Nota Pública do Comitê de Combate à Megamineração do Rio Grande do Sul (CCM):
Fim dos riscos Mina Guaíba e UTE Nova Seival?
O Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul (CCM/RS), articulação formada por diversas entidades ecológicas, socioambientais, sindicais, associativas, movimentos sociais, assim como por grupos de pesquisadores/as das principais universidades do estado, vêm a público esclarecer algumas informações publicadas nos últimos dias na imprensa.
Segundo foi noticiado, a empresa Copelmi teria desistido do empreendimento minerário denominado Mina Guaíba (que seria a maior mina de carvão a céu aberto do Brasil e faria parte de todo um complexo carboquímico na região do Delta do Jacuí), assim como da Usina Termelétrica Nova Seival (maior termelétrica a carvão mineral nacional, que queimaria 12.600 toneladas de carvão por dia para a produção de 726 MW, na região da campanha). Segundo seu diretor Cristiano Weber “não existe ambiente” e a empresa estaria iniciando um processo de “transição energética”.
Ora, a sociedade gaúcha fica extremamente feliz com a desistência da empresa! Contudo, é importante ressaltar e deixar claro que tal posicionamento não decorre de uma conscientização ambiental ou eventual percepção de que os empreendimentos a serem instalados trariam graves e severos prejuízos à natureza e aos modos de vida das comunidades que seriam atingidas por esses empreendimentos. As comunidades indígenas Mbya-Guarani e camponesas dos assentamentos da reforma agrária, cabalmente ignoradas pela empresa durante os licenciamentos ambientais, foram centrais no processo de resistência a esses dois grandes empreendimentos poluidores. Ou seja, em verdade trata-se de uma importante vitória que é o resultado de um amplo processo de mobilização e articulação popular. Esse movimento foi conduzido pelas diversas entidades que compõem o CCM/RS para combater a destruição da natureza e as agressões aos modos de vida da população gaúcha, que se via ameaçada por projetos de geração de energia extremamente poluente e pouco eficiente.
Cabe ressaltar que a criação do CCM/RS e toda a mobilização em torno da questão, que atraiu atores sociais de fora do RS, inclusive, foi fundamental para a elaboração de todas as estratégias, pesquisas, seminários, repercussão social na imprensa e ações judiciais que pressionaram a empresa e o poder público, que já estava em vias de licenciar os projetos, alinhados a interesses de governantes do Estado.
Além disso, a empresa “esquece” que esses empreendimentos foram barrados por duas importantes sentenças judiciais, frutos da aliança entre a produção de pareceres técnicos qualificados e a litigância climática estratégica, que mostrou-se, nesses casos, uma importante ferramenta na luta da sociedade civil para buscar impedir e repelir os ataques e violações a direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais que os empreendimentos acarretariam.
Ainda, o posicionamento da empresa deixa clara a intenção de esquivar-se de responsabilização pelas diversas inobservâncias à legislação climática, em âmbitos nacional e internacional, já que foram cabalmente ignoradas a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC, Lei nº 12.187/09) e a Política Gaúcha sobre Mudanças Climáticas (PGMC, Lei Estadual 13.594/09), assim como as diretrizes da Convenção 169 da OIT, que garante o direitos à consulta e consentimento prévio, livre e informado das comunidades indígenas. Demonstra também a impossibilidade de comprovar a viabilidade ambiental destes empreendimentos, não tendo sido capaz de preencher as inúmeras lacunas e omissões presentes em seus Estudos de Impacto Ambiental, apontados pelo conjunto de pesquisadores e técnicos do CCM/RS.
Por fim, importante mencionar que a Copelmi requereu a extinção dos processos sem a análise do mérito, mesmo já havendo duas sentenças condenando a empresa pelas práticas irregulares no decorrer do licenciamento ambiental da UTE Nova Seival e da Mina Guaíba.
Em síntese, a empresa pretende eximir-se de suas responsabilidades pelas violações e pelos danos causados ao meio ambiente, conforme já reconhecido em sentenças proferidas pela 9ª Vara Federal de Porto Alegre. A Copelmi busca, ao fim e ao cabo, evitar que os seus recursos de apelação sejam devidamente analisados e que as decisões contrárias já existentes contra si não se tornem jurisprudência do TRF4 para, futuramente, talvez viabilizar o licenciamento de outras atividades tão poluentes e agressivas ao meio ambiente quanto estas, o que é inadmissível.
