A transição energética é um dos temas que move as discussões climáticas no cenário internacional. Muitos países têm avançado na adoção de medidas para promover uma transição energética pautada na redução do uso de energias não renováveis, como o carvão e a queima de combustível fóssil. O Brasil sempre se posicionou à margem de tais discussões por sua matriz energética centrada na geração hidroelétrica. Contudo, o que pouco se menciona são os crescentes interesses na expansão de termelétricas no país.
Nos últimos anos, no Brasil, há um crescimento em 77% da produção de energia por meio de termelétricas, as quais são abastecidas por carvão. Isso fez com que a energia termelétrica passasse de 9% para 14% da representação no sistema nacional, segundo dados do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) de 2021. A ampliação do uso de energia proveniente da queima de combustíveis fósseis vai na contramão das metas de redução de gases do efeito estufa. Além disso, o uso de tal energia demanda grande quantidade de água, podendo intensificar o estresse hídrico.
Durante sua participação no Seminário Nacional Emergência Climática e Violações de Direitos Humanos, promovido pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) em dezembro passado, em Brasília, o integrante do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul Eduardo Raguse, que compõe a equipe da Amigas da Terra Brasil, afirmou que o uso do carvão é uma das formas de geração de energia mais poluentes tanto pela produção de gases do efeito estufa como pelos impactos locais. Segundo ele: “comparando, por exemplo, com a energia fotovoltaica, apesar de todos os problemas da cadeia produtiva e dos resíduos, ainda assim a energia fotovoltaica vai liberar entre 30g e 80g de dióxido de carbono equivalente por quilowatt hora gerado. O carvão vai liberar entre 600g a 1600g. Só pra gente ter uma ideia da escala em que estamos falando”.
De acordo com Eduardo, existem mais de 4 mil usinas termelétricas movidas a carvão no mundo, e embora haja um aumento no uso de energia solar e eólica, renováveis, este movimento não é acompanhado de uma redução do uso de energia oriunda da queima de carvão. “A gente percebe essa situação de que sim, mundialmente há um aumento na oferta de energia gerada a partir das eólicas, das solares, mas, ao mesmo tempo, não há uma retração das fósseis. Então, na prática, essa transição energética não está acontecendo, o que está acontecendo é uma nova oferta a partir de novas fontes, mas a nossa demanda energética ao nível global só aumenta”, explica Eduardo.
Além dos efeitos no clima, a demanda por carvão faz eclodir conflitos socioambientais. A maioria do carvão disponível no país está concentrada no estado do Rio Grande do Sul, cerca de 90%, com algumas reservas em Santa Catarina e Paraná. O projeto Mina Guaíba, por exemplo, previa a operação da maior mina de extração de carvão a céu aberto do Brasil, entre as cidades de Eldorado do Sul e Charqueadas (RS), a 16 km da capital Porto Alegre. O projeto atingia território indígena dos Mbya Guarani, não tendo realizado a consulta às comunidades para obtenção da licença prévia. Fato que, juntamente às diversas falhas e omissões dos estudos da empresa COPELMI, ensejou seu arquivamento. Além do território indígena, a mina Guaíba afetaria assentamentos da reforma agrária, o Parque Estadual Delta do Jacuí, bem como os municípios do entorno, além de estar localizado no bioma Pampa, que armazena uma das maiores reservas de água potável do mundo, o Aquífero Guarani.
A paralisação da abertura de mais uma mina de carvão no RS só foi possível pela organização popular. As mais de 100 entidades organizadas no Comitê de Combate à Megamineração no RS elaboraram estudos, levantaram dados, construíram vários materiais informativos, articularam e mobilizaram o debate público que puderam para pressionar o governo no estado e o judiciário pela não aprovação da obra. A demanda dos movimentos populares é pela paralisação da cadeia do carvão no país, tendo em vista os impactos ambientais e sociais e a baixa eficiência do carvão para geração de energia, e pela garantia de direitos dos trabalhadores do setor, com a construção de alternativas econômicas para as regiões carboníferas.
