Desde o Diálogos Amazônicos (2023), a Amigas da Terra Brasil acompanha as violações de direitos praticadas pela empresa Brasil BioFuels (BBF) contra os indígenas Tembé e povos quilombolas, na região de Tomé-Açu (PA). Embora neste ano o conflito esteja atenuado, a violência colonial e do capital segue incidindo nos corpos das gentes, águas e florestas. Agora, ela assume a forma da não garantia de direitos. O fato dos processos de reconhecimento dos territórios ancestrais destas comunidades tradicionais ainda não terem sido finalizados é preocupante, pois a qualquer momento pode ocorrer novo acirramento.
A região é marcada por um conflito entre os povos e as monoculturas de palma, pertencentes ao grupo BBF – a maior empresa do ramo na América Latina. Ano passado, foram realizadas muitas denúncias de ações arbitrárias e ilegais da empresa, principalmente por manter operações com seguranças privados dentro dos territórios das comunidades indígenas e quilombolas. Em meio às atividades dos Diálogos da Amazônia, que aconteciam em Belém (PA), três lideranças indígenas do Povo Tembé foram baleados em 07 de agosto de 2023, em Tomé-Açu, à 200km de distância de Belém. As lideranças se preparavam para uma visita do Conselho Nacional de Direitos Humanos a Tomé-Açu. No período, foi realizada denúncia e mobilização exigindo que o governo do Estado do Pará protegesse as comunidades indígenas do Alto Acará.
Confira a denúncia de 2023 no vídeo abaixo:
Junto com a pressão, ocasionada pela mobilização de organizações e apoiadores a empresas estrangeiras que financiam a BBF, diminuiu o acirramento do conflito. Mas os direitos dos povos não estão sendo respeitados, já que não há o reconhecimento dos territórios indígenas e quilombolas pelo Governo Federal e estadual, fator que ainda proporciona insegurança às comunidades. No momento, esta é a principal reivindicação do povo Tembé e quilombola que ali coabitam. “O conflito deixou esse tom acirrado, mas o que mais preocupa é o fato de que a grande reivindicação das comunidades, que querem a regularização e o reconhecimento dos seus territórios, anda a passos bem lentos nos órgãos responsáveis, tanto o Incra quanto a Funai. Então a gente sempre fica temerário que em algum momento, devido a essa falta de celeridade, o conflito possa vir à tona de novo”, expôs Antônio Alberto da Costa Pimentel, Advogado e membro da coordenação da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH).
No vídeo abaixo, direto da região de Tomé- Açu (PA), Antônio (SDDH) explica o atual momento vivido pelos Tembé:
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou recentemente os dados da violência no campo do primeiro semestre deste ano: foram registrados 973 conflitos, representando o segundo semestre mais violento dos últimos 10 anos, perdendo apenas para o ano de 2020, no qual foram registrados 1.007 conflitos. Em sua maioria, os conflitos envolvem a questão da terra e território. Segundo a CPT, ao todo foram assassinadas 18 lideranças até outubro deste ano, sendo que os números aumentaram exponencialmente neste mês. Apenas entre 10 e 11 de novembro, 8 assassinatos ocorreram num único final de semana: 4 quilombolas vítimas de chacina na Bahia; 3 sem-terra assassinados na Paraíba; 1 indígena assassinado no Pará. E durante a semana seguinte, mais uma morte indígena.
O retorno de um governo progressista e a possibilidade de retomada das políticas públicas para efetivação dos direitos constitucionais, tais como a concretização da reforma agrária, a demarcação das terras indígenas e a titulação dos territórios quilombolas, faz movimentar as forças de direita. Darci Frigo, coordenador-executivo da organização de direitos humanos Terra de Direitos, analisa que “quando o poder central está na mão dos setores mais progressistas, da esquerda, que não são de confiança das oligarquias, elas passam a atuar no âmbito local com a articulação de forças policiais dos governos dos estados ou das milícias privadas.
Esses setores não confiam no governo central, ainda mais com a possibilidade de efetivação de políticas públicas, como a regularização fundiária, reforma agrária, desintrusão e demarcação de terras indígenas, titulação de territórios quilombolas. Muitos assassinatos têm relação com possíveis limites à desenfreada expansão do agronegócio e seus grandes lucros com anos seguidos de altos preços das commodities agrícolas”.
A oligarquia rural brasileira é conhecida pela sua violência. É comum haver uma influência desse setor sobre as forças de segurança pública estaduais e locais para realização de despejos e ameaças. Nesse sentido, o tema da violência no campo encontra o problema da segurança pública no Brasil. Vários dos conflitos agrários estão vinculados às atuações policiais envoltas em abuso de autoridade. Além disso, a oligarquia mobiliza forças de segurança privada, que atuam como verdadeiras milícias rurais, exterminando lideranças capazes de mobilizar a luta por direitos que afetem os interesses econômicos.
As movimentações políticas em Brasília afetam consideravelmente este cenário. Depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de derrubar a tese do marco temporal para a demarcação das terras indígenas, explodem conflitos nas regiões, nos quais o agronegócio organizou uma ofensiva aos territórios indígenas. As lideranças indígenas e quilombolas são as mais ameaçadas. A determinação do ministro Barroso para efetivação dos processos de desintrusão das Terras Indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá tampouco vem sendo fácil de executar pelo Ministério da Justiça. Inclusive, a possibilidade de avanço das titulações quilombolas gerou uma contra ofensiva, com as vidas ceifadas das lideranças quilombolas na Bahia e no Maranhão.
A violência refletida nos territórios está no Congresso Nacional. A força do agronegócio impõe violações aos direitos constitucionais, como nos questionamentos às decisões do STF, na reabertura do debate do marco temporal e nos projetos de lei de flexibilização do licenciamento ambiental. Sensível a aliança da bancada do boi com a da bala no apoio à proposta de nova lei das Polícias Militares (PL n.º 3045/2022, na mesa da presidência), que permite ainda menor controle e transparência da sua atuação.
Novamente, deparamo-nos com o cenário da violência no campo de 2003, quando a chegada do primeiro Governo Lula e a possibilidade de mudanças concretas na garantia de direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais ao povo brasileiro fez insurgir a classe, até então dona do poder. Quando não controla o poder público federal, ainda que com sólidos braços no governo de composição, a oligarquia rural estende suas ações aos poderes locais, estaduais e municipais. Como enfrentaremos essa ofensiva?
