Parabéns, MST, pelos 40 anos de luta e resistência!

Queridos companheiros e companheiras do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),

Em nome de todos nós, Amigas da Terra Brasil, é com imensa alegria e gratidão que nos dirigimos a vocês para felicitá-los pelos 40 anos de luta e resistência do MST. Desde a sua fundação, em 1984, vocês têm sido uma inspiração para todos nós, demonstrando que a esperança e a determinação podem mover montanhas, ou melhor, transformar terras improdutivas em espaços de vida, esperança e justiça.

Ao longo dessas quatro décadas, vocês têm sido incansáveis na defesa dos direitos dos trabalhadores rurais, na luta pela reforma agrária, na busca por uma distribuição mais justa e equitativa da terra e na construção de um modelo agrícola mais sustentável e inclusivo. Suas ocupações, marchas, acampamentos e projetos de assentamento não apenas demonstram uma resistência inabalável, mas também apontam para um futuro onde a dignidade e os direitos de todos os trabalhadores rurais são respeitados e garantidos.

O MST não é apenas um movimento social, mas sim uma escola de vida, onde se aprende a importância da solidariedade, da cooperação e da organização popular. Vocês têm sido um farol de esperança em tempos sombrios, mostrando que um mundo melhor é possível quando nos unimos em prol de uma causa maior.

Neste aniversário de 40 anos, queremos expressar nossa profunda admiração e apreço por tudo o que vocês têm realizado. Que este seja apenas o começo de uma jornada ainda mais longa e frutífera, rumo a um Brasil e a um mundo mais justo, igualitário e sustentável.

Parabéns, MST, pelos 40 anos de luta e resistência! Estamos ao seu lado hoje, amanhã e sempre.

Com carinho e solidariedade,

Amigas da Terra Brasil

 

Um país com a democracia em disputa

O coração dos progressistas se encheu de alegria e esperança com as imagens simbólicas da posse presidencial no início do mês e com os discursos dos novos ministros no decorrer dos dias. Já o dos bolsonaristas estava carregado de ódio e de vingança, quando destruíram os prédios dos três poderes, no dia 8 de janeiro, em Brasília. Apesar da vitória eleitoral e de uma coalizão ampla de setores e interesses, unidos na centralidade do restabelecimento da democracia no país, os golpistas seguem fortemente organizados. Evidenciando que a derrota eleitoral e a posse foram somente uma das batalhas vencidas, e que, ainda, são muitas as trincheiras para derrotar o fascismo.

Movimentos e organizações sociais participaram em peso dos atos nacionais em defesa da democracia na semana passada – Foto: Jorge Leão

Um dos exemplos concretos disso é a presença contínua de pessoas na porta de quarteis confabulando mentiras e atentando contra a Constituição ao pedirem a intervenção militar. Mesmo após meses, seguem sob sol e chuva, nesse delírio coletivo. De igual modo, assusta a adesão e o apoio de empresários, celebridades, parlamentares e muitos membros das forças repressoras, aos atos antidemocráticos, os quais, a despeito da posição que ocupam, não estão comprometidos com o respeito às instituições. E claro, o espetáculo do caos armado no dia 8 de janeiro, em que golpistas confundem manifestação da liberdade de crítica com vandalismo, banalizando o patrimônio histórico nacional. Longe de fatos espontâneos e isolados, a desordem parece muito bem financiada e organizada para confundir as massas.

Há, ainda, uma grande adesão de parcelas da sociedade brasileira ao bolsonarismo. Muito embora algumas delas não apoiem os rumos que a destruição dos prédios dos três poderes tomaram, seguem alimentando mentiras nas redes sociais. Esses quinhões sociais não frequentam debates públicos e nem se colocam abertos ao diálogo, pelo contrário, estão refugiados em bolhas virtuais acessando um conteúdo perigoso, destinado a produzir e reproduzir alienação. Que os dilemas das redes sociais são um risco para a democracia, especialistas já apontavam na última década; resta saber até quando permitiremos que este seja um espaço não regulado que ameace valores democráticos e de coletividades. 

 Recordemos que as permissividades de práticas autoritárias vêm marcando nossa história desde as marchas de 2013. Naquela época a polícia militar, em diversos estados, repreendeu violentamente manifestantes que, neste caso sim, lutavam por direitos constitucionalmente assegurados. Ao longo de toda a resistência ao golpe de 2016, que depôs a presidenta Dilma Rousseff, parlamentares e a grande mídia foram coniventes com ilegalidades. Com a perseguição política ao presidente Lula, também observamos a seletividade do sistema punitivo, quando a Operação Lava Jato quebrou com as garantias fundamentais do presidente, sem qualquer comprometimento com o devido processo legal. Nesse período, nascia o ódio à organização política partidária, especialmente ao Partido dos Trabalhadores (PT), emergindo valores conservadores e violentos na sociedade que, agora,  desafiam a democracia.  