Outro aspecto chave levantado pelas organizações diz respeito aos impactos à saúde. Raguse aponta que estudos têm identificado aumento de danos às células linfócitas e bucais de trabalhadores da indústria do carvão, com alterações em exames de sangue que vêm sendo identificados também nas populações residentes no entorno das minas e das termelétricas. Além disso, destaca que já foram identificados impactos em ovos de galinha, rebanhos animais, na flora e fauna nativas, e na água.
Ademais, a incorporação de energia termelétrica no sistema nacional é um dos principais fatores para o aumento das contas de energia, por ser um setor altamente subsidiado. Se observarmos, como consumidores, os custos da bandeira vermelha que aparece em nossas contas de luz quando está acionado o sistema termelétrico, também entenderemos porque não é uma energia viável.
A realidade dos conflitos socioambientais ocasionados pelo carvão no RS desvela as contradições da promoção de uma transição energética. Isso porque, enquanto se promove a redução das emissões por um lado, estimula-se o uso de termelétricas por outro. Bastante revelador desse cenário é o PL n.º 11247/2018, que visa regular o uso das eólicas offshore (alto mar). Ele estabelece, dentre seus dispositivos, a obrigatoriedade da contratação de energia termelétrica até 2050. O projeto foi um dos exemplos apontados, pelo Congresso Nacional, de transição energética brasileira na COP28 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), realizada em 2023 em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Tal como propõem as organizações do Comitê de Combate à Megamineração no RS, ao problematizar a continuidade da cadeia produtiva do carvão, caminhamos no sentido de repensar o uso de tal modelo de produção de grandes impactos social, ambiental e financeiro, em um cenário de crise climática que demanda ação urgente, ainda nos próximos 10 anos. Trazendo um chamado para pensarmos uma transição energética no Brasil que seja verdadeiramente justa e igualitária.
Em um mesmo final de semana de setembro, três aldeias guarani foram atacadas no Rio Grande do Sul. Uma delas foi a Aldeia Guajayvi, localizada no munícipio de Charquedas, a 50 km de Porto Alegre e a três km de onde a empresa Copelmi pretende instalar a Mina Guaíba, empreendimento de mineração de carvão a céu aberto e que está sofrendo forte resistência da comunidade do estado. No começo de dezembro, fomos escutar o Cacique Cláudio Acosta, 51 anos, sobre as ameaças, que aconteceram simultaneamente a uma investigação do Ministério Público Federal sobre irregularidades no licenciamento ambiental do empreendimento. Segundo o relato do Cacique Cláudio Acosta, foram três dias de tensão, sexta (13), sábado (14) e domingo (15). Em uma sexta-feira, chegou na porteira um carro branco, que ficou estacionado por 20 minutos, tirando fotos, filmando. No dia seguinte, um carro vermelho, com dois homens diferentes. Dessa vez, com armas, exibidas na cintura. “Falaram que tinham ordem de que se fizéssemos qualquer movimento estranho era para atirar e matar”, relata Cláudio. No domingo, um terceiro carro, com homens que filmaram os índígenas da cerca. “Tentamos fotografar, mas temos medo”, admite. O Cacique Cláudio Acosta registrou boletim de ocorrência na 17ª Delegacia de polícia Regional do Interior e protocoulou, em Charqueadas, junto ao Ministério Público Federal, um pedido para que as autoridades da região proteja sua vida e a de outros integrantes da aldeia Guajayvi.
