que os funcionários respeitem os indígenas, não podendo se aproximar a menos de 500 metros da aldeia.
No entanto, os indígenas contam que os funcionários da fazenda têm desrespeitado a decisão da Justiça Federal. A comunidade sofre provocações; esses funcionários andam a cavalo entre as casas da comunidade, violam os espaços coletivos e fazem ameaças e intimidações, dizendo para os indígenas voltarem para as margens do Guaíba, não construírem suas casas para além das margens do rio, não fazerem roças, não apanharem lenha, não pescarem e nem buscarem água potável.
Em 12 de agosto, a Amigas da Terra Brasil e o CIMI SUL (Conselho Indigenista Missionário – Região Sul) já haviam denunciado, ao Ministério Público Federal (MPF) e à Defensoria Pública da União (DPU), ameaças e importunações dos seguranças da Fazenda Arado Velho contra a comunidade Mbya Guarani.
Alertamos aos órgãos competentes que o problema prossegue. E enquanto apoiadores da Comunidade Mbya Guarani Tekoa Yjerê, nós da Amigas da Terra Brasil pedimos que a Justiça Federal se posicione a fim de responsabilizar aqueles que ameaçam os indígenas, bem como os mandantes.
No dia 03 de outubro, a Amigas da Terra Brasil esteve na aldeia Mbyá Guarani Tekoá Jatai ty (Cantagalo), situada na macrozona rural de Viamão. Na data estava marcada reunião para apresentação do projeto de aterro sanitário na Fazenda Monte Verde, contando com a participação de moradores da região, ambientalistas, Defensoria Pública do Estado, indigenistas e representantes do empreendimento. A reunião foi cancelada devido ao atraso e à falta de respeito demonstrada pela empresa responsável.
O local planejado para o aterro está a cerca de 2km da Tekoá Jatai ty, e ameaça o território de vida com graves impactos socioambientais, incluindo a contaminação das águas e danos à saúde dos ecossistemas. Além disso, essa região está inserida em terras indígenas demarcadas. No vídeo, o cacique Claudio Verá Mirim explica a situação.
Desde 2018, moradores, indigenistas e ambientalistas organizados no movimento “Não ao Aterro, Não ao Lixão”, junto à Comunidade Mbyá Guarani do Cantagalo, lutam contra a instalação do aterro. Denunciam os riscos que o empreendimento pode causar na região, já que está localizado em área de nascentes d’água que se conectam com as bacias hidrográficas do rio Gravataí e com o Guaíba.
A área proposta para o aterro encontra-se sobre sedimentos instáveis, o que aumenta significativamente o risco de vazamentos que podem comprometer tanto a água superficial quanto o aquífero subterrâneo. A contaminação do lençol freático por resíduos do aterro poderia afetar diretamente a qualidade da água que abastece a região metropolitana de Porto Alegre, colocando em risco a saúde da população.
Seguimos vigilantes e em defesa do urgente diálogo com a população local, especialmente com os mbyá guarani. Conforme determina a Convenção 169 da OIT, frente a qualquer empreendimento, a população deve ser consultada de forma livre, prévia e informada, fato que não ocorreu até o momento.
Em outubro de 2023, a Comunidade Mbyá Guarani da Tekoá Jatai typublicou uma nota reivindicando seus direitos e reafirmando ser contra a instalação do aterro sanitário.
No dia 14 de setembro, lideranças de algumas retomadas Guarani do Rio Grande do Sul estiveram na Casanat, casa sede da Amigas da Terra Brasil, para o primeiro encontro do Hyvu Porã: Fórum das Retomadas. Estiveram presentes a Retomada Mbyá Guarani Tekoa Yjerê, da Ponta do Arado, que fica no bairro Belém Novo, Porto Alegre, a Retomada Karanda Ty, de Cachoeirinha e a Retomada Ka’aguy Porã, de Maquiné.
Confira como foi o primeiro encontro do Fórum das Retomadas:
Representando seus territórios, os mbyá presentes partilharam suas histórias, evocando temas que envolvem seus direitos, que precisam urgentemente ser assegurados e constantemente são feridos pelo mundo e lógicas dos juruá (brancos). Partilharam também sobre diversidade e a particularidade de cada território, que tem lutas e processos singulares, sobre o marco temporal, a demarcação de territórios, as retomadas de parentes e a importância desse movimento e de estarem juntos. “Juruá tomou o nosso território. Agora queremos voltar. Nosso território foi tomado, e agora nós temos que retomar. A retomada é para sobrevivência. Temos nossos filhos para criar, onde vamos criar se não fizermos retomadas?”, disse o cacique André Benites, de Ka’aguy Porã.
O encontro faz parte de uma articulação da ATBr com estes territórios pelo seu direito de ser e existir, que também é a sobrevivência das terras onde coabitam em comunidade com sonhos, águas, frutos, ventos, montanhas e matas. As retomadas são a volta aos territórios ancestrais, onde o modo de ser Mbyá pode ser plenamente vivido. Sem falsas fronteiras inventadas pelo mundo branco, ou cercas que impeçam a liberdade, seja para se locomoverem em terras que sempre foram indígenas, seja para serem em plenitude. É a busca pelo bem viver. Cultura viva, revivida a cada dia. Ao retomar suas terras, os Mbyá preservam seus valores, saberes e tradições, em comunhão com a terra e suas raízes.
Na segunda-feira (12/08), comunicamos ao Ministério Público Federal (MPF) e à Defensoria Pública da União (DPU), junto ao Conselho Indigenista Missionário do Rio Grande do Sul (Cimi Sul RS), denuncia realizada desde o último sábado (10/08) pela comunidade Mbya Guarani da Ponta do Arado. A comunidade, localizada no bairro Belém Novo, em Porto Alegre (RS), sofre ameaças e importunações dos seguranças da Fazenda Arado Velho.