Duas discussões centrais do governo para enfrentar o problema
O tema da segurança pública tem sido um desgaste na imagem do Governo Lula. Sem adentrar no vespeiro, interessa-nos refletir sobre as dinâmicas de controle interno e externo da atuação policial. A Polícia Militar no Brasil está mais associada ao militarismo que à segurança pública, assumindo uma inversão de poder; inclusive, algumas PMs sequer respondem aos governos estaduais. Há ausência de punição sobre os casos de infração, com muitos arquivamentos de inquéritos. Outro elemento é a falta de transparência da Instituição, não apenas quanto a sua atuação, mas também quanto ao orçamento. Igualmente, a responsabilização para os gestores que fazem uso político das polícias para efetivação de seus interesses.
A violência, a polícia e a responsabilização pelas infrações, especialmente o abuso de autoridade, precisam ser tratadas no país. A condução da segurança pública, com o aumento da militarização nos territórios, não é a resposta eficiente à crise. É preciso haver coragem para enfrentar uma reforma da organização das polícias Civil e Militar no país, e isso definitivamente não está na proposta atual de lei orgânica das PMs.
Outro tema importante é a política de defensores e defensoras de direitos humanos, dos povos e dos territórios. No país que figura como um dos que mais mata defensores e defensoras no mundo, o tema parece não ser uma prioridade. Desde as discussões do Grupo de Trabalho da Transição, o governo sabia da determinação judicial para formar um Grupo de Trabalho para reformular a política de defensores no país, com a missão de construir o Plano Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, do meio ambiente e comunicadores e o anteprojeto de lei.
Apesar disso, o Decreto com a criação do GT (Decreto n.º 11.562/2023) saiu em 13 de junho de 2023. E a primeira reunião do grupo só aconteceu no dia 10 de novembro. Em meio a essa morosidade, vários defensores e defensoras vêm sendo assassinados. As respostas são a investigação criminal dos mandantes e executores, elemento muito importante para cessar a impunidade, contudo insuficiente. Enquanto as políticas de defensores não considerarem os aspectos coletivos da violação, e enfrentarem as questões estruturais que dão causa à ação dos defensores, as tragédias seguirão se repetindo.
A proteção da vida humana e da integridade física é obrigação inegociável do poder público. Não existem expectativas de que o atual governo resolva todos os problemas estruturais que como país enfrentamos; porém, se houver recuos em prol da conciliação com a barbárie da oligarquia agrária brasileira, processos políticos fundamentais na construção de outro país, de um Brasil sem fome e sem violência, não serão possíveis.
É urgente e necessário que os ministérios assumam a orientação de governo de construção popular e participativa de políticas públicas, para que nossos problemas sejam tratados entre nós, com seus limites e potencialidades. Avançar no desenvolvimento de perspectivas regionais e locais também é fundamental. Tanto para gestão da segurança pública como para a efetiva proteção dos defensores de direitos humanos, dos povos e dos territórios.
Estudantes cotistas relatam apreensão referente a matrícula na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Fabiana Reinholz
Brasil de Fato | Porto Alegre |
“Eu sou uma jovem mulher negra, quilombola da zona rural de Triunfo (comunidade quilombola Morada da Paz). Eu tenho um sonho de cursar a faculdade, fazer minha graduação. me formar. Para realizar esse objetivo, no ano de 2022, estudei o ano inteiro em cursinho popular, o Emancipa. Vim para a Capital consegui trabalho porque tinha que me sustentar, morava de aluguel. Eu prestei vestibular para a Ufrgs e passei em Nutrição. A partir do momento que eu descobri que eu passei fiquei muito feliz. Mas eu mal tive tempo de comemorar as minhas conquistas porque eu me escrevi como cota L2 (candidatos que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas, com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo, autodeclarados negros pretos, negros pardos ou indígenas) e ela foi indeferida.”
O relato é da aluna cotista de Nutrição da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Shanti Rocha Teixeira, uma entre os 160 alunos que tiveram problemas com sua matrícula na instituição.
Em junho deste ano, a Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS) se reuniu com um grupo de estudantes ingressantes por cotas na Ufrgs que tiveram suas matrículas desligadas no fim de maio. Os estudantes estavam com a matrícula provisória, quando permanecem com a documentação em análise. À comissão, os representantes dos 160 alunos afetados relataram prazos curtos, dificuldade na entrega de documentações exigidas, falta de instruções e impossibilidade de recorrer das decisões da universidade.
Essa não é a primeira vez que há relatos sobre a questão das cotas na universidade. Em 2021 aproximadamente 200 estudantes que haviam ingressado na instituição através da política de cotas foram desligados da instituição.
Shanti conta que ao descobrir que havia passado em uma das federais mais aclamadas do país, veio a “dor de cabeça” com a documentação a ser enviada. “Descubro que tenho pouco tempo para enviar a documentação de todas as contas bancárias dos meus familiares, e todas as documentações. Sendo assim, na segunda eu descubro que passei, na terça e na quarta eu tomo ciência de toda a quantidade de documentação que eu preciso enviar. E eu não estava sozinha nessa situação.”
Rede de Apoio
A estudante conta que o cursinho popular que a preparou o ano inteiro auxiliou na documentação, assim como a todos os estudantes que passaram. Também contou com o auxílio do seu núcleo familiar e da comunidade. “Não adianta só passar. Se tu não consegue efetivar a documentação a ser enviada, tu perde a tua vaga.”
Após o envio da documentação, a espera foi longa. “Saem as primeiras bancas, saem as segundas bancas, saem as terceiras e tu nunca acha o teu nome e dizem datas que é para as informações saírem e as informações se postergam. Se tu perde a banca de verificação, por mais que ela seja um procedimento simples, implicará a perda da tua vaga, sem talvez processo de recurso.”
Nessa espera, a estudante passou em quase todos os quesitos, tendo sido reprovada na questão socioeconômica. “Quando fui ver o que faltava, uma era contas da minha mãe que ela havia bloqueado em 2009. Outra, como eu faço parte de uma comunidade de quilombola, existe o CNPJ da instituição, e isso está vinculado ao nome do meu pai, que é o representante fiscal no estatuto da comunidade. Só que essas contas acabaram ficando vinculadas no CPF dele, e foi uma das coisas que a Universidade implicou”.
Ela e a família foram atrás da documentação e com o auxílio do cursinho entraram com recurso junto a Ufrgs. “Eu me encontro com uma das professoras do cursinho e ela me orienta como eu deveria montar as coisas. Muito burocrático, difícil. Eu tive crises de ansiedade, eu pensei em desistir. E mesmo assim eu tive apoio. E quem não tem? Quem não tem uma rede? Um cursinho que possa contar? Núcleo familiar que possa pedir auxílio? Como ficam essas pessoas, a cabeça dessas pessoas, os estudos dessas pessoas”, questiona.