Os bolsonaristas estão nas famílias, nas escolas, nos condomínios, nas empresas que compramos produtos e, como cada vez mais sinalizam as investigações, possuem ligações com o agronegócio, o garimpo e as madeireiras. As revelações da quebra do sigilo de 100 anos mostram que, ao invés de combater a corrupção – uma das principais pautas do governo anterior – estes grupos estão inteiramente ligados a ela, e pior, foram eleitos ao Congresso. 

Como enfrentar este desafio e unir o Brasil? Certamente, as saídas que apresentaremos a esses fascistas dirão muito sobre que tipo de democracia iremos construir, sobretudo, como política de governo. Questões estruturais históricas que antes vinham sendo negligenciadas estão colocadas na mesa por alguns dos novos ministros. A decisão pela existência de um Ministério dos Povos Indígenas (MPI), as indicações para cargos que envolvem população negra e LGBTQI+, a preocupação com o aumento da representatividade de mulheres, situam um outro lado da disputa.

“Nunca mais, um Brasil sem nós!”

Ministra Sônia Guajajara participa de ritual indígena do povo Terena durante sua posse / Sérgio Lima / AFP

A frase de Sônia Guajajara, proferida em seu discurso de posse como ministra dos Povos Indígenas, ecoou durante a semana, demarcando que um grupo historicamente excluído do poder chegou a ele.  Disse ela: “Estamos aqui, de pé! Para mostrar que não iremos nos render. A nossa posse aqui hoje, minha e de Anielle Franco (Ministério da Igualdade Racial), é o mais legítimo símbolo dessa resistência secular preta e indígena no Brasil!”. Será que os donos do poder, com seus bárbaros bolsominions, irão aceitar? 

Sônia, e toda a simbologia de sua posse, relembra os muitos indígenas e seus aliados que perderam a vida diante de toda a violência do colonialismo, convidando todos a caminhar, a partir da cosmologia indígena, para repensar o uso da terra e coabitarem junto a outros seres. Em suas palavras, define um sentido para a democracia que quer construir, a “democracia do bem-viver”.

A democracia também esteve marcada na fala de Anielle Franco que, recordando a memória de sua irmã, comprometeu-se a pôr fim à política de morte e construir justiça, reparação e democracia. Assim, enunciou: “Precisamos identificar e responsabilizar quem insiste em manter esta política de morte e encarceramento da nossa juventude negra, comprovadamente falida. Assim como estamos identificando e responsabilizando quem executou, provocou e financiou a barbárie que assistimos no último domingo”. 

Brazilian new Minister for Racial Equality, Anielle Franco, gestures during her swearing-in ceremony at the Planalto Palace in Brasilia on January 11, 2023. (Photo by Sergio Lima / AFP)

Para construir o “verdadeiro Brasil que tomou posse”, “juntas”, Anielle destacou que será necessário enfrentar as dívidas do passado “até que os sonhos de nossos ancestrais se tornem realidade”. Em sua posse, a ministra convidou os demais ministros, o governo e o povo brasileiro a revisitar nosso passado para responsabilizar os atores e, assim, construir equidade. 

Duas mulheres, uma negra e uma indígena, que chegam à posição de ministras neste país inundado de contradições sociais, aguerridas e determinadas a mudar o sentido da democracia, que até agora as elites dominantes proveram. Diferentemente daquelas que usam da violência, as imagens movidas são da reciprocidade, da coletividade, da solidariedade, das relações de afeto com a terra. Oposto ao Brasil da barbárie, Sônia diz: “o Brasil é plural, é alegria, é colorido e solidário!”.

* Coluna publicada no site do jornal Brasil de Fato em: https://www.brasildefato.com.br/2023/01/17/um-pais-com-a-democracia-em-disputa 

Um Brasil que voltou a sonhar e seguirá resistindo

Por mais nebulosos que sejam os dias que seguem a vitória eleitoral da democracia, não podemos deixar de celebrar a derrota de Jair Bolsonaro. Nesta eleição, o futuro ex-presidente usou toda a máquina do Estado em prol de sua campanha. Convivemos com a presença da compra de votos, com o uso da violência política e coação aos eleitores e com a triste realidade da desinformação operando para a vitória de Jair. Além de atores poderosos em campo, como as milícias, pastores das igrejas e até a Polícia Rodoviária Federal (PRF). Apesar de tudo isso, vencemos.