Em 2013, com três famílias, os guarani retomaram estas terras através de uma concessão do estado do Rio Grande do Sul. O terreno era usado pela Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) para plantação de eucaliptos e confeccção de postes de luz. Hoje é usufruto guarani, que já plantaram mais de 2 mil mudas nativas na região e acompanham o ressurgimento da mata. No meio dos eucaliptos, resistiu uma árvore Guajuvira, que dá nome à aldeia e é usada pelos indígenas no artesanato e na medicina. Neste período de sete anos, nunca tinham vivido um incidente semelhante ao final de semana de ataques. “Nesse tempo que estamos aqui ninguém foi parar no hospital. Então a gente vê que espiritualmente é uma área boa”. No entanto, atualmente, o cacique Cláudio Acosta está receoso: “eu já não saio mais para a cidade de Charqueadas com medo”. O ataque aos mbya guarani da aldeia Guajyvi aconteceu em um momento de forte contestação do Estudo de Impacto Ambiental produzido pela empresa Copelmi. Após o ataque, no dia 23 de setembro, o Comitê de Combate à Megamineração no RS lançou uma nota de repúdio ao incidente e em solidariedade aos guaranis. “Aldeia pode estar sendo vista como uma ameaça à instalação do projeto Mina Guaíba, uma vez que sua presença torna flagrante o fato de a empresa Copelmi não ter realizado em seus Estudos de Impacto Ambiental (EIA) o chamado Componente Indígena, desrespeitando a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao não realizar consulta prévia à esta Aldeia e à outros territórios indígenas do entorno, bem como ao não avaliar os impactos socioambientais e de saúde à estas comunidades, questões que já estão sendo acompanhadas por inquérito do Ministério Público Federal”. O artigo “As aldeias Guajayvi e Pekuruty e suas invisibilidades no EIA-RIMA”, produzido por Guilherme Dal Sasso e Lorena Fleury e exposto no Painel dos Especialistas, mostra que há pelo menos duas aldeias na Área de Influência Direta do empreendimento, sem que essas tenham sido consultadas nos estudos produzidos pela Copelmi. O texto traz elementos, como a existência de 37 sítios arqueológicos na região, que evidenciam a presença indígena há pelo menos 600 anos na região. Nos dias 2 a 4 de outubro, a comunidade guarani da aldeia Guajayvi se reuniu com o Conselho Missionário Indigenista para criar estratégias de aumento da segurança e também para cobrar do poder público a execução de Audiências Públicas sobre a Mina Guaíba dentro das comunidades indígenas. Quando visitamos a aldeia, no dia 5 de dezembro, havia dois dias que o Ministerio Público tinha ligado para o Cacique Cláudio Acosta questionando sobre a Mina Guaíba. No dia 17 de dezembro, o Ministério Público manifestou-se favorável a uma Ação Civil Pública que pede à Justiça Federal a suspensão do processo de licenciamento da mina alegando justamente que a Copelmi não respeitou a Convenção 169. A Justiça Federal ainda não julgou a ação. A Copelmi não consultou a comunidade guarani porque a resistência é óbvia. “A mina vai trazer muita doença, espirtualmente e no corpo”, defende o cacique. “Ficamos preocupados em geral porque está acontecendo muita coisa no mundo, terremoto, cidades alagadas. O ser humano não se dá conta porque está acontecendo isso aí. Mas aí chega esse projeto da mina que vai furar não sei quantos metros para baixo. Daqui a alguns anos vai faltar um pedaço de terra, e isso nos preocupa”. O ataque à aldeia Guajayvi aconteceu no mesmo final de semana em que outras duas comunidades mbya guarani foram atacadas, a aldeia Yjerê, na Ponta do Arado, em Porto Alegre, e a Aldeia Yy Purá, no município de Terra de Areia. O Amigos da Terra Brasil registrou o depoimento das lideranças das três comunidades, pois acreditamos que os incidentes são movimentos articulados de ofensiva crescente contra os povos originários do nosso país, muitas vezes com megacorporações por trás.
Territórios são visados por projetos de megamineração (projeto Mina Guaíba/Copelmi, entre Charqueadas e Eldorado do Sul); de um condomínio de luxo, na Ponta do Arado, Zona Sul de Porto Alegre; e a outra área, em Terra de Areia, é pública e está ocupada há mais de dois anos.
Apenas no último final de semana, por exemplo, o Rio Grande do Sul registrou três ataques a comunidades indígenas. Os atos ocorreram nas retomadas Guarani Mbya da Ponta do Arado, na Zona Sul de Porto Alegre, e de Terra de Areia, localizada em município de mesmo nome. Também a terra Guadjayvi, em Charquedas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, sofreu ataque.