As denúncias revelam que os agentes de segurança da fazenda não permitem o livre trânsito dos Mbya Guarani pela estrada que cruza a fazenda.
Em relato, o Cacique Timóteo Karai Mirim expõe que sem o acesso à estrada, não têm como se deslocarem para a cidade, já que as condições climáticas impedem a navegação pelo rio. Ou seja, estão sendo impedidos por seguranças privados de irem ao Bairro Belém Novo, onde realizam atividades de comércio, assistência médica, aquisição de alimentos e medicamentos. Além disso, o acesso da comunidade Mbya Guarani a água potável fica comprometido com o impedimento de sua circulação até o bairro, onde a buscam para abastecer suas famílias. Um item básico para a sobrevivência, inacessível devido à ação dos seguranças, que os impedem de passagem em nome de uma empresa e da iniciativa privada.
Houve, pelo menos, duas abordagens feitas aos indígenas por seguranças a cavalo. De acordo com os informes, os homens foram bastante agressivos ao abordarem os Mbya Guarani, que se deslocavam a pé pela estrada. Nestas abordagens, os seguranças da fazenda ameaçaram acionar a polícia, caso os vejam andando pela estrada no interior da fazenda, que está com o procedimento de demarcação em andamento desde o mês de novembro de 2023.
Há de se destacar que a decisão judicial, tanto no primeiro grau, como no Tribunal Regional Federal da Quarta Região, assegura aos direitos de ir e vir pelas estradas que dão acesso ao bairro.
Essas abordagens, embora, aparentemente, sem violência física, são ameaçadoras e cerceiam os direitos indígenas de locomoção e de acessarem os órgãos de assistência.
Há, novamente, de parte da DPU e do MPF, a necessidade de uma manifestação no processo de reintegração de posse, que tramita na Justiça Federal, requerendo o cumprimento da decisão, sob pena de responsabilização criminal pelo descumprimento à expressa determinação judicial, além de ameaças várias contra as pessoas da comunidade Mbya Guarani.
Carmen Guardiola, da Amigas da Terra Brasil, acompanha a história da retomada e recorrentemente visita o território Mbya Guarani Tekoá Yjerê. Participou no contato com Timóteo e o CIMI SuI, realizando denúncia na Defensoria Pública do Estado quanto ao ocorrido. Como organização por justiça socioambiental, defendemos os povos nos territórios e pautamos a preservação de sua existência, coabitares, saberes e modos de vida. Exigimos o fim da violência colonial que até hoje sangra suas aldeias e retomadas, em nome do lucro de poucos e da ampliação de um sistema racista e desigual. Por demarcação já, pelo fim do marco temporal e pela construção de alianças com os povos originários, seguimos na luta em defesa de futuros ancestrais.
Esta publicação tem como base o texto produzido por Roberto Liebgott, do Cimi Sul, que foi originalmente publicado em Porto Alegre (RS), no 12 de agosto de 2024. Acesse aqui
Ali coexistiram muitos mundos e realidades antes da invasão europeia, mas todos eles respeitaram, cultuaram forças que hoje parecem se voltar contra nossa sociedade. Na Ponta do Arado – Tekoá Yjere – diz Timóteo, cacique da aldeia: “A terra tem dono, não pode fazer o que quer!”
Será que podemos dispor do meio de forma a beneficiar indivíduos, como se a “natureza” existisse para nós? Timóteo sabe da disparidade de forças entre um ser e todo o restante.
Qual o limite para nossas aventuras e prazeres pessoais?
Qual o limite de nossa tolerância diante grandes predadores assassinos?
A “natureza” está sendo devorada e não percebemos?
Na Ponta do Arado, a “natureza” está vencendo quando um agente de um sistema judiciário, de nossa sociedade, barra esta devoração em forma de um megaempreendimento imobiliário, um verdadeiro projeto de morte para o Arado.
A agente pública ajuíza este projeto como sendo “frágil”, uma devoração frágil por não considerar os mundos e verdades vividas e viventes naquele ambiente: “O projeto é demasiadamente frágil, desamparado de qualquer estudo ou fundamento capaz de rechaçar os riscos, problemas e impactos ambientais e urbanísticos apontados pelo Ministério Público”.
Sua decisão aponta os devoradores, prefeitura e Câmara Municipal de Porto Alegre, aliados com interesses da Arado Empreendimentos LTDA. Num tempo de sentirmos em nossos corpos aquilo que nos parece difícil entender, os fenômenos catastróficos da “natureza”, e como menciona a agente, “riscos ambientais intoleráveis”, e mesmo assumindo a ideia de controle e proibição na tutela ecológica, a agente pública, em uma lógica de tentativa de salvamento, auto-salvamento, diz: “o intento legislativo municipal desconsidera os interesses culturais, paisagísticos, ambientais, urbanísticos, históricos e arqueológicos, menosprezando o impacto sobre as populações indígenas e desafiando o Estatuto da Cidade”, diz a decisão.
A agente continua a sentença: “Ambiente é definido, constitucionalmente, como um bem de uso comum do povo e resultado das relações do ser humano com o tecido natural que lhe circunda”. Édis Milaré, autor da frase, auxilia na construção do argumento e reflete a relação de uso do meio ferindo a perspectiva dos povos indígenas, pois para estes o equilíbrio no meio é igual a uma existência plena entre todos os seres.
Com a decisão judicial, Timóteo comemora a vida. Que bom para todos nós! Ao fim e ao cabo, a Ponta do Arado é um Território de Vida – Yjere.
