Movimentos populares enfrentam setor imobiliário em disputa pelo Conselho do Plano Diretor

Empreiteiras investem na escolha de representantes na discussão que pode mudar as regras para ocupação do meio ambiente de Porto Alegre; entenda.

Coluna de ANDRÉ GUERRA, conselheiro da Amigas da Terra Brasil e ex-vice- presidente da organização.  Texto publicado em 17 de janeiro de 2024, no “Humanista: jornalismo e direitos humanos”

Até o dia 6 de fevereiro ocorre a eleição para escolha dos representantes das regiões de gestão do planejamento no CMDUA (Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental) de Porto Alegre. Movimentos sociais e comunitários se preparam há meses para enfrentar representantes do setor imobiliário. E no primeiro dia do pleito o resultado surpreendeu. O advogado e militante Felisberto Seabra Luisi foi eleito representante da RGP (Região de Gestão do Planejamento) 1, Centro, com 59,6% dos votos, derrotando a chapa encabeçada pelo empresário e corretor de imóveis Kleber Olivan Ribeiro Borges de Oliveira Sobrinho.

Além da margem de diferença, também chamou a atenção a quantidade de votantes na região central. Na última eleição, em 2018, foram 316 votantes. Seis anos depois, esse número foi ampliado em 5 vezes, atingindo mais de 1,5 mil. Foi a maior votação da história desde que o Conselho foi criado, em 1939. O Humanista acompanha o processo de revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA) desde o ano passado, e foi agora atrás de informações para entender essa etapa do processo.

Saiba mais

As eleições para o CMDUA ocorrem bianualmente. Entretanto, em 2020 e 2022, a Prefeitura conseguiu prorrogar os mandatos dos conselheiros eleitos em 2018 por conta da pandemia. Nesse período, diversos projetos de interesse das construtoras foram aprovados, como concessões de parques públicos como Marinha do Brasil e Harmonia, além de modificações na Orla do Guaíba e no Lami em decorrência da revisão e flexibilização do plano diretor da cidade.

As alterações impactaram também o Centro, o 4° Distrito e a histórica área de conflito e violências contra os Guaranis Mbya na Ponta do Arado, na zona sul da cidade. Por meio de uma ação civil pública movida pelo movimento Atua Poa, foi obtida uma decisão judicial em que a Prefeitura foi obrigada a interromper a prorrogação dos mandatos e realizar eleições para escolhas dos conselheiros do biênio 2024-2025.

“Departamento” do setor imobiliário

Para o conselheiro Felisberto Seabra Luisi, eleito na votação histórica para representar a Região de Planejamento Centro, a vitória foi resultado de diversos fatores, mas principalmente pela defesa de uma outra forma de pensar a cidade.

“A nossa vitória se deu por vários motivos. Mas fundamental é a nossa defesa da cidade para as pessoas. Uma visão diferenciada do que nós vemos hoje na cidade. Não uma cidade para negócios, mas uma cidade onde as pessoas se sintam pertencentes à ela. E o que nós notamos nesses últimos anos é que as pessoas não se identificam com determinadas regiões da cidade”, avaliou Felisberto.

Na mesma linha, um dos delegados eleitos, Fernando Campos Costa, da organização do movimento ambiental Amigas da Terra Brasil, afirmou que essa eleição foi muito importante porque mostrou a indignação da população com a política de complacência e parceria com as construtoras adotada pela Prefeitura.

“Nessa eleição caíram todas as máscaras. Todo mundo já sabia da relação de intimidade que o setor imobiliário tinha com a Prefeitura, mas com essa eleição as coisas ficaram explícitas. Ficou explícito que o setor imobiliário não é técnico, neutro e imparcial. Ele não é apenas um setor do mercado. O setor imobiliário é agente político. Atua politicamente de forma direta”.

O Conselho, que era pra ser um espaço da população pensar e discutir a cidade que queremos estava se tornando um departamento do setor imobiliário. E eles vieram para disputar e garantir a continuidade deles nesse espaço que ocupavam desde 2018 – Fernando Campos Costa, delegado eleito pela RGP1.