Charqueadas/RS
São territórios em disputa: em Charqueadas, a terra indígena está a pouco mais de um quilômetro da área onde a empresa Copelmi pretende instalar a maior mina de carvão a céu aberto do Brasil, o projeto Mina Guaíba. O estudo de impactos ambientais da mineradora apresenta diversas falhas e, entre as mais evidentes, está o não-cumprimento da convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Esta regra internacional reconhece a soberania dos povos sobre seus territórios ancestrais e obriga os empreendimentos a fazerem uma consulta prévia e informada com as populações tradicionais atingidas por seus projetos – o que a Copelmi ignorou. A área é pública e foi concedida pelo Estado do RS para usufruto dos indígenas. Segundo o cacique Claudio Acosta, na sexta-feira (13/09), um grupo de homens se identificou como “seguranças da Copelmi” e proibiu a circulação dos indígenas em suas próprias terras, ameaçando que, se o fizessem, corriam o risco de serem alvejados por tiros de arma de fogo.
Já a retomada da Ponta do Arado, no bairro Belém Novo, zona sul de Porto Alegre, é uma área disputada pela Arado Empreendimentos, que pretende construir no local duas mil casas em três condomínios de luxo. O sítio arqueológico no local comprova que o território é ancestral indígena; o caso está na Justiça e, por ora, os Mbya Guarani permanecem ali – apesar das constantes ameaças: seguranças privados cercaram as famílias da retomada e mantém vigilância permanente, dificultando mesmo o acesso à água. Na tarde do último domingo (15/09), tiros foram dados em direção às barracas do acampamento, assustando as famílias, em especial as crianças: “Não atiraram contra pessoa, mas assim… por cima dos barracos, né, dos lados. Todo mundo fica assustado, as crianças tudo com medo e chorando”, relatou o cacique Timóteo Karai Mirim Guarani Mbya.
Em Terra de Areia, homens não identificados se apresentaram como policiais e disseram que receberam denúncia de invasão; a área, porém, é pública, e há cerca de dois anos os indígenas estão no local. O ataque ocorreu na madrugada de sábado (14/09) para domingo (15/09). Homens fortemente armados com fuzis e pistolas invadiram a comunidade, ameaçaram a todas e todos, ordenando o abandono da área. Ainda invadiram as casas e as reviraram. Mesmo se apresentando como policiais, nenhum deles apresentou identificação e não portavam mandado judicial para justificar a abordagem. Ao ser feito o Boletim de Ocorrência, as polícias Civil e Militar afirmaram não terem recebido qualquer ordem neste sentido em relação à comunidade indígena do local.
Em um único final de semana, em um intervalo de poucas horas, três comunidades indígenas são atacadas no Rio Grande do Sul. Segundo o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), fatos semelhantes foram denunciados em outras regiões do Brasil. Já não é mero discurso de ódio: este está materializado. São ações de ódio, violência e intimidação que não podem passar incólumes. Cabe às autoridades a investigação dos responsáveis diretos e de seus mandantes, além, claro, da garantia da segurança das famílias indígenas.
Audiência coordenada pela Fepam encerrou às duas da manhã, sem encaminhamentos. Moradores de Porto Alegre exigiram a realização de uma audiência pública também na capital. Além dos estudos insuficientes sobre os impactos ambientais, chamou a atenção também a presença de adolescentes vindos em ônibus fretados de Butiá, que vestiam camisetas em apoio à Copelmi.
Após a realização de audiência pública sobre o projeto da Mina Guaíba em Charqueadas, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) realizou na noite de ontem (27/06), a audiência de Eldorado do Sul. A área onde a empresa Copelmi deseja explorar carvão fica entre os dois municípios. No entanto, a mina também estará apenas há 16 km do centro da capital e 4 milhões de pessoas serão impactadas na Região Metropolitana de Porto Alegre.
Por esse motivo, diversas pessoas se manifestaram defendendo a consulta em outros municípios e a realização de uma audiência pública também em Porto Alegre.