Uma batalha ganha em uma guerra que já dura mais de 2 mil anos.
Texto por Carmem Guardiola, da Amigas da Terra Brasil
Vitória! No início de Junho, a Justiça do Rio Grande do Sul julgou procedente a Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público contra o município de Porto Alegre, a Câmara Municipal e a empresa Arado – Empreendimentos Imobiliários S.A., declarando a nulidade da Lei Complementar nº 935/2022, que visava modificar o regime urbanístico da área Fazenda do Arado, no Extremo Sul da Capital gaúcha, com a finalidade de beneficiar um empreendimento imobiliário.
A Fazenda do Arado é rica em biodiversidade, possui relevante patrimônio histórico, paisagístico e arqueológico, além de ser uma área natural para o amortecimento de cheias do Rio Guaíba. Na área da Ponta do Arado fica a retomada indígena Yjere do Arado Velho, que pede a realização de estudos e demarcação da área como terra Mbya Guarani. Esta questão tramita na Justiça Federal. Mais informações aqui
Justiça declara nulidade da Lei Complementar nº 935/2022 que favorece empreendimento imobiliário na Fazenda do Arado
A lei declarada nula beneficiava a instalação do maior empreendimento imobiliário em área da cidade, em local que ainda preserva o encontro dos biomas Pampa e Mata Atlântica na capital gaúcha.
A Fazenda do Arado é rica em biodiversidade, possui relevante patrimônio histórico, paisagístico e arqueológico, além de prestar incontáveis serviços ecossistêmicos como servir de área natural para o amortecimento de cheias do Guaíba.
A Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do RS contra o Município de Porto Alegre/RS, a Câmara Municipal de Porto Alegre e a empresa Arado – Empreendimentos Imobiliários S.A. (processo nº5107966-40.2021.8.21.0001) foi julgada procedente em 05.06.2024 para declarar a nulidade da Lei Complementar nº 935/2022 que visava modificar o regime urbanístico da área denominada Fazenda do Arado com a finalidade de beneficiar empreendimento imobiliário.
A juíza Patrícia Antunes Laydner, da 20ª Vara Cível e de Ações Especiais da Fazenda Pública do Foro da Comarca de Porto Alegre, afirmou que a alteração do zoneamento urbano pretendida pelo município exige a apresentação de estudos técnicos aptos a considerar os interesses culturais, paisagísticos,
ambientais, urbanísticos, históricos, arqueológicos e de populações indígenas, como determina o artigo 42-B do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01), o que não ocorreu.
Assim, restou determinado pelo Poder Judiciário do Estado do RS:
a declaração da nulidade da Lei Complementar Municipal nº. 935/2022 impondo ao Município de Porto Alegre que se abstenha de realizar quaisquer licenciamentos, regularizações e/ou recolhimentos de contrapartida com base na legislação declarada nula;
o deferimento da liminar para determinar a imediata suspensão da aplicação da Lei Complementar Municipal nº. 935/2022;
a condenação da empresa Arado – Empreendimentos Imobiliários S.A. ao pagamento das custas processuais.
Trata-se de uma decisão de primeira instância da qual poderão vir a ser interpostos recursos. Aventamos ainda para eventual nova investida que vise legitimar a urbanização da Fazenda do Arado.
Portanto, a campanha #PreservaArado reafirma e fortalece a luta contínua em defesa desta que é uma área de alta significância para a cidadania considerando seu incomparável patrimônio socioambiental, antropológico e histórico.
Histórico de tentativas ilegais de modificar o regime urbanístico da Fazenda do Arado para beneficiar empreendimento imobiliário
A Lei Complementar nº 935/2022, declarada nula no dia de 05.06.2024, se trata da terceira tentativa de modificar o regime urbanístico da Fazenda do Arado.
A primeira tentativa ilegal de expandir o perímetro urbano de Porto Alegre para urbanizar a Fazenda do Arado – 426 hectares de área de produção primária (zona rural) e de proteção do ambiente natural (APAN) às margens do Guaíba – ocorreu no ano de 2015 através de projeto de lei de iniciativa do prefeito (PLCE 005/2015) durante a gestão José Fortunati/Sebastião Melo (2013-2016). O projeto de lei foi aprovado pela Câmara Municipal e deu origem à Lei Complementar nº 780/2015.
Após denúncia da cidadania e de organizações sociais em defesa do direito à cidade e do patrimônio socioambiental coletivo, o Ministério Público Estadual ajuizou Ação Civil Pública diante da ausência de realização de audiência pública.
Em 19.12.2019 a juíza Nadja Mara Zanella, nos autos do processo nº 001/1.17.0011746-8 (CNJ 0016069-55.2017.8.21.0001), declarou a ilegalidade da Lei Complementar nº 780/2015 e de todo o processo que levou a sua edição pois não foi realizada audiência pública com ampla divulgação pelo Poder Legislativo, a qual era obrigatória.
A segunda tentativa ilegal de modificar o regime urbanístico da Fazenda do Arado ocorreu no ano de 2020 através do PLCL nº 016/20, Projeto de Lei Complementar do Poder Legislativo, por iniciativa do vereador Professor Wambert (PTB).
O PLCL nº 016/20 reeditava o texto da Lei Complementar nº 780/2015, declarada ilegal no final do ano de 2019.
Aprovado pela Câmara Municipal, o PLCL nº 016/20 proposto por integrante do Poder Legislativo (vereador), foi totalmente vetado pelo prefeito Sebastião Melo pois continha vício de iniciativa, ou seja, apenas o Poder Executivo (prefeitura), com base em suas informações e estudos, pode propor projetos de lei que tratam do planejamento urbano e de suas modificações.
