Artigo jornal Brasil de Fato: O capitalismo de desastre e o caos climático no Rio Grande do Sul

 

As águas finalmente vêm baixando no Rio Grande do Sul e se aprofunda a mercantilização das formas de reparação. Desde os primeiros dias da tragédia, os governos neoliberais do estado, incluindo prefeituras – sobretudo a de Porto Alegre – buscam capitalizar soluções inovadoras de corporações por meio de projetos de reconstrução das cidades. É o que pesquisadoras e pesquisadores apontam como “capitalismo dos desastres”.

Em 2005, o furacão Katrina deixou a cidade de Nova Orleans, nos Estados Unidos, 80% submersa. O governo local, à época, decidiu privatizar a gestão da tragédia contratando a empresa Alvarez & Marsal para a reconstrução da cidade. Os resultados foram completamente insatisfatórios; as comunidades apontam para uma falta de diálogo com a empresa, ausência da defesa dos direitos à moradia, atrasos, superfaturamento, ausência de transparência. Além de outras estratégias que envolveram a demissão em massa, a privatização de serviços públicos, a sobreposição do interesse privado e comercial sobre o interesse público.

Apesar de tais informações serem facilmente encontradas em buscas na internet, o prefeito de Porto AlegreSebastião Melo, contratou a mesma empresa para liderar um plano de reconstrução da cidade. Na mesma esteira, segue o governador do Estado. No dia de 10 de junho, Eduardo Leite anunciou uma “Nova Agenda de Desenvolvimento Gaúcho”, coordenada com apoio da consultoria internacional McKinsey. A empresa participa também da estruturação da nova Agência de Desenvolvimento que consta no projeto. A consultora já atuou em vários países, sendo um espelho da promoção da ideologia neoliberal do crescimento econômico, permeado pela responsabilidade social corporativa.

O que tais empresas de consultoria fazem, na prática, é operar como think tanks. Ou seja, são contratadas com dinheiro público para influenciar na elaboração de políticas públicas, no planejamento estatal. Tem sido uma tendência o desinvestimento de governos nas universidades públicas e institutos de pesquisa, que contribuem para o monitoramento e planejamento de pesquisa, e a terceirização de tais atividades de elaboração para consultorias privadas. Dessa forma, parte daquilo que constitui os alicerces dos projetos políticos de governabilidade democrática, como o planejamento urbano e o desenvolvimento de planos de ação de recuperação justa com participação e controle social, estão completamente entregues às empresas e controlados por setores privados com interesses próprios, inclusive nos resultados políticos das eleições municipais deste ano que se avizinham

Nenhuma novidade

Tais consultorias privadas modelam respostas públicas de acordo com suas estratégias de ocupação dos territórios. Por estarem focadas majoritariamente em respostas macroeconômicas, propõem projetos que transformam prefeituras, governos estaduais e a gestão de desastres em verdadeiras empresas, deturpando a lógica social do papel do Estado. Em outras palavras, a crise gerada por eventos climáticos extremos, como os vivenciados no RS, torna-se uma janela de oportunidade ao capitalismo para aprofundar a lógica neoliberal, transformando a obrigação do Estado de assegurar os direitos humanos, ambientais, sociais, e até civis e políticos, e eventualmente, convertendo o Estado num apêndice do poder corporativo, não mais um regulador.

Na tragédia anunciada na bacia do Rio Doce em Minas Gerais, em 2015, a Fundação Renova, formada com o capital das responsáveis pela destruição — as empresas Vale S.A e BHP Billiton — cumpriu o papel de consultoria intermediária. Em quase oito anos de atuação da Fundação Renova, as casas das populações atingidas, até hoje, não foram reconstruídas de maneira satisfatória, e os debates da reparação se estendem sem resolução. Além dela, outras tantas consultorias privadas foram usadas pelo Poder Judiciário para elaborar relatórios e pareceres que nada compreendem sobre a realidade social das comunidades atingidas. Muito do custo de tais consultorias, se somados, são maiores do que o dinheiro efetivamente gasto pelas empresas com a reparação às vítimas.