Vale sempre relembrar que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é uma garantia constitucional, prevista no art. 225 da Constituição Federal, sendo, portanto, um direito de todos usufruir do ambiente natural, assim como é um dever de toda a sociedade protegê-lo. Em defesa dele, portanto, o CCM/RS reafirma seu compromisso com o povo gaúcho de lutar para que não sejam mais abertos projetos de megamineração e termelétricas movidas a carvão mineral em nosso estado.
A mobilização/articulação popular, a comunicação e disputa do debate público, a construção de análises e pareceres científicos e a litigância climática estratégica nesses casos foram – e ainda são – um importante mecanismo de controle e fiscalização social acerca das potenciais violações a esse direito fundamental.
É importante ressaltar que o momento de atuação da sociedade organizada foi preciso e estratégico, para além da proteção dos territórios de vida ameaçados. Dentro do debate global pela redução do uso de combustíveis fósseis, garantimos a não expansão da cadeia do carvão no Brasil, em um contexto de emergência climática que se agudizou profundamente desde que começamos estas lutas, e que teve sua expressão máxima, até o momento, nas enchentes de maio de 2024 que atingiram todo o estado do Rio Grande do Sul. Caso a Mina Guaíba tivesse sido instalada, a cava da mina teria sido inundada, e a água, além de ter destruído centenas de casas e exposto a população à contaminantes sanitários, teria carreado a drenagem ácida da mina, junto com seus metais pesados, para dentro das casas das pessoas, para as captações de água de abastecimento, para o solo agrícola da região, e para o Parque Delta do Jacuí, causando contaminação e impactos ao ambiente e à saúde de difícil mensuração.
O setor carvoeiro, ignorando os limites climáticos do planeta, segue com um forte lobby para manter as operações das termelétricas de Candiota (as mais poluentes do Brasil, altamente subsidiadas e que são responsáveis pelo encarecimento da nossa conta de luz, pelo consumo de milhares de litros da água da região e pela emissão de altas quantidades diárias de GEE). O setor recebeu, recentemente, inclusive o apoio do governador Eduardo Leite, que havia tentado pintar uma imagem verde, mas parece que agora volta atrás. Sua narrativa usa como desculpa que a região precisa passar por uma transição “justa” antes de encerrar a operação das usinas, cooptando e esvaziando o termo da luta dos trabalhadores. Claro que apoiamos e queremos construir uma transição justa e que esse processo não deixe os trabalhadores para trás. Porém, entendemos que a transição deve ser justa para todos, para os trabalhadores, mas também para as comunidades locais impactadas pela poluição e para a humanidade e a natureza cada vez mais ameaçada pelos imprevisíveis efeitos do clima. Além disso, o que se vê, na prática, não é uma transição para uma economia mais ecológica e justa na região, mas uma tentativa de postergar a queima do carvão no RS até 2040 ou 2050.
Diante disso, seguimos atentos e vigilantes para todas as formas de degradação e poluição ambiental, como meio de garantir e preservar a natureza e os modos de vida das comunidades indígenas, camponesas e tradicionais. Proteger e lutar contra a exploração do carvão significa defender direitos ambientais, econômicos, sociais, culturais e, em primeiro lugar, a vida para esta e as futuras gerações do planeta.
Por fim, gostaríamos de agradecer a todas e todos que se envolveram nos últimos anos nessas lutas e que evitaram que o Rio Grande do Sul fosse palco de destruição por esses empreendimentos poluidores! Reafirmamos que estamos e seguiremos atentos e vigilantes às narrativas falaciosas da empresa e que seguiremos resistindo à megamineração e aos projetos que insistem em negar a necessidade de mudanças paradigmáticas para evitar o colapso ambiental e climático que se avizinha!
À sociedade gaúcha, o nosso muito obrigado.
Contem conosco e venham reforçar a nossa luta comum!
#CarvãoAquiNão!