Dezenas de pessoas se manifestaram até às 2h da manhã. A maioria contra o projeto da Copelmi. Mas a empresa contou com a solidariedade corporativa e trouxe ônibus fretados da cidade de Butiá, onde explora carvão. As falas em defesa da mina foram de funcionários da Copelmi, de um vereador e do prefeito de Butiá. Mas, o que foi ainda mais estarrecedor para os presentes na audiência foi a presença de crianças e adolescentes que vestiam camisetas e usavam adesivos em defesa da Copelmi [em respeito aos menores, não publicaremos as imagens].
A área onde pretende-se minerar carvão é muito diferente do terreno de Butiá. É uma região de banhado onde está localizado o Delta de Jacuí, área de preservação ambiental, fato que demonstrou a fragilidade do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA). Dois lençóis freáticos serão esvaziados, comprometendo a segurança hídrica da Região Metropolitana. O estudo sobre os ventos considerou as médias apenas do ano de 1998, o que causou preocupação nos ambientalistas que se manifestaram, já que para quem conhece as cheias do Guaíba e do Jacuí, fica a incerteza se uma enchente poderia transbordar os rejeitos e contaminar a água que abastece a população.
Além do Loteamento Guaíba City e do assentamento Apolônio de Carvalho, terceiro maior produtor de arroz orgânico do país, terem que ser removidos caso a mina avance, outras 40 comunidades indígenas serão afetadas. A Copelmi também não soube explicar o porquê de as comunidades guaranis não terem sido consideradas/consultadas.
A audiência acabou sem encaminhamentos da Fepam. Mas a mobilização popular segue para barrar a Mina Guaíba, já que a empresa não possui ainda o licenciamento ambiental.
Confira abaixo o fact checking que fizemos nos falsos argumentos da Copelmi:
Levantamento do MAM aponta 166 projetos para exploração de minério no estado atualmente. As informações foram apresentadas durante Assembleia Popular da Mineração no último dia 11, em Eldorado do Sul
Com o colapso enfrentado pela atividade mineradora em Minas Gerais, o Rio Grande do Sul é a bola da vez para os projetos de exploração de minério. De acordo com levantamento do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), há no momento 166 projetos de mineração em alguma fase de análise no estado. Entre eles, está o da Mina Guaíba – que pretende ser a maior mina de carvão a céu aberto do Brasil. Outros três grandiosos também chamam a atenção: a extração de titânio em São José do Norte, de chumbo e zinco em Caçapava do Sul, e de fosfato em Lavras do Sul. “Nesses quatro projetos, percebemos que há a tentativa de acelerar o processo de licenciamento ambiental”, diz Michele Martins, do MAM.
A maior parte está localizada na metade Sul, onde justamente está uma grande diversidade econômica, social e cultural, com assentamentos rurais e a presença de comunidades tradicionais que mantêm a preservação ambiental e produzem a sua renda a partir da agricultura e da pesca.
O panorama foi apresentado durante a Assembleia Popular da Mineração, realizada no dia 11 de junho, em Eldorado do Sul, Região Metropolitana de Porto Alegre. O encontro organizado pelo MAM e pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) contou com a participação de alguns vereadores, ambientalistas, movimentos sociais e da comunidade local.
Segundo o professor da FURG, Caio dos Santos, há o imaginário de que o Rio Grande do Sul não seria um estado minerador. No entanto, a história mostra que sim, como exemplo da exploração de ametista na região Norte e a de carvão na região de Candiota. “A diferença é que agora há um avanço maior das companhias mineradoras, que veem o Rio Grande do Sul como um estado a ser esburacado”, disse.
No caso da Mina Guaíba, que pretende tomar uma área localizada entre os municípios de Charqueadas e Eldorado do Sul, a preocupação dos moradores é tanto pela saúde, que será impactada com a poluição do carvão, quanto pela situação de suas moradias e de seus locais de trabalho. Há duas comunidades que a empresa mineradora quer “reassentar involuntariamente”, o Loteamento Guaíba City e o Assentamento Apolônio de Carvalho, território conquistado por lutadoras e lutadores pela reforma agrária do MST, em 2007.