Tanto no caso da Renova, na gestão do desastre da mineração, como Alvarez & Marsal em Nova Orleans, abundam literatura, artigos e notícias sobre a ineficiência da abordagem, o que nos leva a perguntar:  por que os governos do RS insistem em fazer tal escolha política? A resposta é a opção por aprofundar o sistema capitalista neoliberal e criar mecanismos de produção de lucro em meio à dor e ao sofrimento do povo. É uma inovação do capital se aproveitar da crise gerada pelas suas próprias consequências, como o caos climático e a destruição ambiental, e ter a capacidade de construir novos mecanismos de produção de lucro. Desse modo, o que a burguesia na direção do RS quer é manter e aumentar seus lucros, por isso investe em si mesma, e socorre o empresariado.

Movimentos populares constroem soluções solidárias

Em meio ao negacionismo do problema e da ausência de responsabilização, os movimentos sociais do campo e da cidade, mais uma vez na história, demonstram unidade e capacidade de propor soluções efetivamente populares para sair da crise com foco na solidariedade de classe: aos mais atingidos, o povo trabalhador, que é o menos responsável pelo problema, mas sofre ainda mais com o racismo ambiental diante das políticas empresariais e higienistas em curso no RS. Na primeira quinzena de junho, o MTST (Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Sem Teto) organizou a ocupação Maria da Conceição Tavares (economista, professora e intelectual com vasta contribuição crítica ao desenvolvimento econômico capitalista, falecida recentemente), em um prédio público da União, desocupado, no centro de Porto Alegre. A proposta é construir uma opção de moradia digna para cerca de 300 famílias desabrigadas.

Para Fernando Campos, do MTST, a ocupação do prédio representa a oportunidade de debater dois temas importantes para as cidades: a função social na cidade e a reciclagem. Segundo ele, “a ocupação traz uma solução imediata de moradia digna às famílias desabrigadas, caracterizando-se por uma transformação real e permanente do prédio há anos sem uso no  centro da cidade. Isso porque o prédio poderá, depois de sofrer as adaptações necessárias, servir, aproveitando a estrutura física que já demandou recursos humanos e naturais (dimensão da reciclagem), dando sobrevida aos materiais utilizados, e mantém a paisagem e história do centro da cidade”.

Enquanto a prefeitura de Porto Alegre propõe construir cidades de lona, como abrigos temporários para as famílias atingidas, com apoio do setor industrial, o MTST constrói um contraponto de moradia digna às famílias, ocupando o centro da cidade. Na mesma esteira, o MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas) ocupou um prédio antigo da FEPAM (Fundação Estadual de Proteção Ambiental) e foi violentamente retirado em ação da Brigada Militar (polícia militar gaúcha), a pedido do governador Eduardo Leite. Em resumo, tratam-se de projetos políticos completamente distintos em disputa pelo sentido do exercício do direito à cidade na reconstrução de uma Porto Alegre.

Ocupar aquilo que é público para dar dignidade ao povo é o que verdadeiramente trata a Constituição brasileira. Zelar pelo bem-estar de seu povo é a principal tarefa de um governante. Muitos governos atuais não têm projeto político de transformação do país, de melhoria da qualidade de vida de seu povo. Insistem em apostar em velhas formas sob novas roupagens para dar continuidade à dominação e exploração da classe trabalhadora. Mas são as ações unitárias e solidárias dos movimentos sociais organizados que apontam caminhos e propostas que, na ação e na luta de todo dia, vão construindo poder popular para reconstruir uma nova sociedade.

Coluna publicada originalmente no site do jornal Brasil de Fato neste link: https://www.brasildefato.com.br/2024/06/24/o-capitalismo-de-desastre-e-o-caos-climatico-no-rio-grande-do-sul

Artigo no Jornal Brasil de Fato

Desastre climático no Rio Grande do Sul está na conta do capital

Com um governo estadual que promoveu uma série de ajustes fiscais, autorizou o desmatamento de áreas de proteção ambiental, desmantelou a lei estadual contra os agrotóxicos, privatizou serviços públicos e adotou políticas de austeridade para sua gente, o Rio Grande do Sul está enfrentando uma crise climática sem precedentes em sua história. Precisamos refletir sobre a totalidade do problema, e alimentar a memória de que as chuvas e o alagamento das cidades são consequências de uma série de causas que vêm sendo denunciadas por movimentos populares e organizações ambientais gaúchas há meio século.