Já a terceira tentativa ilegal de ajustar o regime urbanístico da Fazenda do Arado aos interesses do empreendedor imobiliário se tratou de mais uma iniciativa do Poder Executivo Municipal (PLCE 024/21) por parte da gestão de Sebastião Melo/Ricardo Gomes (2020-2024).
A proposta do prefeito foi aprovada pela Câmara Municipal e deu origem à Lei Complementar nº 935/2022.
Novamente o Ministério Público Estadual ajuizou Ação Civil Pública (processo nº 5107966-40.2021.8.21.0001) onde alegou a ausência de estudos técnicos* necessários para fundamentar a alteração do regramento urbanístico para ampliação do perímetro urbano de Porto Alegre.
Em 05.06.2024, Dia Mundial do Meio Ambiente, foi proferida sentença declarando a nulidade da Lei Complementar nº 935/2022 uma vez que a regra proposta e aprovada não atende às exigências da lei previstas no artigo 42-B do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01).
*O Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) elaborado pelo empreendedor imobiliário e apresentado para a prefeitura no ano de 2013 para subsidiar a Lei Complementar nº 780/2015 (declarada ilegal) foi objeto de denúncia pela campanha Preserva Arado por apresentar falhas técnicas. Após instaurado o
Inquérito Policial nº. 199/2016/700705-A para investigar o caso o mesmo foi finalizado com a conclusão de que o estudo era falso, omisso e incompleto, portanto não se tratava de um estudo válido para embasar o projeto de lei que deu origem à Lei Complementar nº 935/2022.
Levantamento feito por organizações indígenas e indigenistas busca cobrar o poder público e apoiar campanha de arrecadação de doações para comunidades afetadas
Os impactos das chuvas e das cheias inéditas no estado do Rio Grande do Sul chegam de forma avassaladora em comunidades indígenas da região. Um levantamento colaborativo indica que mais de 80 comunidades e territórios indígenas foram diretamente afetados, alguns com extrema gravidade.
O mapeamento, que segue em atualização, é realizado de forma conjunta pelo Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Sul, Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), Fundação Luterana de Diaconia, Conselho de Missão entre Povos Indígenas e Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (FLD/Comin/Capa), além do Conselho Estadual dos Povos Indígenas do Rio Grande do Sul (Cepi/RS).
O mapeamento, que segue em atualização, é realizado de forma conjunta:
Comunidades dos povos Guarani Mbya, Kaingang, Xokleng e Charrua, espalhadas em 49 municípios gaúchos, são as mais impactadas da região. Dentre as comunidades que se encontram em estado de emergência mais grave, todas elas do povo Guarani Mbya, estão Lami e da Ponta do Arado, situadas no município de Porto Alegre, com 18 famílias atingidas; Yva’ã Porã, em Canela, com 16 famílias afetadas; Flor do Campo e Passo Grande Ponte, em Barra do Ribeiro, com 25 famílias impactadas, e as 19 famílias da aldeia Araçaty localizadas no município de Capivari do Sul.
Nessas comunidades, as famílias precisaram deixar suas casas para se deslocar para áreas mais elevadas, dado o risco de alagamento e deslizamento de terra. Na aldeia Pekuruty, localizada às margens da BR-290, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) destruiu as casas e edificações da comunidade, sem qualquer consulta ou justificativa.
As famílias precisaram deixar suas casas para se deslocar para áreas mais elevadas
Segundo Roberto Liegbott, missionário do Cimi Regional Sul, “essa comunidade foi removida para que o DNIT pudesse consertar uma tubulação que passa ali e eles acabaram destruindo toda a comunidade indígena. Eles arrancaram as casas dos indígenas sem que os Guarani sequer soubessem ou tivessem sido comunicados. Os indígenas no momento encontram-se em um abrigo, mas quando retornarem, a comunidade já não existirá mais, porque o DNIT destruiu tudo”, informou o missionário.
A inundação persiste na região metropolitana de Porto Alegre. A situação ainda é preocupante nos municípios de Canoas, Esteio, Sapucaia do Sul, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Guaíba, Eldorado do Sul e Cachoeirinha, além dos bairros de Porto Alegre, especialmente nas zonas Norte e Sul.
O levantamento realizado pelas organizações indígenas e indigenistas ainda está em estágio preliminar e possui o objetivo de auxiliar, nesta fase emergencial, a realização de uma campanha de doação para as comunidades afetadas. “Há um conjunto de entidades e instituições organizadas para ajudar essas famílias não só nesse primeiro momento, mas também depois, na reconstrução de suas casas e aldeias”, explicou Roberto.
As organizações pedem apoio e doação de alimentos, material de higiene e limpeza, lonas, telhas, colchões e cobertores para as comunidades. As doações podem ser feitas na Paróquia Menino Jesus de Praga, na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
O Cimi Regional Sul, a ArpinSul e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) também disponibilizaram uma conta bancária para receber doações financeiras.
Além de apoiar a campanha de doação em curso, o mapeamento das áreas impactadas também busca subsidiar informações para cobrar, tanto do governo federal como do governo estadual, providências e amparo às comunidades indígenas do Rio Grande do Sul.
“Há também a necessidade que haja a regularização e a demarcação dos territórios, de preferência que se assegure lugares adequados, não degradados, para que essas famílias possam viver tendo um horizonte de segurança e não de vulnerabilização como ocorre hoje”, considera Roberto Liebgott.
Os territórios de vida também sofrem com as fortes chuvas e inundações que atingem o estado do sul do Brasil nos últimos dias. O RS vem sendo atingido constantemente por eventos climáticos extremos, intensificados pela sanha destruidora dos não-indígenas, da nossa sociedade, que interfere e afeta diretamente o clima. Os mesmos que invadem os territórios e espremem os indígenas em lugares insalubres, instáveis e perigosos.