O que reforça a percepção de Fernando é o perfil do candidato derrotado. Kleber Olivan Ribeiro Borges de Oliveira Sobrinho é sócio-administrador da Kxs Imoveis Negocios Imobiliarios LTDA, da Recons Retrofit Construcoes LTDA e é administrador da Cais Fratelli Construcao e Incorporacao Spe LTDA, todas empresas do setor imobiliário.

O inédito e expressivo número de participantes não foi alcançado apenas pela vitoriosa mobilização popular, uma vez que o setor imobiliário também se organizou para conquistar esse espaço estratégico de poder. No dia foi possível ver que as empresas do ramo imobiliário chegaram a garantir o transporte de seus funcionários até a Câmara para votarem — muitos chegaram inclusive com crachás das principais construtoras da cidade. O número de pessoas foi tão grande que a votação se estendeu para além da meia-noite, formando uma fila que chegou a durar mais de 6 horas.

Para Fernando Campos Costa, outra razão para a derrota do setor imobiliário, representado pela chapa de Kléber Oliveira, foi a constatação da população de que prédios de alto padrão continuam sendo levantados na cidade, mas a Prefeitura muitas vezes não assegura às comunidades periféricas condições mínimas, o que fica evidente nas longas e constantes interrupções de abastecimento de água ou os efeitos desastrosos das chuvas recentes que atingiram a capital.

Para o conselheiro, a estratégia do setor imobiliário é de cooptação do Conselho: “Tendo na mão a possibilidade de mudar o plano diretor, o setor imobiliário só tem a ganhar. Eles compram um terreno como ‘carne de pescoço’, ninguém quer comprar porque existem muitas restrições impostas pelo plano diretor, aí depois da aquisição eles mudam o plano, excluem todas as restrições, e aquilo que não valia nada agora vira ‘carne de filé’”, aponta.

Quem pode votar

Podem votar todos os maiores de 16 anos que tenham Cadastro de Pessoa Física (CPF) e residência no município de Porto Alegre. É necessário apresentar documento com foto e comprovante de endereço. É possível optar por exercer o direito ao voto na Região de Planejamento do seu local de trabalho. Neste caso, é necessário apresentar, além do comprovante de residência, uma declaração de domicílio.

Próximas votações

Região de Gestão do Planejamento 4
Data: 18/01/2024
Local: Centro Social Marista de Porto Alegre | Cesmar – Estr. Antônio Severino, 1493 – Rubem Berta, Porto Alegre – RS, 91250-330

Região de Gestão do Planejamento 5
Data: 23/01/2024
Local: Postão da Cruzeiro – Av. Moab Caldas, 400 – Santa Tereza, Porto Alegre – RS, 90880-310

Região de Gestão do Planejamento 6
Data: 25/01/2024
Local: Centro da Comunidade Parque Madepinho | CECOPAM -R. Arroio Grande, 50 – Cavalhada, Porto Alegre – RS, 91740-180

Região de Gestão do Planejamento 7
Data: 30/01/2024
Local:  Centro de Promoção da Criança e do Adolescente | C.P.C.A  – Estr. João de Oliveira Remião, 4444 – Lomba do Pinheiro, Porto Alegre – RS, 91550-060

Região de Gestão do Planejamento 8
Data: 06/02/2024
Local: Centro de Promoção da Infância e Juventude | C.P.I.J  – R. Mississipi, 130 – Restinga, Porto Alegre – RS, 91790-430 Bairros: Restinga, Ponta Grossa, Belém Novo, Lageado, Lami, Chapéu do Sol, Extrema, Boa Vista do Sul, Pitinga, São Caetano, Lomba do Pinheiro e Hípica.

O que é o CMDUA

Fundado em 1939 com o objetivo de ser um órgão consultivo com participação restrita e elitizada, o Conselho recebeu novas competências a partir dos anos 2000, tais como examinar projetos de grandes empreendimentos propostos pelo Poder Público ou iniciativa privada. 

O Conselho é composto por 28 membros titulares. Além do secretário do Planejamento do município que preside o órgão, o Conselho é composto por 9 conselheiros representantes do Poder Público (municipal, estadual e federal); 9 representantes de entidades não governamentais e 9 representantes da comunidade (um de cada Região de Gestão do Planejamento). 