Desta vez, quase a totalidade dos 497 municípios do RS foram afetados pelas inundações. Pelo menos um milhão e meio de pessoas foram atingidas e o retorno das chuvas torrenciais no final de semana reforçou ainda mais este quadro. Mas esses números não explicam porque os impactos ambientais não são distribuídos de forma igualitária. Mulheres, corpos negros, periféricos, populações em situações de rua, trabalhadores e trabalhadores desempregados, pessoas em situação de moradia precária sofrem mais com os impactos das enchentes. São sempre os mais vulneráveis que sofrem mais, e os que são também os menos responsáveis pelo problema. Essa desigualdade estrutural do capitalismo, construída sobre o patriarcado e o genocídio colonial, assim como a luta de classes, é considerada na perspectiva da Justiça Ambiental, assim como no combate ao Racismo Ambiental.

O que a população gaúcha vive reflete a falência de um sistema econômico  que centra seus interesses na obtenção de lucro por uma pequena parcela da população. E toda a exploração dessas riquezas é sustentada por uma intensa e desordenada extração de bens e recursos naturais. Nas últimas décadas, tal sistema destruiu exponencialmente, não acompanhando os ciclos de regeneração da terra e das águas. Seguimos reproduzindo uma mentalidade de dominação da natureza, sem limites e não de harmonia com ela, como nos ensinam os povos originários. As cenas que vemos na capital gaúcha, Porto Alegre, mostram que não há fronteiras para as águas e, ao mesmo tempo, que já ultrapassamos os limites de sustentação do planeta Terra para a sociedade capitalista.

Um dos resultados de transpor os limites da relação ser humano x natureza, é a produção de toda uma espécie diferente de refugiados, os climáticos. Se muitas pessoas hoje no mundo são obrigadas a deixarem sua terra natal, por guerras, em busca de melhores condições de vida e são forçados a migrar para outros países, não menos crescente é o número de pessoas que migram por secas, enchentes e furacões. A Agência de Refugiados da ONU (ACNUR) aponta que 30,7 milhões de pessoas foram deslocadas até 2020 por desastres relacionados ao clima. O Banco Mundial estima que 17 milhões de pessoas na América Latina terão que abandonar suas casas por questões ambientais. O Centro de Monitoramento de Deslocamentos Internos (IDMC) afirma que, em 2012, foram 708 mil brasileiros e brasileiras migrando em decorrência de desastres naturais. Essa realidade tem, como única causa, a exploração predatória da natureza, portanto, uma causa decorrente de decisão política.

Contudo, o que torna a tragédia climática do RS algo tão chocante e midiático não é a extensão dos estragos e número de atingidos. O chocante é ver a força das águas retomando seu curso e invadindo também residências, bairros e municípios que, pela lei do capital financeiro, deveriam estar a salvo dos dissabores reservados apenas às classes subalternas. A perplexidade do desastre é a constatação por parte da pequena, média e grande burguesia de que, por mais esforço que se faça para ignorar a emergência climática, ela não desaparecerá.

Embora hoje o sofrimento esteja atingindo desproporcionalmente comunidades atravessadas por marcadores de classe, gênero e raça, o desastre no RS anuncia um futuro devastador para a sociedade como um todo, com cidades inteiras perdidas e mais de 230 mil refugiados climáticos que já não poderão voltar para suas casas. Isso nos exige identificar quem são os responsáveis, por que os negócios de sempre (ou o cenário “business as usual”) não poderão dar respostas justas, democráticas e solidárias em grande escala como se requer. A lista é longa e histórica, é preciso cobrar a dívida climática e mudar o sistema capitalista. Devemos começar pelos mais próximos e diretamente envolvidos nestas crises, a urgência tem classe, a classe trabalhadora e os povos.