Aos 17 anos, Guilherme Vanin, morador do assentamento Apolônio, explica que a família trabalha com a agroecologia e está com medo de não poder mais plantar alimentos saudáveis.
Moradora do Guaíba City há 20 anos, Sirlei de Souza afirma que não sabe para onde irá caso a mina seja implantada. “Eu tenho meu comércio ali, é meu ganha pão. Disseram que a gente não tem dignidade, mas eu tenho tudo, uma bela casa e um belo arvoredo. Quando eu morei em Charquedas, na época da Copelmi, que não tinha dignidade. Tu saía de roupa branca e ela voltava preta por causa do pó”, conta.
“A Mina Guaíba é a porta de entrada dos grandes projetos, onde um conseguindo se implantar, os outros vão conseguir, essa é a estratégia do capital mineral”, afirmou Michele.
Para o coordenador nacional do MAM, Márcio Zonta, há um projeto internacional de mineração e como países desenvolvidos não aceitam mais atividades altamente poluidoras em seus territórios, as companhias veem na América Latina e na África grande potencial para exploração.
Ainda assim, segundo ele, as comunidades do Rio Grande do Sul ainda estariam em vantagem, já que nenhum documento foi assinado. “Segundo pesquisas chinesas, em 15 anos, um milhão de pessoas vão morrer na China por causa da poluição do carvão. Aqui não tem nenhuma máquina no território de vocês. Então, tem luta”.
Um manifesto contra a implementação dos projetos de mineração no Rio Grande do Sul também foi lançado durante a Assembleia Popular da Mineração. No dia 27 de junho, haverá audiência pública sobre a Mina Guaíba, em Eldorado do Sul.
Visita às comunidades que serão atingidas pelo projeto da Mina Guaíba – que pretende ser a maior mina de carvão a céu aberto do Brasil -, comprova os impactos socioambientais do empreendimento. Plano é instalar mina a cerca de 15km do centro de Porto Alegre, à beira do Delta do Jacuí. Narrativa que Copelmi, empresa responsável pelo projeto, tenta construir é a de que as pessoas destas comunidades vivem sem “dignidade humana” e que a empresa melhoraria suas vidas. Ora, fomos até lá fazer o que a Copelmi não fez: ouvi-las.
Sordidamente, a proposta da empresa prevê que as pessoas só seriam retiradas de suas casas e terras após 5 anos de extração do mineral. Ou seja: seriam 5 anos convivendo dia e noite com perfurações, detonações com dinamite, alto fluxo de veículos pesados e ainda a operação das plantas de beneficiamento dos minerais extraídos. Tais atividades trariam impactos como piora da qualidade do ar, ruído e rebaixamento do lençol freático, de onde as comunidades captam sua água para abastecimento. Um dos argumentos que a Copelmi utiliza em seu favor é a geração de empregos. Contudo, a promessa é vazia: serão apenas 331 postos de trabalho criados nestes primeiros anos, durante a fase de implementação; e até 2042, prometem-se outros 823. Deve-se ainda questionar a qualidade dos empregos ofertados; a saúde de trabalhadoras e trabalhadores na extração mineira é extremamente danosa à saúde e uma atividade perigosa: a mineração é a maior responsável por mortes no trabalho ao redor do mundo.
A narrativa que a Copelmi tenta construir é a de que as pessoas destas comunidades vivem sem “dignidade humana” e que a empresa iria melhorar suas vidas. Ora, fomos até estas comunidades fazer o que a Copelmi não fez: ouvi-las. E o que vimos e ouvimos é o oposto do que o engenheiro Cristiano Weber, principal porta-voz da empresa (o nome bonito dado a seu cargo é de gerente de Sustentabilidade Corporativa), declara, com certa arrogância, nos solenes debates em que participa.