Informações de comunidades indígenas Mbya Guarani que foram impactadas pelas enchentes até agora: Pekuruty (8 famílias), na cidade de Eldorado do Sul; Pindó Poty (12 famílias), na Capital Porto Alegre; Ñhu Poty em Barra do Ribeiro, mais de 20 famílias; Apurity em Barra do Ribeiro; na cidade de Capivari do Sul, 10 famílias.
Avanço das águas em aldeia de Capivari do Sul (RS):
Vídeo da Aldeia Tekoa Ñhu Poty, em Passo Grande (RS):
Os Mbya Guarani de Pekuruty, Pindó Poty e da Ñhu Poty foram acolhidos em abrigos. As famílias da Ñhu Porã, em Barra do Ribeiro, permanecem na área (chamada de tekoa), onde há uma parte mais elevada. Já em Capivari do Sul, a área foi tomada pelas águas, que fica nas margens da RS 040. As famílias estão na tekoa, não foram para abrigos. As aldeias Prainha, em Barra do Ribeiro; Pacheca, em Camaquã, e a do Arado Velho, em Porto Alegre, estão ilhadas neste momento.
Vídeo da Retomada Arado Velho, em Porto Alegre, (RS):
As comunidades perderam tudo o que tinham, como roupas, cobertores, colchões, material de cozinha e alimentos. Até os animais domésticos foram levados pelas águas.
A Retomada Mbya Guarani Nhe’Engatu, em Viamão, e a aldeia Apurity, em Barra do Ribeiro, estão pedindo doações de roupas, cobertores e alimentos. Veja como ajudar em @retomada_nheengatu Apurity também disponibiliza um pix para contribuições em dinheiro (CPF 03371150011), contato é Ariel (51) 99807-7720.
Esta inundação já é considerada a maior tragédia socioambiental do RS. Até o momento, quase 40 pessoas morreram devido a cheias de rios e soterramento, mas outras dezenas estão desaparecidas. Rios ultrapassaram suas marcas históricas de cheias, animais mortos, moradias e estradas destruídas, cidades e populações ilhadas pela água.
Está passando da hora de nos adaptarmos, de forma coletiva, às mudanças climáticas e enfrentarmos esse sistema que coloca o lucro e os ganhos econômicos acima de todas as vidas!
*Com informações de Roberto Liebgott, CIMI SUL, sobre os indígenas
Não foi descobrimento, foi invasão. Timóteo Karay Mirim, cacique da Retomada Mbyá Guarani Ponta do Arado Velho, evidencia: “Para nós não é isso (descoberta), porque aqui é lugar de Guarani há muito tempo. Essa terra é antiga demais. E quando chega Pedro Álvares Cabral os indígenas já existiam há 12 mil anos nessa terra. Depois que ele chegou, invadiu o nosso território. Eu tô sabendo assim”. No vídeo você confere o relato do cacique sobre a data de hoje.
O Brasil é terra indígena. E para além de combater o racismo que marca o cotidiano de povos originários, é mais que necessário lutar para que o projeto de colonização, que segue aprofundando feridas ainda abertas, seja extinto. Isso passa por termos consciência de todas as histórias possíveis, que são diversas, de tantos biomas, que contam também sobre cada território e precisam ser percebidas. Passa por respeitar os povos ancestrais, os seus modos de vida, saberes, culturas e conhecimentos. Assim como por reivindicar que os seus direitos sejam assegurados e que os seus territórios não se transformem em mercadorias. No dia da invasão, gritamos por #demarcaçãojá e #marcotemporalnão.
Hoje, data que marca a invasão do Brasil, também é o primeiro dia da 20ª edição do Acampamento Terra Livre (#ATL2024), que acontecerá até o dia 26, em Brasília (DF). O #ATL é a maior mobilização indígena do Brasil. Nele, povos indígenas de todos os biomas do país se encontram para somar forças, exigindo a garantia de seu direito originário, em oposição ao marco temporal e na busca da demarcação e proteção dos corpos-territórios.
Desde 2018, moradores e ambientalistas organizados no movimento “Não ao Aterro, Não ao Lixão”, e a Comunidade Mbya Guarani do Cantagalo, em Viamão, lutam contra a instalação de um aterro sanitário na Fazenda Montes Verdes, no Passo da Areia, zona rural da cidade. Eles têm denunciado os riscos que o empreendimento pode causar na região, já que está localizado em área de nascentes d’água que se conectam com as bacias hidrográficas do rio Gravataí e com o Guaíba.
Atualmente, a FEPAM (Fundação Estadual de Proteção Ambiental), órgão ambiental do governo gaúcho, analisa recurso da empresa ligada ao Grupo Vital Queiroz Galvão, que é responsável pelo projeto e teve o licenciamento prévio indeferido porque não apresentou os estudos no prazo indicado. O processo de licenciamento para a instalação do lixão está em suspenso, mas pode ser retomado a qualquer momento. Por isso, moradores, a comunidade e ambientalistas seguem vigilantes.
No final de outubro, a Comunidade Mbya Guarani do Cantagalo (Tekoá Jatay´ti) publicou uma nota reafirmando ser contra a instalação do aterro sanitário. A aldeia fica a dois quilômetros da área prevista para o lixão, sendo diretamente afetada.