Eduardo Leite (PSDB), atual governador do estado do Rio Grande do Sul, ainda em 2019, destruiu a iniciativa do Código Ambiental Estadual, técnica e democraticamente gestada há nove anos por meio de debates, audiências públicas e aperfeiçoamentos diversos. O texto original do Código, de 2000, contou com a contribuição e mobilização de organizações ecológicas pioneiras do estado e do Brasil, como a Agapan e a Amigas da Terra. As propostas mais relevantes para o enfrentamento da crise climática foram completamente destruídas por iniciativa do governo dele, que alterou pelo menos 480 temas centrais.

Fiel à racionalidade corporativa e empresarial, Leite fez de tudo para que exigências vitais fossem flexibilizadas a fim de facilitar o licenciamento ambiental aos megaempresários. E quando a água da emergência climática “bateu na bunda”, agradeceu a solidariedade a Elon Musk e ao empresariado pela “ajuda humanitária S.A.”.

Já em Porto Alegre, o prefeito Sebastião Melo (MDB), sucessor do também direitoso Nelson Marchezan Jr., que lhe deixou como legado a extinção do Departamento Municipal de Esgotos Pluviais (DEP), passou pelas enchentes de 2023 e, agora em 2024, com 19 das 23 bombas dos sistemas de contenção de cheias desligadas, com despreparo, precarização e falta d’água como marca da sua gestão.

Distante do caos, os fascistas pedem que não se politize o debate climático, e Melo manda os ricos da capital irem para suas casas na praia. Os municípios do litoral, não atingidos pelas cheias, decretam emergência e pedem auxílio ao governo federal para receber refugiados climáticos VIP, enquanto o governo estadual informa o número do seu PIX.

Estamos em ano de eleição municipal em todo o Brasil, menos de 70 municípios dos 445 atingidos pelo desastre climático que se abate sobre o RS havia, até domingo (12/05), solicitado auxílio emergencial do governo federal, disponível para compra de água, combustível, itens para cozinhas comunitárias, equipagem de abrigos, entre outros. Só podem ser por razões políticas, pois as razões humanitárias não os movem. Mesmo assim, a mídia corporativa divulga pesquisa de percepção de responsabilidade e resposta dos governos federal, estadual e municipais sobre a tragédia do RS, apontando apoio aos prefeitos bolsonaristas que vendem as cidades ao empresariado.

Desde a semana passada, o governo federal cedeu policiais da Força Nacional e o Exército para ajudar nos resgates e na manutenção da segurança. Também criou uma força tarefa, com a participação de vários ministérios e órgãos públicos, para restabelecer vias de acesso a cidades ilhadas e refazer estradas, retomar vôos comerciais utilizando a Base Aérea da cidade de Canoas e outros aeroportos do interior gaúcho, ajudar na limpeza e na reconstrução de municípios, bem como abordar outros aspectos da crise, como a educação, e, especialmente, a saúde.

Na quinta-feira passada (9/05), editou uma medida provisória (MP 1216/24) que prevê 12 iniciativas, entre elas a antecipação de benefícios sociais e para trabalhadores, desconto nos juros em programas de apoio e de financiamento a microempresários individuais (MEIs), pequenas e médias empresas, à agricultura familiar e ao agronegócio, R$ 200 milhões para financiamento nos bancos públicos de projetos de reconstrução da infraestrutura e para reequilíbrio das empresas. Nessa 2ª feira (13/05), o Governo Lula anunciou a suspensão do pagamento da dívida do Rio Grande do Sul com a União por 3 anos; a medida irá constar em projeto de lei complementar, que ainda terá de ser aprovado pelo Congresso Nacional antes de ser sancionado pelo presidente. Espera-se que mais medidas sejam tomadas. O governador Eduardo Leite estima que a reconstrução do estado custe R$ 19 bilhões, mas há quem calcule que seja bem mais.

Muitos daqueles que hoje choram diante do desastre gaúcho, são os mesmos que alimentam a racionalidade predatória que está na base do que está acontecendo no Rio Grande do Sul. O agronegócio e sua bancada, as corporações transnacionais que invadem e espoliam os países, a especulação imobiliária, a desregulamentação ambiental e o negacionismo científico, tudo isso serve de ingrediente para o que está acontecendo. E não são as lágrimas de crocodilo que poderão reverter esse cenário. Não são as falsas soluções vendidas pelo capital que poderão solucionar a crise que esses mesmos agentes estão causando.