É bem verdade que há uma evidente negligência dos poderes públicos municipais, principalmente quanto à qualidade das estradas e ao posto de saúde fechado há mais de dez anos; porém, estes foram os únicos aspectos negativos nas falas de moradoras e moradores. O que vimos foram duas comunidades angustiadas pela incerteza e pela possibilidade de perderem seu “paraíso” (palavra usada por mais de uma das pessoas ouvidas); e indignadas pelas afirmações da empresa, que as trata como indignas, claramente uma mentira. Há muita vontade de lutar pela permanência na área. No dia 11 de junho, haverá uma assembleia popular para tratar do tema; no final do mês, 27 de junho, uma nova audiência pública acontecerá.
O Loteamento Guaíba City é o lar de muitas famílias: algumas já vivem ali há 3 gerações. Há aquelas pessoas que vão somente aos finais de semana pois ainda têm que trabalhar na cidade, mas que pretendem ir para lá definitivamente ao se aposentarem: é seu plano de vida. Outras já conseguiram este feito de “fugir” da cidade. Nos lotes, que são pequenas chácaras, construíram suas casas, perfuraram seus poços, criam galinhas, vacas leiteiras, cavalos, têm pequenas roças e hortas, além de pescarem nos arroios locais (que serão desviados pela mina) e no Rio Jacuí. As crianças vão a pé ou de bicicleta para a escola Osmar Hoff Pacheco, ou de transporte escolar (que, segundo os relatos, funciona bem) para as escolas das cidades do entorno.
Em um abaixo-assinado que percorre o loteamento, uma derrota acachapante da Copelmi: em 82 assinaturas, 77 são contrárias ao projeto – apenas 5 estão ao lado da empresa, que não se cansa de tentar ludibriar a comunidade (no mesmo dia da nossa visita, um micro-ônibus alugado pela Copelmi levou alguns moradores para uma “churrascada”; segundo relatos, já não era a primeira vez que isso acontecia). Cada assinatura representa um lote, correspondendo à quase 250 pessoas; nem todos os lotes assinaram ainda. A maioria das pessoas não cogita sair de lá “nem morto”, até por que lá existe um cemitério que guarda muitos de seus entes queridos.
O Assentamento Apolônio de Carvalho, apesar de ser relativamente novo (foi criado em 2007) e de todas as dificuldades para se implantar um assentamento, está em pleno funcionamento. Abriga 72 famílias, com grande sentimento de pertença ao território conquistado (que antes era um “haras” de um poderoso traficante). O carro-chefe do Apolônio é a produção do arroz orgânico, o terceiro maior produtor do país, que em conjunto aos demais assentamentos do RS forma nada menos que a maior produção de arroz orgânico da América Latina. Mas a produção vai além do arroz: o assentamento produz “de tudo” – e sem veneno: hortaliças, tubérculos, frutas, chás, temperos, leite, queijo, ovos, carne, peixes, sementes, compotas. Quase tudo necessário à subsistência, e o excedente é comercializado em dezenas de feiras ecológicas em Porto Alegre e Região Metropolitana (ainda atende locais específicos, como, por exemplo, uma clínica oncológica – e por que será?). Produzem também conhecimento e tecnologia, que tem muitos nomes: agricultura orgânica de base agroecológica, controle biológico de enfermidades nos cultivos, permacultura, agrofloresta, bioconstrução. Enfim, mostram na prática uma alternativa viável, que constrói vidas simples mas abundantes e em harmonia com o ambiente. Não seria esta a verdadeira sustentabilidade?
Após algumas tentativas da Copelmi de fingir que as comunidades, tanto do Guaíba City quanto do Apolônio, estariam dispostas a deixar o local onde vivem, foi necessário demarcar suas posições de maneira clara: “Somos contra, porque somos a favor da vida”. Além do que já conseguiram alcançar (terra para plantar, casa para morar, luz, água, o sustento garantido pelo lote), todos tem ainda muitos sonhos: aumentar a produtividade do arroz, ter demanda mais garantida (além das feiras e clientes específicos, faz falta o fornecimento antes feito a escolas através do PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar], praticamente acabado no contexto atual), que a cidade valorize mais o alimento produzido sem veneno no campo. Ficam a imaginar o quanto de alimentos sem veneno pode ser produzido e posto na mesa de famílias no campo e na cidade ao longo dos 23 anos que a mina pretende operar…