“Tem portas que só se abrem pelo lado de dentro”
Shanti relata que o edital é extenso, gerando um processo muito burocrático e etilista. “O que adianta eu incluir tais grupos periféricos, se na hora de colocar tais documentações eu os excluo, porque a quantidade de detalhes mínimos não é para uma pessoa leiga entender”, desabafa.
Ainda não há retorno da Ufrgs sobre o processo. A perspectiva da estudante é de entrar como matricula provisória, apesar de que no início do semestre de 2023, houveram 160 desligamentos de cotistas que tinham matrícula provisória. E segundo Shanti, sem nenhum esclarecimento.
Os alunos desligados estiveram presentes em alguns movimentos na frente da Reitoria que aconteceram neste ano. “O que adianta ter uma política de cotas se ela não inclui, se não tem um processo de acolhimento a esses estudantes, um processo mais humano. Se essa burocracia é tanta que faz com que pessoas desistam de conseguir. Só nesse processo de documentação muitos caem. É um grito de indignação que parece que não chegou aos ouvidos da Ufrgs.”
Shanti tem sonho de ser professora universitária e conseguir movimentar as coisas de dentro para fora. “Tem portas que só se abrem pelo lado de dentro. Eu nem comecei a cursar um ensino superior, mas eu já me deparo com as travas, com as barreiras que querem me impedir de continuar. E o que eles mais querem é que eu desista, sabe, mas eu não vou desistir.”
No meio desse processo, Shanti se inscreveu no SISU para a Universidade Federal de Pelotas onde também passou. “Agora eu me encontro atrás de uma bolsa, para conseguir me manter.”
“Importante também pensar na nossa permanência nesses espaços”
Caso similar ao de Shanti, o estudante Akin Sueht Andrade Kremer, que ingressou no curso de Ciências Sociais em 2019, também sofreu com a ansiedade por conta da documentação. Conforme expôs o estudante, por ser uma uma vaga socioeconômica, ela demanda muitas documentações, muitas das quais ele nunca havia tido contato antes.
“Isso me despertou muita ansiedade, muito desespero por ver que era um período tão curto de tempo. Eu entreguei todas as documentações, já ciente de que eu ia ter que entrar com recurso, porque naquele momento a minha mãe estava fazendo uma transição de um trabalho para o outro e eu não tinha acesso à carteira de trabalho dela.”
O estudante entrou com o recurso em 2019 e só obteve resposta em 2021. No final daquele ano, segundo explica, a instituição pediu outras documentações que não tinham sido solicitadas na primeira vez. “Surgiu uma lista de documentos e eu enviei todos. Na sequência, vieram outros. E aí nessa época a gente ainda estava vivendo várias questões da covid. Minha família inteira pegou o vírus, eu também. Estava fazendo esses cuidados com a minha mãe, com a minha irmã, e eu acabei perdendo o prazo”, relatou.
Ele enviou por e-mail laudos médicos, pedindo que reabrissem o prazo, o que foi acatado, assim como uma entrevista. E de novo mais uma série de documentos, entre eles uma carta a punho escrita pela mãe, afirmando que a família nunca recebeu pensão do pai.
“Acabou que abriram o prazo novamente e me pediram outros documentos, como sobre o apartamento onde a minha mãe mora que foi cedido pela minha avó. Enviei novamente a documentação e depois abriram de novo para que eu enviasse a identidade da minha avó e aí nesse momento eu perdi o prazo. E fiquei indeferido até 2023. Meu processo de análise de documentação levou quatro anos para ser concluído e para ser indefinido. Agora eu estou com uma medida judicial para que o juiz reconheça que eu sou sujeito de direito dessa vaga e que a Ufrgs analise o restante das minhas documentações, porque nessa análise vai comprovar que eu, de fato, sou sujeito de direito.”
Apesar desse transtorno, Akin afirma que vê a política de cotas como um paliativo pra tentar reduzir as desigualdades que estão postas no nosso país. “Pensando que elas são estruturais e estruturantes também. Então quando se traz esse debate sobre cotas nos espaços de ensino, tomada de decisão, ou mercado de trabalho, se faz necessário debater o por que dessa necessidade, o que corpos racializados, periféricos, dissidentes de gênero, com deficiência, tem pra agregar. E os obstáculos que dificultam sua presença nos espaços. Acho importante também pensar na nossa permanência nesses espaços, pois esse debate não pode andar descolado do ingresso”, conclui.
Na espera de resposta
“Eu estava com a matrícula provisória e tive a minha documentação indeferida com alegação de que não tinha enviado uma declaração de inatividade bancária do meu irmão que na verdade eu enviei. Fizeram alguns cálculos contabilizando as horas extras e o auxílio estudantil da minha mãe. Eles chegaram a me pedir para explicar uma transferência de 5 reais na conta bancária do meu pai”, relata o bacharel em Teatro, Northon Lara.
Atualmente, Northon está indeferido, mas continua indo para aula enquanto está providenciando ação judicial. “Ainda não fui totalmente desligado do sistema, estou aguardando. Entrei com minha liminar e o mandado de segurança saiu semana retrasada, agora estou esperando a resposta da Ufrgs.”
“O que adianta eu incluir tais grupos periféricos, se na hora de colocar tais documentações eu os excluo” / Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
O que diz a Ufrgs
Em relação à questão sobre cancelamento de matrículas provisórias, a Ufrgs esclarece que a Pró-Reitoria de Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em atenção ao cancelamento de matrículas provisórias, apresenta os seguintes esclarecimentos, com base no Edital do Concurso Vestibular 2022, disponível em: https://www.ufrgs.br/coperse/concurso-vestibular-2022/.
De acordo com nota enviada pela entidade, em maio de 2023, a universidade encaminhou o cancelamento de matrícula provisória de 159 candidatos que não cumpriram os requisitos previstos no edital dos respectivos processos seletivos e/ou não comprovaram a sua condição exigida na modalidade a qual estavam inscritos, não comprovando assim fazer jus à vaga por eles pleiteada.
“Reiteramos, portanto, que o conhecimento das normas do processo seletivo aos quais os candidatos se inscreveram é fundamental para o cumprimento de todas as etapas do processo de forma adequada. E que, uma vez estabelecidas as regras para um determinado processo seletivo e esclarecidas estas em um Edital, estas devem ser estritamente seguidas por todos e para todos, a fim de preservar a isonomia do processo seletivo”, destaca.
Referente ao aproveitamento das vagas abertas em função do cancelamento da matrícula provisória, a Universidade informa que elas poderão ser ocupadas em outros processos seletivos de ingresso para ocupação de vagas ociosas nos cursos de graduação da Ufrgs, nos termos da Resolução 13/2016 do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão – CEPE, desta Universidade.