Apesar disso tudo, quanto maior é a dimensão da catástrofe, maior são as demonstrações de solidariedade vindas desde baixo. Elas abrem caminho para as verdadeiras soluções. Em situações extremas fica visível a impotência do Estado, capturado pelas corporações, e a potência das comunidades, grupos e coletivos organizados em movimentos sociais populares. Essa força da solidariedade de classe é vital e precisa ser reconhecida, potencializada e estimulada a se perpetuar para além de situações pontuais de crise e construir poder popular capaz de mudar o sistema. A gestação de um novo mundo começa pela superação dos motivos determinantes da emergência climática e o reconhecimento de que a solução não virá dos de cima.

Tudo que nós tem é nós!

O uso do carvão é um obstáculo para a transição energética brasileira

A transição energética é um dos temas que move as discussões climáticas no cenário internacional. Muitos países têm avançado na adoção de medidas para promover uma transição energética pautada na redução do uso de energias não renováveis, como o carvão e a queima de combustível fóssil. O Brasil sempre se posicionou à margem de tais discussões por sua matriz energética centrada na geração hidroelétrica. Contudo, o que pouco se menciona são os crescentes interesses na expansão de termelétricas no país.

Nos últimos anos, no Brasil, há um crescimento em 77% da produção de energia por meio de termelétricas, as quais são abastecidas por carvão. Isso fez com que a energia termelétrica passasse de 9% para 14% da representação no sistema nacional, segundo dados do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) de 2021. A ampliação do uso de energia proveniente da queima de combustíveis fósseis vai na contramão das metas de redução de gases do efeito estufa. Além disso, o uso de tal energia demanda grande quantidade de água, podendo intensificar o estresse hídrico.

Durante sua participação no Seminário Nacional Emergência Climática e Violações de Direitos Humanos, promovido pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) em dezembro passado, em Brasília, o integrante do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul Eduardo Raguse, que compõe a equipe da Amigas da Terra Brasil, afirmou que o uso do carvão é uma das formas de geração de energia mais poluentes tanto pela produção de gases do efeito estufa como pelos impactos locais. Segundo ele: “comparando, por exemplo, com a energia fotovoltaica, apesar de todos os problemas da cadeia produtiva e dos resíduos, ainda assim a energia fotovoltaica vai liberar entre 30g e 80g de dióxido de carbono equivalente por quilowatt hora gerado. O carvão vai liberar entre 600g a 1600g. Só pra gente ter uma ideia da escala em que estamos falando”.

De acordo com Eduardo, existem mais de 4 mil usinas termelétricas movidas a carvão no mundo, e embora haja um aumento no uso de energia solar e eólica, renováveis, este movimento não é acompanhado de uma redução do uso de energia oriunda da queima de carvão. “A gente percebe essa situação de que sim, mundialmente há um aumento na oferta de energia gerada a partir das eólicas, das solares, mas, ao mesmo tempo, não há uma retração das fósseis. Então, na prática, essa transição energética não está acontecendo, o que está acontecendo é uma nova oferta a partir de novas fontes, mas a nossa demanda energética ao nível global só aumenta”, explica Eduardo.

Além dos efeitos no clima, a demanda por carvão faz eclodir conflitos socioambientais. A maioria do carvão disponível no país está concentrada no estado do Rio Grande do Sul, cerca de 90%, com algumas reservas em Santa Catarina e Paraná. O projeto Mina Guaíba, por exemplo, previa a operação da maior mina de extração de carvão a céu aberto do Brasil, entre as cidades de Eldorado do Sul e Charqueadas (RS), a 16 km da capital Porto Alegre. O projeto atingia território indígena dos Mbya Guarani, não tendo realizado a consulta às comunidades para obtenção da licença prévia. Fato que, juntamente às diversas falhas e omissões dos estudos da empresa COPELMI, ensejou seu arquivamento. Além do território indígena, a mina Guaíba afetaria assentamentos da reforma agrária, o Parque Estadual Delta do Jacuí, bem como os municípios do entorno, além de estar localizado no bioma Pampa, que armazena uma das maiores reservas de água potável do mundo, o Aquífero Guarani.