O município é dividido em 8 Regiões de Gestão do Planejamento (RGPs), sendo eleita para cada uma delas uma chapa composta por um conselheiro e dois suplentes. Cada região compreende um conjunto determinado de bairros:

Região de Gestão do Planejamento 1: Marcílio Dias, Floresta, Centro Histórico, Auxiliadora, Moinhos de Vento, Independência, Bom Fim, Rio Branco, Mont’ Serrat, Bela Vista, Farroupilha, Santana, Petrópolis, Santa Cecília, Jardim Botânico, Praia de Belas, Cidade Baixa, Menino Deus, Azenha.

Região de Gestão do Planejamento 2: Farrapos, Humaitá, Navegantes, São Geraldo, Anchieta, São João, Santa Maria Goretti,  Higienópolis, Boa Vista, Passo D’Areia, Jardim São Pedro, Jardim Floresta, Cristo Redentor, Jardim  Lindóia, São Sebastião, Vila Ipiranga, Jardim Itú, Jardim Europa, Sarandi e Arquipélago.

Região de Gestão do Planejamento 3: Sarandi, Rubem Berta, Passo das Pedras, Santa Rosa de Lima, Parque Santa Fé, Costa e Silva, Jardim Leopoldina, Jardim Itú, Jardim Sabará e Morro Santana.

Região de Gestão do Planejamento 4: Três Figueiras, Chácara das Pedras, Vila Jardim, Bom Jesus, Jardim do Salso, Jardim  Carvalho, Mário Quintana, Jardim Sabará e Morro Santana.

Região de Gestão do Planejamento 5: Cristal, Santa Tereza, Medianeira, Glória, Cascata, Belém Velho, Nonoai, Cavalhada,  Teresópolis, Vila Assunção, Cel. Aparício Borges e Tristeza.

Região de Gestão do Planejamento 6: Camaquã, Cavalhada, Nonoai, Teresópolis, Vila Nova, Vila Assunção, Tristeza, Vila Conceição, Pedra Redonda, Ipanema, Espírito Santo, Guarujá, Serraria, Hípica, Campo Novo, Jardim  Isabel, Aberta dos Morros, Belém Velho e Sétimo Céu.

Região de Gestão do Planejamento 7: Santo Antônio, Partenon, Cel. Aparício Borges, Vila João Pessoa, Vila São José, Lomba do  Pinheiro, Agronomia, Morro Santana, Mário Quintana, Medianeira, Azenha e Pitinga.

Região de Gestão do Planejamento 8: Restinga, Ponta Grossa, Belém Novo, Lageado, Lami, Chapéu do Sol, Extrema, Boa Vista do Sul, Pitinga, São Caetano, Lomba do Pinheiro e Hípica.

 

Marchezan Jr. tenta barrar a participação popular no Conselho do Plano Diretor. A justiça barra Marchezan Jr.

Em decreto, o atual prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr. (PSDB-MBL), pretendia, além de outras medidas, que reuniões do Conselho do Plano Diretor ocorressem em horário comercial, o que impedia participação de membros da sociedade civil. Liminar da Justiça derruba as mudanças.

 

Não é novidade alguma que o atual prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr. (PSDB-MBL), não tem apreço algum por democracia e participação popular; não à toa na semana passada servidores municipais ocuparam a prefeitura gritando por sua saída e exigindo direitos. Marchezan já havia tentado cancelar a posse das novas e novos conselheiras(os) do CMDUA (Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental), que é o conselho para pensar o Plano Diretor da cidade. E agora outro caso vem à tona: o decreto 20.013/18 de Marchezan pretendia alterar o horário de reuniões do conselho, passando os encontros para horário comercial. A medida, obviamente, impossibilitava a participação dos membros que representam a sociedade civil e que exercem suas atividades profissionais neste horário.

Atualmente, o CMDUA é composta por 28 membros, sendo nove representantes da comunidade, nove de entidades não-governamentais vinculadas ao planejamento urbano e outros nove de órgãos públicos (sete do município, um do Estado e um da União).