Publicamos abaixo, a nota da comunidade indígena:
Nota de esclarecimento da Comunidade Mbya Guarani do Cantagalo
Nós da comunidade Mbya Guarani, Tekoa Jataity, viemos a público para nos manifestarmos contra o projeto da prefeitura de Viamão que pretende instalar um aterro sanitário – lixão- perto de nossa terra. Esse empreendimento afetará a natureza, nossas fontes de água e toda a população vizinha da região do Cantagalo. Nossa comunidade tem se manifestado contra o projeto do lixão desde que ele começou a ser discutido no ano de 2018. Estivemos nas audiências públicas promovidas pela Câmara de Vereadores de Viamão e lá sempre nos posicionamos contra o lixão.
Denunciamos o projeto junto ao Ministério Público Federal, junto à Funai e ao Ibama. Nós o rejeitamos porque ele é degradante.
Ele vai afetar nossas práticas religiosas, nossas roças, nossas matas e vai contaminar nossas águas.
Nossa comunidade exige que a Funai e o MPF se manifestem contra esse projeto porque ele agride nossos modos de ser e viver.
Esclarecemos que não fomos consultados por nenhum órgão acerca desse projeto de lixão, nem pela prefeitura de Viamão, nem pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul e nem pelo IBAMA.
Os órgãos federais de proteção ambiental e indigenista devem se envolver nessas demandas já que nossas terras serão impactadas e os direitos sobre elas são regidos pelas normas constitucionais e infraconstitucionais federais.
Alertamos aos órgãos públicos que a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) também está sendo desrespeitada, porque ela estabelece nossos direitos fundamentais quanto aos empreendimentos que venham a nos afetar e a nos agredir direta ou indiretamente.
A Convenção 169 da OIT determina que devemos ser consultados de forma livre, prévia e informada, fato que não ocorreu.
Diante disso, requeremos ao Ministério Público Federal que tome medidas no sentido de assegurar que nossos direitos sejam efetivamente garantidos.
Exigimos uma manifestação expressa da FUNAI quanto à garantia do direito ao território livre de esbulho e que se posicione, de forma veemente, contra esse empreendimento porque causará danos irreversíveis.
E, por fim, reafirmamos nosso posicionamento contra o aterro sanitário – lixão – que pretendem instalar perto de nossa terra.
E, uma vez mais, nos colocamos ao lado dos demais moradores que lutam, de forma permanente, contra esse lixão.
Viamão, 23 de outubro de 2023
Comunidade Mbya Guarani Tekoa Jataity
No domingo, 12 de novembro, o portal de notícias Sul 21 veiculou uma matéria muito interessante, em que especialistas alertam para os danos que o projeto do lixão traz ao meio ambiente e às comunidades da região. Reproduzimos, na íntegra, a seguir:
Projeto está localizado em área de nascentes d’água que se conectam com as bacias hidrográficas do rio Gravataí e com o Guaíba
Ao fundo, no alto, a Coxilha das Lombas, onde se localiza a fazenda em que se pretende criar um aterro sanitário. Foto: Maria Luiza C. C. Rosa
“Empreendimento licenciado pela Fepam de acordo com as normas de proteção e conservação ambiental.” Embora tenha um enunciado que busca passar segurança, a placa do governo estadual recentemente colocada na entrada da Fazenda Monte Verde, na Rodovia Acrísio Prates, no Passo da Areia, zona rural de Viamão, voltou a despertar preocupação nos moradores da região.
O licenciamento único nº 1652/2023, em benefício da Bianchini S/A Indústria, Comércio e Agricultura, é o novo capítulo de uma história iniciada em 2019 e que busca instalar na área um aterro sanitário. Nestes quase cinco anos, o projeto tem enfrentado dura resistência de moradores e ambientalistas que, organizados no movimento “Não ao Aterro, Não ao Lixão”, denunciam os riscos que o empreendimento pode causar na região.
Com idas e vindas, a primeira tentativa de criar o aterro sanitário foi pleiteada por uma empresa ligada ao Grupo Vital Queiroz Galvão. A área para fazer o empreendimento na Fazenda Monte Verde foi arrendada do proprietário Arlindo Bianchini. O projeto, na ocasião, não foi adiante.
O advogado José Renato de Oliveira Barcellos, especialista em Direito Ambiental, recorda que o licenciamento prévio foi indeferido porque a empresa não apresentou os estudos no prazo indicado pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Na ocasião, os responsáveis pelo negócio tentaram alegar dificuldades em função da pandemia do novo coronavírus.
A empresa então recorreu da decisão e a Fepam, agora, após realizar uma vistoria na área em outubro, está analisando o recurso. Enquanto isso, o órgão ambiental emitiu a licença única, com validade até julho de 2028, beneficiando 12 endereços do empresário, incluindo a Fazenda Montes Verdes. A licença autoriza a colocação de resíduos em solo agrícola, tais como lodo da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), cinza de caldeira e resíduo de varredura.
Segundo a Fepam, esses resíduos “servem para dar ao solo os nutrientes que são necessários, sem a utilização de fertilizantes e adubo”, ação geralmente feita em área de pastagem ou plantação para preparação do solo. O processo, explica o órgão ambiental, é feito com o acompanhamento de engenheiro agrônomo e conta com a anuência do município de Viamão. Foi o suficiente para novamente colocar de sobressalto o movimento contrário ao aterro sanitário. Entre seus integrantes, há a suspeita de que a atual licença possa ser o “primeiro passo” para a concretização do aterro.
Barcellos destaca a existência de oito fontes d’água na área escolhida para criar o aterro, um enorme lençol freático considerado uma das melhores fontes d’água do Rio Grande do Sul. Por isso, alega que a área é sensível ambientalmente e corre risco de contaminação com a eventual criação do aterro sanitário.