A paralisação da abertura de mais uma mina de carvão no RS só foi possível pela organização popular. As mais de 100 entidades organizadas no Comitê de Combate à Megamineração no RS elaboraram estudos, levantaram dados, construíram vários materiais informativos, articularam e mobilizaram o debate público que puderam para pressionar o governo no estado e o judiciário pela não aprovação da obra. A demanda dos movimentos populares é pela paralisação da cadeia do carvão no país, tendo em vista os impactos ambientais e sociais e a baixa eficiência do carvão para geração de energia, e pela garantia de direitos dos trabalhadores do setor, com a construção de alternativas econômicas para as regiões carboníferas.

Outro aspecto chave levantado pelas organizações diz respeito aos impactos à saúde. Raguse aponta que estudos têm identificado aumento de danos às células linfócitas e bucais de trabalhadores da indústria do carvão, com alterações em exames de sangue que vêm sendo identificados também nas populações residentes no entorno das minas e das termelétricas. Além disso, destaca que já foram identificados impactos em ovos de galinha, rebanhos animais, na flora e fauna nativas, e na água.

Ademais, a incorporação de energia termelétrica no sistema nacional é um dos principais fatores para o aumento das contas de energia, por ser um setor altamente subsidiado. Se observarmos, como consumidores, os custos da bandeira vermelha que aparece em nossas contas de luz quando está acionado o sistema termelétrico, também entenderemos porque não é uma energia viável.

A realidade dos conflitos socioambientais ocasionados pelo carvão no RS desvela as contradições da promoção de uma transição energética. Isso porque, enquanto se promove a redução das emissões por um lado, estimula-se o uso de termelétricas por outro. Bastante revelador desse cenário é o PL n.º 11247/2018, que visa regular o uso das eólicas offshore (alto mar). Ele estabelece, dentre seus dispositivos, a obrigatoriedade da contratação de energia termelétrica até 2050. O projeto foi um dos exemplos apontados, pelo Congresso Nacional, de transição energética brasileira na COP28 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), realizada em 2023 em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Tal como propõem as organizações do Comitê de Combate à Megamineração no RS, ao problematizar a continuidade da cadeia produtiva do carvão, caminhamos no sentido de repensar o uso de tal modelo de produção de grandes impactos social, ambiental e financeiro, em um cenário de crise climática que demanda ação urgente, ainda nos próximos 10 anos. Trazendo um chamado para pensarmos uma transição energética no Brasil que seja verdadeiramente justa e igualitária.

* Coluna publicada originalmente no site do Jornal Brasil de Fato em 10/01/2024. Pode ser acessada neste link https://www.brasildefato.com.br/2024/01/10/o-uso-do-carvao-e-um-obstaculo-para-a-transicao-energetica-brasileira

Enchente no RS: audiência pública debate emergência climática no estado. Participe!

Atividade acontece em 18 de setembro (2ª feira), das 14h às 18h, no Teatro Dante Barone, na Assembleia Legislativa, em Porto Alegre (RS). A Amigas da Terra Brasil estará presente. Entrada franca. Participe!

Os recorrentes eventos climáticos extremos que tem atingindo, nos anos recentes, várias partes do mundo e do Brasil, incluindo o estado do Rio Grande do Sul, alertam que a situação não está normal e que não vai nada bem. As tragédias têm causas naturais, mas estudos e projeções científicas e meteorológicas indicam que a incidência rotineira e cada vez com maior intensidade desses fenômenos estão sendo influenciadas pela ação destruidora de setores (empresariais, corporativos ou agronegócio, mineração, energia e imobiliário) da nossa sociedade.