Além da alteração de horário, o decreto pretendia dar ao presidente do conselho (cargo exercido pelo titular da Secretaria do Meio Ambiente e da Sustentabilidade) o poder de marcar reuniões extraordinárias a bel-prazer, sem a devida consulta a outros membros. Também a substituição do presidente, caso necessária, sofreu tentativa de mudança: hoje, em caso da vacância, o cargo fica com o vice – o que representa a possibilidade de o cargo ficar com algum membro da sociedade civil, fato que o decreto anti-democrático de Marchezan queria evitar a todo custo. A intenção era de que o presidente indicasse o próprio substituto.

Porém, denunciada pelo Ministério Público, a prefeitura vê agora seu autoritarismo ser derrubado na Justiça: uma liminar da 7ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre decidiu que o decreto alterando o funcionamento do CMDUA limita a participação popular e colide com o Princípio Democrático. A sentença, além de perceber que a medida atinge em especial representantes de segmentos mais pobres do conselho, como lideranças de vilas populares, afirma que “espíritos democráticos vão perceber a força da legitimidade da participação de todos, uma participação que só tem sentido se e enquanto plural, ou seja, se tem a possibilidade de abrigar as diversas visões sobre um determinado tema, com ampla possibilidade de diálogo”. Mas diálogo, sabemos, não tem espaço na gestão de Nelson Marchezan Jr.

Confira AQUI a íntegra da decisão judicial.

Nota de repúdio ao cancelamento da posse dos/as conselheiros e conselheiras do CMDUA (Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental)

As entidades signatárias vêm, através do presente, manifestar seu veemente repúdio ao cancelamento da cerimônia de posse dos conselheiros eleitos para o CMDUA – Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental, marcado para o dia 06/06/2018 e cancelado sem apresentação de qualquer motivação por parte da Administração Municipal.

O Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental exerce competências fundamentais para garantir o processo de desenvolvimento urbano sustentável e, como convém à gestão democrática da política urbana, bem como por expressa determinação legal, deve incorporar a participação popular em sua composição, o que é garantido através da eleição periódica dos/as Conselheiros/as oriundos/as das distintas regiões de planejamento de Porto Alegre. Além de não ter garantido o regular calendário do processo eleitoral, o município agora cancela, sine die, a posse dos conselheiros que deveria ter ocorrido em janeiro de 2018.

Considerando as constantes ameaças a que Porto Alegre vem sendo submetida na atual gestão municipal, claramente descomprometida com as demandas da população de baixa renda e privilegiadora dos interesses do mercado imobiliário na cidade, torna-se ainda mais grave a tentativa de desmobilizar os/as conselheiros/as eleitos/as em um processo vigoroso e de ampla participação popular que envolveu milhares de cidadãos e cidadãs. Exigimos a posse imediata dos conselheiros do CMDUA e a retomada de uma Política Urbana democrática e sustentável, comprometida com a garantia das funções sociais da cidade e da propriedade no município de Porto Alegre.

Porto Alegre, 06 de junho de 2018.

ABJD – Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – Núcleo RS
AGB – Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Local Porto Alegre
Amigos da Terra Brasil
Associação Brasileira de Engenharia Sanitária
Associação Chico Lisboa
Associação de Moradores da CEFER 2
CDES – Centro de Direitos Econômicos e Sociais
CCD – Centro Comunitário de Desenvolvimento da Tristeza, Pedra Redonda, Vilas Conceição e Assunção
Coletivo A CIDADE QUE QUEREMOS
Coletivo CATARSE
Conselheiros eleitos das Regiões de Planejamento 1 e 4
Federação Nacional de Arquitetos e Urbanistas
Guayí – Democracia, Participação e Solidariedade
IAB RS – Instituto dos Arquitetos do Brasil – Departamento RS
IBAPE RS – Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias do RS
IBDU – Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico
MTST
Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre
SAERGS – Sindicato dos Arquitetos do RS
SENGE – RS Sindicato dos Engenheiros do RS
Sindicato dos Economistas do RS
SIMPA – Sindicato dos Municipários de Porto Alegre
SINDJORS – Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS
SOCECON RS – Sociedade de Economia do Estado do RS

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