“Essa contaminação coloca em risco não só as comunidades que vivem no entorno da região, como também ameaça três comunidades indígenas que vivem nas imediações, além de afetar várias unidades de conservação”, afirma. O advogado explica que os corpos hídricos se conectam com a Área de Preservação Ambiental (APA) do Banhado Grande, incluindo a nascente do rio Gravataí, um das mais importantes do RS, com conexão com o Guaíba e, por sua vez, com a Lagos dos Patos e o oceano Atlântico. “Todo esse sistema hídrico está ameaçado por esse empreendimento.”
O negócio ainda está em análise pela Fepam, podendo não avançar para as etapas seguintes se o órgão ambiental não autorizar. Por enquanto, a Fepam analisa os documentos oferecidos pelo empreendedor em seu recurso, sem juízo final sobre o projeto. Não a prazo determinado para a conclusão do processo. Caso o projeto avance, além da eventual licença prévia, há outras duas licenças que são importantes: as licenças de instalação e de operação. As duas seguintes, estas sim, perigosas de serem concedidas, na avaliação do advogado.
“Se a Fepam entender que há argumentos e há segurança para conceder as próximas licenças, isso não significa também que seja uma decisão final. Estamos acompanhando de perto esse processo”, explica Barcellos.
Milhões de anos
Placa da Fepam diante da entrada da Fazenda Montes Verdes. Foto: Reprodução/Facebook
Professora de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maria Luiza da Rosa conta que tomou conhecimento do projeto do aterro sanitário em 2020. Em seguida, foi convidada para analisar as características da área e avaliar, técnica e cientificamente, o quanto o local seria ou não adequado para a implementação do empreendimento.
O aterro sanitário se caracteriza por ter, em tese, uma construção específica para proteger o solo. Porém, por mais que tenha todos os cuidados, ela diz que sempre existe risco de contaminação. Por isso, enfatiza que esse tipo de empreendimento tem que ser colocado em áreas onde o terreno não tenha vulnerabilidade natural elevada. Não é o caso do projeto em Viamão, segundo a geóloga.
“O que a gente analisa, do ponto de vista geológico, é exatamente a vulnerabilidade natural. São as características do tipo de terreno e se ele é mais ou menos naturalmente protegido, pensando que vai ser colocado ali um empreendimento que, intrinsecamente, tem risco”, explica Maria Luiza.
Ao estudar a área, a geóloga e sua equipe constataram que o local em que se pretende instalar o aterro sanitário está sobre uma unidade que integra a planície costeira do RS. Esse sistema costeiro é formado por uma base de rochas de granito bem antiga e, acima, há o depósito de dunas também muito antigas, o que significa haver bastante areia na formação do terreno. Por ser arenoso, a área tem a característica de armazenar água.
“A gente tem exatamente nessa unidade, que a gente chama de Barreira Um ou, geomorfologicamente, de Coxilha das Lombas, um aquífero incrível. É o melhor sistema aquífero de toda a região metropolitana. É uma preciosidade, em termos de reserva de água com grande quantidade e excelente qualidade”, afirma.
Ao olhar a localização da Fazenda Montes Verdes, a geóloga constatou que o projeto do aterro sanitário está exatamente num divisor de águas, numa área alta de recarga do sistema do aquífero. Isso significa que, em caso de qualquer vazamento do aterro sanitário, pode haver a contaminação da água superficial de duas bacias hidrográficas, sendo a primeira delas a Bacia do Rio Gravataí, uma das mais importantes do RS, e a outra a bacia do Guaíba, com suas duas microbacias na região do Lami e de Itapuã. Além disso, pode haver a contaminação das nascentes que existem no local.
“Estamos colocando um empreendimento de risco numa área que tem todas essas características naturais e, como é muito arenoso, a tendência é não ter barreiras para esse contaminante. Se acontecer ali qualquer vazamento, qualquer problema, esse contaminante vai ter um caminho relativamente livre e rápido para chegar na água subterrânea”, explica a professora de Geologia da UFRGS.
A letra da lei
Como advogado, José Renato de Oliveira Barcellos acredita no sucesso da causa que defende. O sentimento é acrescido da avaliação de que o Poder Judiciário está hoje mais “sensível” ao temas ambientais. “Está melhor sensibilizar e conscientizar os magistrados sobre a importância de se manter as condições ambientais e ecológicas em estado de integridade, sobretudo na época em que vivemos, de colapso climático”, comenta.
A confiança é explicitada com base numa série de legislações. O advogado especialista em Direito Ambiental sustenta haver violações de dispositivos constitucionais e da legislação de Viamão, que não permite a instalação de aterro sanitário no local escolhido. Apesar disso, a Prefeitura emitiu a certidão de habilitação do empreendimento na Fazenda Montes Verdes. “A Prefeitura de Viamão emitiu esse documento e ele tem vícios, então a gente acredita que ele possa ser anulado judicialmente”, afirma.
Barcellos sustenta que o empreendimento desejado pelo dono da área viola importantes preceitos da legislação ambiental que impedem esse tipo de instalação numa área ecológica tão sensível. Entre eles, o princípio constitucional da proteção ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, conforme o Artigo 225 da Constituição Federal. O advogado faz menção também à Lei 6.938, de 1981, a qual estabelece uma série de requisitos para a instalação de aterros sanitários, além de resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que disciplinam esse tipo de instalação, assim como a legislação referente à Política Nacional dos Recursos Hídricos, que protege áreas dessa natureza.
O advogado explica que a empresa é obrigada, por lei, a escolher um dentre três modelos de negócios ao pedir autorização para o órgão ambiental. Na sua avaliação, o empreendedor escolheu a alternativa que lhe é mais favorável, porém, é também a mais sensível e com mais risco de contaminação ambiental.