Comissão de Direitos Humanos do Senado aprova PL que renova política de Cotas
A Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal aprovou nesta quarta-feira (30), o Projeto de Lei 5384/2020, que propõe a permanência e o aperfeiçoamento da Lei de Cotas no ensino federal. O Projeto foi relatado pelo presidente da comissão, senador Paulo Paim (PT-RS).
As principais alterações realizadas na Câmara pela relatora, deputada federal Dandara Tonantzin (PT-MG), foram mantidas pelo relator. Destacam-se a avaliação do programa a cada 10 anos, a redução da renda familiar per capita para 1 salário mínimo e a inclusão de quilombolas entre os beneficiários.
A lei original já reserva metade das vagas das universidades e instituições federais para alunos de escolas públicas. A partir dessa reserva inicial, subcotas são criadas para estudantes de baixa renda, pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência e, agora, quilombolas.
A autoria do Projeto de Lei é das deputadas federais Maria do Rosário (PT-RS) e Benedita da Silva (PT-RJ), e também do deputado Damião Feliciano (UNIÃO-PB). A parlamentar gaúcha esteve presente durante a aprovação e lembrou a importância da legislação como uma reparação histórica e, também, das perspectivas de futuro para o Brasil. “Com esta Lei, nós estamos tentando oferecer caminhos de esperança, para que todo mundo tenha oportunidades. Nós vamos fazer esse Brasil ser melhor pra todo mundo”, afirmou.
Organizações e movimentos sociais, indígenas, quilombolas e representantes dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário participaram da 6ª Conferência Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, nos dias 26 e 27 de maio, em Porto Alegre (RS). O encontro elegeu 202 delegados/as para a conferência nacional.
Foi um momento muito importante, a primeira conferência realizada após a pandemia da COVID. Organizada pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH-RS), o encontro buscou avaliar e direcionar o conjunto das políticas de direitos humanos do estado para o próximo período.
O homenageado desta edição foi um quilombola, o senhor Manoel Francisco, do Quilombo Morro Alto, no Litoral Norte gaúcho. Senhor Manoel Chico completará 103 anos em agosto próximo e resistiu a todas as violações de direitos, desde o período pós-abolição até a promulgação da Constituição Cidadã, e até agora não viu seu território efetivamente regularizado, como prevê a Constituição Federal. Os povos indígenas presentes protestaram contra o PL490 e o marcotemporal, frente ao avanço dessas pautas anti-indígenas no Congresso Nacional pela bancada ruralista e da mineração. Também pediram mais rapidez nas demarcações de terras indígenas no RS.
No eixo Direitos Humanos e Desenvolvimento, participaram as comunidades quilombolas da Morada da Paz e do Morro Alto e organizações do movimento de luta urbana pelo direito à cidade, catadores de material reciclável, LGBTQIA+ e portadores de necessidades especiais. A questão transversal que apareceu no debate foi a garantia do direito à consulta prévia, livre, informada e de boa fé às comunidades indígenas, quilombolas e dos povos tradicionais potencialmente atingidos. Também se discutiu muito os processos de gentrificação da cidade, do cercamento de parques públicos, da destituição e descaracterização desses espaços com novas obras e concessões.
Foram aprovadas, ainda, três moções propostas pela Comunidade Kilombola Morada da Paz: de repúdio ao marco temporal e à retirada, do Ministério dos Povos Indígenas, da possibilidade de demarcação de terras; e uma de apoio para que a Convenção 169 se torne uma política de Estado, diante do risco que se correu de que o Brasil se retirasse do tratado no governo passado.
Julio Alt, presidente do CEDH/RS, avalia que a conferência teve um saldo muito positivo para a organização da sociedade civil em relação às demandas de direitos humanos. “A maioria dos delegados e participantes da conferência destacou a necessidade de recriar, garantir, ampliar, implementar e fortalecer as políticas públicas de proteção e garantia de direitos, que na avaliação geral foi de desmonte nos últimos anos. Nesse sentido, cabe ressaltar que estamos há quase 10 anos tentando implementar o Sistema Estadual de Direitos Humanos, conforme a Lei 14.481/2014, esperamos que o Governo do Estado faça sua parte em garantir a implementação do que consta na lei, pois a sociedade civil vem fazendo a sua, como esta conferência”, disse.
Nos quatro últimos anos, chegamos a 33 milhões de brasileiros e brasileiras passando fome. Esses números revelam uma situação mais grave do que a encontrada pelo presidente Lula em 2001. E apontam para a urgência de estruturação de políticas públicas que tenham na soberania alimentar seu centro. Um país que não é capaz de produzir alimentos saudáveis e acessíveis à sua população não consegue avançar para qualquer projeto de nação digna.
A principal bandeira de ação de Lula sempre foi o combate à fome. Já em sua posse, o governo lançou a retomada do Programa Bolsa Família e o retorno do Ministério do Desenvolvimento Social. Em fevereiro, Lula reinaugurou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), fechado em 2019 por Bolsonaro. O Conselho é um importante espaço de participação popular na construção do direito à alimentação adequada. Dentre suas atividades, destacam-se o controle de estoques de alimentos; programas de cisternas para agricultura familiar, com articulação entre campo e cidade; rotulagem de alimentos; monitoramento de ações e políticas públicas. Vale recordar que o direito à alimentação faz parte dos direitos sociais previstos no art. 6 da Constituição.
Embora sejam fundamentais as medidas emergenciais do combate à fome e o estabelecimento de programas de renda básica, enquanto a soberania alimentar não for tratada como pauta estruturante da política agrária brasileira, seguiremos recaindo em ciclos de retorno ao mapa da fome. A soberania alimentar envolve um olhar mais sistêmico ao modelo de produção no campo, que prioriza a produção da agricultura familiar de base ecológica. No Brasil, os alimentos que são disponibilizados em nossa mesa provêm da agricultura familiar que, no entanto, recebe menos incentivos e ocupa menores proporções de terras. As monoculturas do agronegócio não produzem a diversidade de alimentos nutricionais de que precisamos.
Nesse caminho, o governo Lula dá passos lentos. Sufocado pelo orçamento apertado, tenta encontrar caminhos para a retomada de políticas públicas em apoio à produção camponesa. Durante o Governo Bolsonaro, a reforma agrária foi paralisada, e sofreu duros golpes. Um deles foi a edição da normativa que autoriza a titulação individual dos lotes aos assentados da reforma agrária. Antes, o assentado possuía o direito de uso, sendo as terras de propriedade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o que implicava que o Estado mantinha sua responsabilidade com a função social da terra, tendo o dever de assegurar políticas públicas. Agora, estimula-se a mercantilização das terras, tornando possível que áreas destinadas à Reforma Agrária sejam incorporadas ao mercado e se destinem à especulação financeira ou ao agronegócio.