Lula se reúne com eleitores e apoiadores na Av. Paulista em comemoração a sua vitória após resultado das eleições – Foto: Ricardo Stuckert

Mas foram cerca de 57 milhões de votos a favor do atual projeto de destruição. Não podemos olhar esse cenário sem entender a perversidade e a profundidade da desestabilização da democracia para o avanço das políticas neoliberais sobre a vida dos trabalhadores, sobretudo sua subjetividade. Uma pandemia com uma gestão que arrastou milhares de brasileiros e de brasileiras para a fome e a pobreza, intensificou as condições de exploração da força de trabalho, retirou casa, teto, privatizou serviços, trouxe o medo e a insegurança. Corpos e mentes cansadas, alienadas do trabalho e da realidade social são alvos fáceis de instrumentos de despolitização.

Pessoas que se sentem ameaçadas criam teorias conspiratórias surreais e se abraçam a valores conservadores para conferirem um sentido a suas vidas vazias. A carga de violência e raiva não está sendo direcionada a construir melhores condições, pelo contrário, é canalizada em se associar à violência. Como diria o psicanalista Christian Dunker: controlar a gramática do sofrimento é um dos eixos fundamentais do poder. Tal controle vem sendo exercido por meio das redes sociais como WhatsApp, Facebook, Instagram, Twitter – que já foram ferramentas usadas nas eleições de 2018 – nas quais os algoritmos agregam seguidores e constroem uma bolha de notícias falsas personalizadas, criando a impressão de que esta é a realidade. Isso se soma aos discursos proféticos dos messias como Jair, Damares Alves, Michelle Bolsonaro, que usam seu espaço público de poder para conferir visibilidade a situações inexistentes, como a implementação do banheiro unissex e, mais recentemente, a fraude eleitoral. Este caldeirão cria o gado fanático que ocupou, e continua ocupando, as rodovias do país, implorando por uma intervenção militar pela permanência do Messias.

É preciso destacar a perversidade da reta final da campanha de Jair Bolsonaro, que utilizou o Auxílio Brasil como medida populista para ganhar votos. Em agosto deste ano, o Auxílio Brasil foi aumentado para R$ 600,00, e durante o segundo turno, 500 mil pessoas foram incluídas como beneficiárias do programa. A esse público também foi garantido acesso a empréstimos consignados via Caixa Econômica Federal. Diante da falta de políticas populares, Bolsonaro se viu sem recursos para contrapor os 8 anos de Governo Lula e reforçou políticas assistencialistas para taxistas e caminhoneiros, como a redução do preço dos combustíveis e um auxílio de R$ 1 mil, além da previsão de um 13º aos taxistas, o qual foi pago, obviamente ainda durante as eleições, para garantir seus votos. Justamente essas propostas, sem previsão orçamentária para 2023, compõem hoje o rombo de R$ 400 bilhões aos cofres públicos, mas não somente, criam o desafio de como lidar com os beneficiários dessas políticas públicas que estão presos na bolha de fantasias.

Em janeiro, Bolsonaro perderá sua imunidade, e mais ainda, poderá se tornar inelegível com as promessas de campanha de Lula de retirar os 100 anos de sigilo sobre seus atos enquanto presidiu o país. Muitos de seu governo e aliados estão sob risco de irem para a cadeia. Não à toa, vários lunáticos estão ocupando estradas, organizando acampamentos e pedindo a intervenção federal diante das fraudes eleitorais; estão nas cidades ameaçando valores democráticos e as pessoas. Eles estão sendo alimentados pela construção de fake news, como a crise alimentar que se avizinha, a fraude eleitoral detectada pela Rússia e o mandado de prisão de Alexandre de Moraes. Toda essa tentativa de crise social para desestabilizar parece caminhar para o fim. Contudo, a esquerda precisa estar alerta que a derrota do líder está longe de significar o fim do fascismo.

A conjuntura exigirá, mais do que nunca, o desenvolvimento de um trabalho de base formativo com as massas. Se confrontar bolsonaristas com a realidade não tem desconstruído a desinformação, o investimento numa educação popular que possa dar conta das complexidades dos algoritmos do mundo digital e formar um senso crítico, construir valores democráticos e solidários, será uma das mais importantes tarefas políticas do próximo período.

Desafios para a construção de uma transição: “democracia contra a barbárie”

Iniciou-se o governo de transição. A palavra ganha tanto destaque, depois de seis anos sombrios de violação da Constituição e de retrocessos de direitos, quanto reerguer a democracia exige um conjunto de ações, estudos, diagnósticos e investigações que possam dar conta dos diversos conflitos internos, das violações sistemáticas de direitos humanos e da violência massiva contra coletividades e indivíduos que foi instalada. Restabelecer condições de governabilidade exigirá uma ampla reestruturação do Estado, da administração pública e, diríamos sobretudo, da responsabilização dos agentes e da retomada dos espaços e de processos de consulta e controle social das políticas públicas.