“O empreendedor sempre vai tentar justificar dizendo que está adotando todas as precauções, os estudos técnicos mais avançados, uma tecnologia que não vai oferecer risco ao meio ambiente… mas a gente sabe que, em termos de aterro sanitário, não é assim”, avalia, lembrando o caso do Aterro da Extrema, em Porto Alegre, criado com discurso de segurança e que depois causou uma série de danos ambientais. O projeto do aterro sanitário na Fazenda Montes Verdes prevê 160 toneladas por dia de resíduos sólidos depositados na área.
Agora, com a licença única concedida pela Fepam, Barcellos conta que há um movimento para envolver o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal no processo. Os ambientalistas decidiram também envolver a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul.
“Há um preceito maior estabelecido na Constituição Federal que é a proteção do meio ambiente sadio e ecologicamente preservado para o presente e às futuras gerações. Esse é um artigo, um princípio tão importante que ele acaba influenciando todo o ambiente normativo brasileiro, no sentido de que todas as normas infraconstitucionais sejam pensadas para a maior eficácia protetiva desse dispositivo”, explica Barcelos.
O advogado conta ainda haver outra importante alegação jurídica que pretende usar para tentar barrar o projeto do aterro sanitário mas, por enquanto, prefere não revelar.
Professora de geologia da UFRGS explica que características da região ampliam o risco de contaminação se aterro sanitário for instalado. Foto: Maria Luiza C. C. Rosa
Contaminantes
Conhecidos genericamente como chorume, o tipo de contaminação que pode afetar a região onde o aterro sanitário está instalado depende dos materiais nele depositados.
A geóloga Maria Luiza observa que o projeto do aterro sanitário em Viamão trata de resíduos mais comuns, ainda assim, há uma série de elementos químicos que estarão presentes e, com o tempo, vão sendo liberados e formando o chorume. Isso tudo, ela destaca, se houver um eficiente controle do lixo que será depositado no aterro sanitário.
“A gente sabe que não existe esse controle, então são infinitas as possibilidades de contaminantes que podem ser colocados nessa área. O sistema do subsolo tem essa característica de porosidade, uma permeabilidade elevada, e é uma área alta, então a tendência da gravidade é levar esses contaminantes. As áreas potencialmente atingidas são sensíveis e importantes do ponto de vista ambiental, além do aquífero”, explica.
Enquanto a placa da Fepam colocada diante da entrada da Fazenda Montes Verdes é o mais recente ato de uma disputa de cinco anos, o próximo lance ainda é uma incógnita.
🏹 Recentemente, os povos indígenas tiveram duas importantes vitórias no Rio Grande do Sul (RS) que reforçam sua árdua luta para permanecer nos territórios.
Na 3ª feira (9/05), a 3ª Turma do TRF4 (Tribunal Regional Federal), em Porto Alegre (RS), suspendeu a reintegração de posse da terra onde estão as comunidades Mbya Guarani Tekoa’s Kuryty e Yvyá Porã, na cidade de Canela, na Serra Gaúcha. A desocupação imediata pelos indígenas havia sido determinada pela Justiça Federal de Caxias do Sul, em ação movida pela CEEE, estatal de energia elétrica privatizada pelo governador Eduardo Leite.
Os Mbya Guarani marcaram presença durante a sessão no TRF (foto acima), junto com suas assessorias, organizações e apoiadores, como a Comissão Guarani Yvyrupa, CAPG, de seus aliados – o CTI, Cimi Sul, Aepin, Cepi – e outros apoiadores dos movimentos e coletivos sociais. Os Guarani celebraram, rezaram, cantaram e sorriram diante desta importante vitória!
Vale destacar que na decisão, o relator, desembargador Rogério Favreto, afirmou haver muitos elementos da ocupação tradicional dos Mbya na área, cabendo à FUNAI (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) a criação do GT de identificação da terra. No entender dos desembargadores, é preciso ainda aguardar pelo resultado da apreciação do Recurso Extraordinário de Repercussão Geral, 1.017.365, a ser julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), em que se discute a tese do marco temporal e os direitos originários dos povos sobre as terras que ocupam.
O colegiado também citou a necessidade de seguir, nas discussões jurídicas sobre os povos indígenas e seus direitos territoriais, as determinações contidas em tratados internacionais, referindo a Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
Dada a ênfase que a empresa detentora da CEEE deu aos riscos à saúde e à vida dos indígenas na área retomada, pois há uma hidroelétrica e a rede de transmissão, um dos desembargadores destacou que é dever da empresa criar ou encontrar mecanismos de prevenção e proteção aos indígenas, quando houver, na área em questão, algum risco.
Em síntese, o julgamento referenda a necessidade de permanência dos indígenas na terra, garantindo-lhes a posse; aponta que há elementos significativos acerca da ocupação originária Mbya Guarani naquela região, portanto, um direito que prevalece; e há de se aguardar pelo julgamento no STF, acerca da tese do marco temporal e do indigenato.
O TRF4 já tinha tomado decisão semelhante na semana passada, mantendo suspensa a reintegração de posse do terreno onde fica o “Mato do Júlio”, na cidade de Cachoeirinha, região metropolitana. A decisão garante que a comunidade indígena Mbya Guarani siga no local enquanto tramita a ação movida pela empresa Habitasul, proprietária do imóvel.
A área é reivindicada pelos indígenas, que estão com processo administrativo em aberto junto à FUNAI. Há estudo antropológico que afirma ser o local imprescindível para sustento, reprodução física e cultural da etnia, cuja permanência lá data de décadas.
*Texto de Roberto Liebgott (CIMI Sul) sobre o julgamento da Retomada de canela em 9/05. Sobre a suspensão da reintegração de posse do Mato do Julio e da Retomada de Cachoeirinha, as informações são do TRF4