Outro efeito é a explosão de acampados que esperam acesso à terra. Segundo o Movimento Sem Terra (MST), são por volta de 100 mil pessoas que aguardam, em mais de 360 projetos de assentamentos congelados. Muito embora o orçamento de R$ 2,4 milhões seja irrisório para a compra de terras, outros mecanismos precisam ser explorados como a regularização e destinação das terras públicas, o cumprimento real da função social da propriedade e o questionamento da produtividade da monocultura, seja na geração de trabalho como de alimento. Todo esse desafio recairá no presidente do INCRA, nomeado apenas em março.
No último mês, o governo anunciou a retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). O PAA realiza a compra direta de alimentos da agricultura familiar, e em sua nova modalidade, incluirá comunidades indígenas e quilombolas. No anúncio realizado no dia 23 de março, o presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), Edegar Preto, comunicou: “Vamos comprar, a preço de mercado, os alimentos dos agricultores familiares de todo o Brasil e ajudar a colocá-los na mesa dos brasileiros, garantindo renda a quem produz e uma alimentação de qualidade aos consumidores”. Outra prioridade no programa é a compra de alimentos das mulheres: está prevista a cota de que ao menos 50% das compras sejam das produtoras. Também foi reinstalado o Comitê de Assessoramento do programa, assegurando a participação popular na gestão da política.
Outro passo importante foi o retorno da titulação dos territórios quilombolas. Em março, o governo assinou a titulação de três territórios: Brejo dos Crioulos (MG), com 630 famílias; Serra da Guia (SE), com 198 famílias; e Lagoa dos Campinhos (SE), com 108 famílias. Já tendo titulado tanto quanto o Governo Bolsonaro em quatro anos. A medida faz parte do Programa Aquilombar Brasil, lançado pelo Ministério da Igualdade Racial. O governo ainda comunicou a destinação de 513 milhões de reais para demarcação de territórios indígenas.
Barra do Turvo/SP: intercâmbio de comunidades quilombolas e mulheres da agroecologia / Vanessa Silva/Amigas da Terra Brasil
O acesso à terra e ao território são condições primeiras para que indígenas, quilombolas, agricultura familiar e camponesa possam produzir alimentos saudáveis para o Brasil, garantindo também preservação e justiça ambiental. Mas as necessidades não se limitam a isso, é preciso fortalecer as redes de troca e comercialização de sementes, reconhecer os saberes e as práticas diversas dos povos do Brasil, incluir grupos informais de produção e cultura agroecológica ancestral que, ainda mais durante a pandemia, realizaram e encurtaram circuitos solidários entre campo e cidade no combate à fome e à violência. Com soluções que também respondem à crise climática, mas principalmente à garantia de renda e autonomia para as mulheres, redes como a Rede de Agroecologia de Mulheres Agricultoras da Barra do Turvo (RAMA), em São Paulo, em articulação com movimentos sociais e organizações da sociedade civil, como a Marcha Mundial de Mulheres (MMM) e a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) e com grupos de consumos na cidade de São Paulo, as comunidades quilombolas do Vale do Ribeira realizaram, em março, um intercâmbio com coletivos de mulheres do Mato Grosso e do Rio Grande do Sul, promovendo uma integração por meio do diálogo campo e cidade, construído na prática pela organização.
Para Lúcia Ortiz, das Amigas da Terra Brasil, “a potência dos saberes e fazeres das mulheres, solidárias no cuidado umas com as outras e generosas no trabalho em mutirão, fortalecem seus conhecimentos ancestrais e sua luta por direitos, fazendo chegar à cidade não apenas alimentos saudáveis, mas também valores de dignidade e de organização popular”.
Frutos das trocas de sementes e saberes quilombolas sobre a sociobiodiversidade e o feminismo popular / Clarissa Silveira, Sítio Libélula/Grupo Sal da Terra, em Rolante (RS)
A soberania alimentar e as políticas públicas envolvem, ainda, os desafios e atravessamentos da biotecnologia. Recentemente, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBIO) liberou a produção de trigo transgênico no país. O trigo liberado envolve a modificação genética em 62 genes de DNA, uma quantidade muito superior à soja de 4-5 mil, sendo que uma das modificações é realizada para resistir ao agrotóxico glufosinato de amônio, o qual pode causar danos ao sistema nervoso. Sem a devida segurança ambiental e à saúde humana, o trigo transgênico poderá chegar à mesa dos brasileiros rapidamente. Na Europa, a espécie não foi autorizada diante da falta de comprovação. Segundo Naiara Bittencourt, coordenadora do Programa Iguaçu na organização Terra de Direitos, “o processo de liberação da farinha e, agora, do cultivo de trigo transgênico no Brasil apresenta inúmeros vícios e ilegalidades que implicam a sua nulidade. Propagandeado como resistente à seca, o trigo também é modificado para resistir ao glufosinato de amônio, agrotóxico mais perigoso que o glifosato e é considerado potencial cancerígeno pela OMS [Organização Mundial da Saúde]”.
No mês do Abril Vermelho, recordamos os 27 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará; saudamos a memória de todos os filhos e de todas as filhas desta nação que lutam pelo acesso à terra e permanência no território; que plantam e semeiam a comida de nossas mesas; esses trabalhadores e essas trabalhadoras que sonham que um dia haja um governo que governe para eles e elas. Esperamos ansiosos e ansiosas pelos dias de ousadia, quando a erradicação da fome, a reforma agrária, a biodiversidade, a igualdade racial, a dignidade dos povos deste país sejam o centro, e que no projeto político de nação seja priorizada a soberania alimentar, porque é por meio dela e com ela que ergueremos a soberania popular.
Edição: Thalita Pires
Divulgamos, abaixo, depoimento de Nilce Pontes, da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos ) sobre a importância de políticas de compras públicas, entre elas o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), para a agricultura camponesa e quilombola e os riscos que correm com o Acordo UE-Mercosul (União Europeia):
Após tentativa de invasão com homens armados no domingo (28), essa semana está sendo marcada por vigília e mobilização no Quilombo dos Alpes, de Porto Alegre (RS). Mais uma vez a violência atravessa a vida dos quilombolas e o território ancestral de resistência. É necessária a titulação imediata do Quilombo dos Alpes e a garantia da segurança e integridade do quilombo e das pessoas que ali vivem.