Devemos começar investigando todas as fraudes eleitorais, julgar os perpetradores de crimes e as graves violações de direitos que cometeram. Se não enfrentarmos aqueles que atentaram contra as instituições e o processo eleitoral nunca nos tornaremos uma democracia respeitada. Assim, Carla Zambelli, Damares Alves, Ricardo Salles, Silvinei Vasques, Sergio Moro, Marcelo Augusto Xavier da Silva, Bolsonaro e sua família, Paulo Guedes precisam enfrentar a justiça.

Queremos a instauração de uma comissão de investigação sobre a gestão da covid-19 para estabelecer a verdade sobre os fatos ocorridos no período. Ainda sobre toda a política anti-indigenista da Fundação Nacional do Índio (Funai) e anti-ambientalista do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Registrar, reconhecer e dar visibilidade às multas não aplicadas e isentadas dos crimes ambientais. Muitos povos sofrem pela retirada de direitos e pela violência; eles têm direito à reparação. Deverá haver uma reforma ampla das instituições e de seus gestores que participaram, ou mesmo deixaram de agir para impedir as violações cometidas. E isso não apenas dos últimos 4 anos de governo, mas desde as raízes do golpe de 2016 e da Operação Lava Jato.

Outra importante bandeira, levantada pelo movimento indígena, é promover um grande “revogaço” de decretos e atos normativos que retiraram direitos do povo brasileiro. Também será preciso enfrentar o tema do armamento, o número de licenças para porte de armas (CACs) e de clubes de tiro, que se proliferaram por todo o país.

Ainda na transição, será preciso enfrentar a retomada dos despejos. A decisão do ministro Luis Roberto Barroso sobre a ADPF 828 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) não manteve a continuidade da suspensão dos despejos, mas determinou que se crie um regime de transição no qual conte com o diálogo com as comunidades e pessoas que habitam esses territórios. O diálogo da equipe de transição com essa construção será fundamental. Além disso, deve estar em consonância com a construção da política pública para reforma urbana e agrária.

Por fim, se o PT dos anos 80 foi construído sobre o projeto democrático popular e nele apresentou uma série de políticas públicas para a inserção da participação popular como os conselhos, as Conferências Nacionais e o orçamento participativo, elas devem agora ser colocadas em prática. Cada política pública e ação governamental deverá ser acompanhada de uma ampla participação da sociedade civil organizada. É urgente que os movimentos estejam presentes na reconstrução da democracia para que suas raízes sejam profundas e férteis.

Vitoriosos e resistentes 

Com a alegria que tomou as ruas e as praças no último dia 30 de outubro, devemos começar a substituir os escombros desse país para semear novos horizontes. A tarefa não será fácil numa coalizão ampla, devemos semear os valores e princípios da esquerda na disputa pelo sentido dos próximos anos, intensificando o trabalho de base. Para construirmos um Brasil para todos, todas e todes os brasileiros, e desfazermos as bolhas de ódio e de desinformação, vamos precisar seguir na disputa pelo sentido do novo governo.

Não vamos importar conceitos gringos para descrever nosso processo, tais como resiliência; vamos nos fortificar e frutificar com a palavra que sempre marcou a trajetória da esquerda no mundo, RESISTÊNCIA. Como propõe Amílcar Cabral, vamos resistir na política, isolando nosso inimigo, que perde a estrutura do Estado para si. Vamos nos fortalecer economicamente para construir nossa soberania. E ainda, com mais dedicação que em outros tempos, vamos construir a resistência cultural, romper a educação colonial, ensinar educação digital para as massas e educar para libertar mentes, corpos e corações das bolhas da alienação. Ou como disse o presidente Lula ao se referir ao povo brasileiro, em seu discurso após a vitória eleitoral: “Quer liberdade religiosa. Quer livros em vez de armas. Quer ir ao teatro, ver cinema, ter acesso a todos os bens culturais, porque a cultura alimenta nossa alma”.

Do dia 30 de outubro até 1° de janeiro de 2023, semeamos esperança, trabalhando a terra, o território, as mentes férteis; seguindo nas sementes da organização política, na formação, na ação e mobilização. Vamos edificar, com mais solidez, o Brasil do futuro. E nesse meio tempo, brindemos, com alegria, por vencermos essa batalha. Afinal, atravessamos seis anos, e retornamos! E produziremos, na luta que continua, a vitória final contra o capital e pela Justiça Ambiental.

*Artigo divulgado originalmente em 08/11/2022 no jornal Brasil de Fato RS neste link: www.brasildefato.com.br/2022/11/08/um-brasil-que-voltou-a-sonhar-e-seguira-resistindo

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