No domingo, escoltadas por um carro com homens armados, pessoas tentaram invadir as casas em construção da comunidade, que fazem parte do projeto de moradia do Minha Casa Minha Vida, com a qual o quilombo foi contemplado. As obras, não finalizadas, mostram mais uma vez o descaso do estado com os quilombolas. Na ocasião, os invasores foram dispersados pela Polícia Militar. Mas ameaças seguiram em riste, evidenciando um histórico colonial e genocida que precisa ser interrompido. Desde então, a comunidade dos Alpes recebe o apoio em vigílias e cobra coletivamente medidas para garantir iluminação e segurança das pessoas e do território. A mobilização fez com que a Caixa Econômica Federal anunciasse que liberaria recurso para a obra de conclusão das casas recomeçarem na segunda-feira. Em resistência, mandinga e coletividade segue a luta do Quilombo dos Alpes, assim como as lutas para aquilombar o Brasil!
Nas margens que contornam o Quilombo dos Alpes se erguem prédios frutos de um projeto racista e elitista, que entende a cidade a partir de uma lógica excludente e colonizatória. Para dar espaço à iniciativa privada, os governos colocam em cheque populações, saberes e práticas ancestrais que pautam a vida em meio a políticas de morte. Da vista dos Alpes, torres na Orla do Guaíba, prédios do Barra Shopping e espaços que prevêm serem cedidos a construções que pouco falam sobre a realidade dos povos, e mais uma vez ameaçam territórios negros. Uma Porto Alegre que visa o lucro, a qualquer custo, e avança sobre os morros preservados.
Entidades, Coletivos, Quilombos e Movimentos Sociais se solidarizam com o Quilombo dos Alpes e exigem que as Autoridades e Instituições afins cumpram a sua missão Institucional ao que se refere a Regularização Fundiária e Efetivação da Titulação do Território Quilombola. Reivindicam o respeito e proteção do Quilombo e dos quilombolas como previsto na Constituição Federal de 1988. É dever do Estado a proteção dos quilombos, uma das expressões civilizatórias de matriz africana. Mitigar ou relativizar esse dever é fator para violência contra os Povos e Comunidades Tradicionais.
A Frente Quilombola RS divulgou o Manifesto em Defesa dos Quilombolas de Porto Alegre (RS) – Quem não pode com a formiga, não atiça o formigueiro. Leia o conteúdo na íntegra:
O Quilombo dos Alpes é uma comunidade tradicional centenária de Porto Alegre, localizada o bairro Glória/Cascata. Assim como os demais dez territórios quilombolas da cidade, o quilombo dos Alpes está sob franco ataque de disputas territoriais violentas dadas através de uma relação de forças perversas e desiguais. As lideranças quilombolas têm sido insistentemente acossadas pelo avançar da violência de milícias, grileiros e traficantes que tentam ocupar o território quilombola. A demora do Estado brasileiro em demarcar, proteger e qualificar o bem-viver das comunidades quilombolas contribui para esse cenário de extermínio da população quilombola. Na manhã de domingo, 28 de agosto de 2022, as casas do projeto Habitacional Quilombo dos Alpes – JV foram invadidas por cerca de 20 pessoas. No entanto, o grupo logo foi dispersado pela Brigada Militar. Porém, a tensão entre a comunidade quilombola e os invasores seguem atormentando as lideranças do Quilombo dos Alpes que movimentam, junto com a Frente Quilombola do RS a vigília dos sujeitos e o território quilombola. Em dezembro de 2008, duas das lideranças quilombolas foram assassinadas dentro do território em decorrência de disputas movidas pela especulação imobiliária. O assassino foi condenado a trinta anos de prisão, mas hoje responde em regime de prisão domiciliar. Na ocasião, a atual liderança quilombola também foi baleada, mas conseguiu sobreviver, e hoje segue na luta por melhorias para a comunidade quilombola. Tendo o medo como companhia as lideranças do Quilombo dos Alpes desafiam o Estado Brasileiro a cumprir a necessária reparação histórica e geógrafica ao explorado povo negro, indegena e quilombola que muita riqueza gerou na construção deste país.
O projeto Habitacional Quilombo dos Alpes – JV representa o acesso a uma política pública, o programa Minha Casa, Minha Vida-Entidade e é destinada a construção de 50 casas para 50 famílias quilombolas já cadastradas, e que acompanham o projeto desde 2016 quando do início de sua organização. A implementação só se efetivou com acesso ao financiamento em março de 2019 quando após exaustivo processo de judicialização o recurso do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), do atual Ministério do Desenvolvimento Regional, administrado pela Caixa Econômica Federal, foi então liberado. O projeto tem o destacado protagonismo da Associação do Quilombo dos Alpes D. Edwirges enquanto Entidade Organizadora a acessar esse tipo de edital majoritariamente acessado por empreiteiras e agentes do capital imobiliário. O ineditismo da organização do projeto por parte da associação quilombola em âmbito urbano é assessorado pelo Núcleo de Estudos Geografia e Ambiente, do curso de Geografia da UFRGS e atualmente conta com a parceria da Cooperativa de Trabalho Habitação e Consumo Construindo Cidadania COOTRAHAB de São Leopoldo.
Com a pandemia e a paralisia completa das obras, a Associação Quilombola dos Alpes tem feito denúncias ao poder público sobre o abandono e a violência a qual estão submetidos. Desde o início da pandemia a comunidade vem exigindo respeito, reconhecimento, sinalização do território e iluminação pública enquanto medidas diretas de segurança, no entanto a lentidão dos serviços públicos, uma das expressões do racismo institucional que organiza a sociedade brasileira até os dias de hoje reforçam a desigualdades enfrentadas pelos sujeitos quilombolas. O esgotamento das comunidades frente às violências sistemáticas a que estão sujeitas apesar de dificultar, não tem impedido a continuidade da luta quilombola pela liberdade e libertação da monocultura do pensamento capitalista.
Contudo é muito alto o preço pago na luta por liberdade. As vidas quilombolas estão em risco permanente, seja no Quilombo dos Alpes, em Porto Alegre, no Maranhão e em todo o Brasil. Responsabilizamos estas violências e as múltiplas escalas de negligência/violência de Estado e sua Colonialidade Permanente. O Estado nos acusa de estressar as suas instituições e institutos , sem reconhecer o quanto as instituições nos massacram.Nossa luta e nossos apelos não se resolvem a cada eleição, demandam ações diretas, efetivas e continuadas. Nossa luta não é hashtag, é por liberdade, reconhecimento, segurança, titulação e bem viver. Frente a crise civilizatória que enfrentamos, lutamos por outros projetos de sociedade, mais plurais, diversos e menos desiguais. O Quilombo dos Alpes e os Quilombos de Porto Alegre, assim como os amigos e apoiadores convidamos a compartilhar conosco a prática efetiva do UBUNTU se integrando a vigília no Quilombo dos Alpes que acontece desde o dia 28/08/2022 até 05/09/2022 no território do Quilombo, Estrada dos Alpes, 1300. Toda contribuição financeira ou presencial é bem vinda.
—————————————————————————————
A Amigos da Terra Brasil rechaça a violência contra o quilombo e os quilombolas, que em suas sabedorias, práticas e ancestralidade preservam cotidianamente os territórios brasileiros e pautam a construção de uma sociedade de bem viver, em que o respeito à diversidade de expressões civilizatórias é verbo! Que o Estado assuma a sua responsabilidade e a justiça seja feita, com titulação já para Quilombo dos Alpes. Toda solidariedade é necessária. Divulgue a respeito, some nessa luta, se articule com o Quilombo dos Alpes. Toda contribuição financeira ou presencial é mais que bem vinda! Contate a Frente Quilombola do RS e se articule nessa luta.
Salve a resistência nos Alpes e toda a resistência ancestral!
Muitos dos retrocessos expressos na candidatura de Jair Bolsonaro podem ser irrecuperáveis. O desprezo pelos valores básicos da democracia e a intolerância em seu discurso de ódio são evidentes. Na pauta ambiental, o cenário é também grave, seja pelo fim do Ministério do Meio Ambiente ou pela ausência de propostas relativas a desmatamento e saneamento básico; seja pela expansão extrativista na Amazônia ou pelo ataque aos povos originários e tradicionais, entre outros impropérios de uma candidatura construída sobre mentiras, fake news e desinformação.
O discurso de ódio já se materializa nas ruas do Brasil, causando mortes como a de Moa do Katendê, liderança negra da Bahia, assassinado por revelar ter votado em Haddad no primeiro turno. Frente a isso, a Amigos da Terra Brasil publica nota oficial, demarcando seu posicionamento histórico em defesa da democracia e da biodiversidade brasileiras, postas em risco nas eleições deste ano.
“Divergências à parte em relação às gestões do PT ao longo dos anos, o momento atual exige um posicionamento claro: a nossa defesa é pela vida, pela liberdade, pela diversidade. Pela soberania e autonomia dos povos sobre seus territórios. Hoje, é algo fundamental e inegociável que está em jogo: a própria democracia. O direito à discordância e à oposição está em xeque; a diferença é posta como o inimigo da vez. Contra isso, portanto, não se trata mais de um “voto útil”. O voto a ser dado é de sobrevivência – o que vai muito além de disputas partidárias”
Confira a nota na íntegra:
EM DEFESA DA BIODIVERSIDADE, DO BRASIL E DA DEMOCRACIA: FRENTE AO FASCISMO NÃO PODE HAVER HESITAÇÃO
Os perigos são vários – e iminentes. Uma candidatura violenta e despreparada desponta como a favorita à vitória, erguida sobre mentiras, notícias falsas, desinformação e medo. Neste momento, são as nossas chances de futuro que precisam ser defendidas. Afinal, para muitas das políticas e intenções de Jair Bolsonaro não haverá cura posterior; certos danos não podem ser desfeitos. O candidato do PSL pretende acabar com o Ministério do Meio Ambiente, subordinando questões ambientais à pasta da Agricultura, ou seja, aos interesses do agronegócio. A mineração avançará sem restrições sobre terras ancestrais indígenas na Amazônia e em todo o território nacional, destruindo a nossa biodiversidade. O ataque aos povos originários e tradicionais será sistemático, sem demarcação de terras ou garantia de direitos adquiridos. Propostas sobre temas complexos e importantes, como saneamento básico e desmatamento, inexistem; o candidato ataca as Unidades de Conservação, os tratados internacionais que regulamentam as políticas de clima, como o Acordo de Paris, critica as regras do licenciamento ambiental, algo, para ele e seus financiadores, dispensável. Ibama e o ICMBio são vistos como adversários. Risível, não fosse trágico: está já anunciada a criminalização de todo o tipo de ativismo, de ONGs e todas as organizações da sociedade civil que se colocam no caminho da devastação, lutando, em parceria com povos e comunidades, por autonomia – no país que mais mata defensoras e defensores dos territórios, o futuro é sombrio. No campo da saúde e da educação, Bolsonaro foi favorável ao congelamento de gastos pelos próximos 20 anos; em segurança, apresenta ideias macabras como a liberação do porte de armas, que trará somente mais mortes e violência, em especial nas áreas rurais e nas periferias das cidades. Quem mais morre hoje vai morrer ainda mais amanhã.
Percebe-se, assim, que o adversário de Fernando Haddad nesta eleição não é um mero opositor, alguém que diverge em ideias e políticas econômicas; isto seria próprio da democracia. Não: do outro lado está uma candidatura que se constrói da violência e da intolerância. Jair Bolsonaro afirmou aos ventos já: julga que uma colega deputada só não deveria ser estuprada devido ao fato de ser “feia”; que sua filha, única mulher, foi resultado de uma “fraquejada”; que mulheres merecem receber salários inferiores aos de homens porque engravidam; que quilombolas não servem sequer para reproduzir, reduzindo a existência do negro a de um animal reprodutor; disse que não demarcará um centímetro de terras indígenas – pelo contrário, vai atacá-las em favor de um extrativismo insustentável; que as minorias devem se curvar às maiorias, ou então desaparecerem; e, entre outros absurdos, que o erro da ditadura foi torturar ao invés de matar, a maneira mais eficaz de silenciar um opositor. O seu absoluto desprezo pela democracia ele deixou claro ao homenagear, em seu voto a favor do impeachment de Dilma Rousseff, um sádico torturador que violentou mulheres – a ex-presidenta inclusive – das maneiras mais macabras durante a ditadura civil-militar brasileira.
Aos que alegam serem só palavras, percebam que o discurso de ódio já toma forma nas ruas: seus apoiadores assassinaram Mestre Moa do Katendê, liderança negra na Bahia, pelo simples fato de ele ter votado em Haddad; uma jovem porto-alegrense teve o corpo violado, tendo uma suástica, a cruz nazista, “tatuada” com um canivete em sua pele por utilizar um adesivo com a inscrição “Ele Não”; um estudante do Paraná foi espancado por estar usando um boné com a identificação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), aos gritos de “Aqui é Bolsonaro!”. Além destes, existem diversos outros casos, tão horríveis e chocantes quanto, e a eleição sequer acabou. É bem verdade que o Brasil é, historicamente, um país racista, patriarcal e homofóbico. Os números mostram: é o país que mais assassina LGBTs no mundo; o assassinato de quilombolas cresceu 350% entre 2016 e 2017. Contudo, caso a eleição de Bolsonaro se concretize, não restam dúvidas de que o cenário irá piorar: as violências históricas estarão justificadas – e serão mesmo incentivadas – pelo ocupante da maior representação política do país, o presidente.
Divergências à parte em relação às gestões do PT ao longo dos anos, o momento atual exige um posicionamento claro: a nossa defesa é pela vida, pela liberdade, pela diversidade. Pela soberania e autonomia dos povos sobre seus territórios. Hoje, é algo fundamental e inegociável que está em jogo: a própria democracia. O direito à discordância e à oposição está em xeque; a diferença é posta como o inimigo da vez. Contra isso, portanto, não se trata mais de um “voto útil”. O voto a ser dado é de sobrevivência – o que vai muito além de disputas partidárias. Não queremos que os nossos morram, nem apanhem, nem silenciem, nem se amedrontem. Queremos direitos garantidos e ampliados. Bolsonaro é uma ameaça a isso tudo. E a tendência, agora, é um Congresso ainda mais retrógrado, com o crescimento da bancada BBB – Bala, Bíblia e Boi, ou seja, armamentista, conservadora-evangélica e do agronegócio, que atacarão ferozmente a natureza ainda protegida das monoculturas e do desmatamento – proteção essa garantida exatamente pelos modos de vida indígena, quilombola e campesino, postos, por isso, sob grave ameaça.
Frente ao fascismo, não pode haver dúvida ou hesitação: Bolsonaro representa o que de mais nefasto existe, a tortura, a barbárie, a violência, o racismo e a misoginia. É tal qual um símbolo deste neoliberalismo patriarcal tosco que aponta seus canhões ao Brasil – e antes ao Paraguai, ao Haiti e a Honduras, entre outros, em uma onda fascista que periga invadir a América Latina agora que se derrama por um dos países mais proeminentes da região: em 2016, após a promoção deliberada da instabilidade política, testemunhamos um golpe de estado – incentivado por nossas podres instituições, o Judiciário, o Legislativo e a mídia -, a fim de entregar nossas riquezas a transnacionais e governos estrangeiros. Agora, em um risco talvez não tão calculado por uma elite que não suporta a soberania popular, assistimos à ascensão do fascismo, que poderá, paradoxalmente, ser eleito pelas vias democráticas para destruir o pouco de democracia que aqui havia, já reduzida a escombros com o apequenamento de suas instituições nos últimos anos – vide a embaraçosa atuação do Poder Judiciário em julgamentos recentes, com claros fins políticos. Juízes, procuradores e desembargadores veem agora, do alto de seus pedestais, o fantasma do fascismo se materializar e nada fazem; apenas observam – alguns com indisfarçada satisfação.
O confronto está posto e, dada a massiva votação do candidato fascista no primeiro turno, turbinado pela proliferação de notícias falsas, pode mesmo parecer perdido. Há tempo, porém – embora curto -, e o desespero nada nos trará de benefício. Ninguém está eleito ainda. Além disso, a luta contra o fascismo é histórica e se estende para além das urnas; a disputa por cargos legislativos e executivos, ainda que importante, é apenas parte de um embate mais amplo contra as injustiças sociais, econômicas e ambientais e contra todas as formas de opressão. O crescimento dos ideais da extrema-direita, avessos à diversidade, deixará sequelas e cicatrizes difíceis de superar ou de esconder, e impõe-se sobre nós a responsabilidade de nosso tempo: é então hora, enfim, de enfrentarmos o histórico racismo e patriarcalismo incrustados em nós, em nossa sociedade e em nosso país. Enfrentemos o neoliberalismo colonialista que, ganancioso, apropria-se de nossas riquezas naturais e impede os nossos modos de vida. Hoje estas mazelas expressam-se por meio da bestialidade de Jair Bolsonaro, que deve ser derrotado. Para isso, são muitas as frentes e os grupos que se organizam, já com algum atraso, em um justo e necessário esforço. Tais alianças devem ser mantidas mesmo após o pleito de 28 de outubro: a defesa da democracia e da diversidade dos modos de vida deve ser permanente, independente do que digam urnas – e reafirmamos aqui o nosso compromisso em sustentá-la.
Uma das frentes da Greve Geral desta sexta aconteceu no Incra-RS. Indígenas e Quilombolas ocuparam a frente do prédio das 8h até o começo da tarde. Luta contra os ataques aos povos ancestrais, representados pela paralisação das titulações de territórios quilombolas, lentidão nos processos de demarcação, CPI do Incra e da Funai, genocídio do povo negro e do povo indígena, contra as reformas da previdência e trabalhista, contra o racismo institucional. Foi uma manhã de atividades conjuntas e de integração entre quilombolas urbanos de Porto Alegre, Mbya Guaranis e Kaigangs. No começo da tarde, partiram em coluna para se juntar à marcha que partiu da Esquina do Zaire (Democrática).
Confira depoimentos:
Mulher Negra frente às reformas, por Luany Xavier, Frente Quilombola RS e Kalunga Quilombola. http://bit.ly/MulherNegraINCRA
Por que ocupar o INCRA? Por Patrícia Gonçalves, Frente Quilombola RS e Amigos DaTerra Brasil. http://bit.ly/PorqueOcuparIncra
Por que defender a terra? Por Arial de Souza, vice-cacique Guarani da Aldeia Cantaglo. http://bit.ly/ArielCantagaloINCRA
“Hoje, quilombo vai dizer, aldeia vai dizer, cadeia vai dzier: é nós por nós, hoje”. http://bit.ly/HojeVaiDizerZumbi
Fotos de Douglas Freitas e Karai Rick. Baixe as fotos no Flickr. Todas imagens em copyleft para quem use em prol dos direitos fundamentais dos povos originários e contra os retrocessos das reformas.
<a data-flickr-embed=”true” href=”https://www.flickr.com/photos/150076387@N03/albums/72157683080612956″ title=”Indigenas e Qulombolas ocupam a frente do INCRA-RS”><img src=”https://farm3.staticflickr.com/2887/34172619642_3409076411_z.jpg” width=”640″ height=”427″ alt=”Indigenas e Qulombolas ocupam a frente do INCRA-RS”></a><script async src=”//embedr.flickr.com/assets/client-code.js” charset=”utf-8″></script>