Para além de lamentarmos as mortes e perdas sociais, econômicas e ambientais e nos esforçarmos à reconstrução das cidades e das vidas, precisamos debater urgentemente, e de forma séria, o desastre recente que assolou o Rio Grande do Sul. No mesmo período, tempestades e enchentes afetaram, além do Sul do Brasil, Hong Kong (na Ásia); a Espanha e a Grécia, na Europa; e, atualmente, a Líbia, na África. Habitamos o mesmo planeta e estamos interligados, portanto, todos e todas somos vulneráveis aos impactos gerados pela nossa civilização.

Na 2ª feira, dia 18 de Setembro, a partir das 14h, acontece a AUDIÊNCIA PÚBLICA EMERGÊNCIA CLIMÁTICA NO RIO GRANDE DO SUL, em que debateremos o que estado gaúcho, assim como muitas partes do mundo, vem enfrentando. Será no Teatro Dante Barone, da Assembleia Legislativa, em Porto Alegre (RS). A atividade é promovida pelo gabinete do deputado estadual Matheus Gomes (PSOL), membro titular da Comissão de Saúde e Meio Ambiente, em parceria com o coletivo Eco pelo Clima.

A Audiência Pública visa debater um RS que coloque as pessoas mais impactadas pelos avanços da crise climática no centro da criação das políticas públicas de mitigação e adaptação e promova uma transição energética para além dos combustíveis fósseis de forma justa.

Nós, da Amigas da Terra Brasil, estaremos presente destacando a necessidade urgente de ações para encarar a situação como emergência climática. A preservação do ambiente e a mitigação das mudanças climáticas são essenciais para reduzir a frequência e a gravidade desses eventos, como as cheias no Rio Grande do Sul. Além disso, medidas de adaptação, mitigação e prevenção também são necessárias para proteger as comunidades vulneráveis. Governos federal, estaduais e municipais precisam dialogar com as populações nos territórios, que são quem conhece e vivenciam a força da natureza. Devemos parar com as alterações e flexibilizações na legislação, licenciamento e monitoramento ambiental, que governos vêm promovendo para atender apenas a interesses econômicos de corporações, imobiliárias, do agronegócio, energia e da mineração, sem proteger o ambiente natural e nem promover políticas sociais às populações mais empobrecidas.

Estão convidados para a composição da mesa:
Dra. Rafaela Santos Martins da Rosa – Juíza Federal Substituta da JFRS
Patrícia Morales – Passo dos Negros de Pelotas
Xaina Pitaguary – Liga Acadêmica de Assuntos indígenas – Yandê
Ilan Zugman – 350.org
Pedro, protagonismo infantil
Representação do Eco pelo Clima
Representação da AGAPAN
Representação das Amigas da Terra Brasil

Diante da emergência climática, todos somos responsáveis por tomar medidas para proteger nosso planeta e as pessoas que nele habitam. Participe!

AUDIÊNCIA PÚBLICA EMERGÊNCIA CLIMÁTICA NO RIO GRANDE DO SUL
18 de setembro (2ª feira) – das 14h às 18h
Teatro Dante Barone, na Assembleia Legislativa – em Porto Alegre (RS)

Amigas da Terra Brasil

Enchente no RS: desastre gaúcho coincide com chuva extrema no clima ao redor do mundo

Várias partes do planeta sofreram com chuva extraordinária no mesmo momento em que o Rio Grande do Sul sofria com chuva extrema

Texto da MetSul Meteorologia publicado originalmente em https://metsul.com/desastre-gaucho-coincide-com-chuva-extrema-no-clima-ao-redor-do-mundo/

Um dos episódios mais extremos de chuva já registrados no Rio Grande do Sul na última semana deixou saldo de mais de 40 mortos e número também superior de desaparecidos. Em toda a história gaúcha, somente um evento extremo de chuva trouxe mais vítimas e ocorreu no mês de setembro em 1959, quando oficialmente mais de 90 pessoas perderam suas vidas pela chuva nos municípios de Passa Sete e Sobradinho, no Centro gaúcho.

Acumulados de chuva de 200 mm a 400 mm atingiram grande parte da Metade Norte gaúcha no começo deste mês. Estação meteorológica particular chegou a anotar 390 mm na região de Passo Fundo. Várias outras estações da região com registros confiáveis indicaram mais de 300 mm entre o Alto Jacuí, o Planalto Médio e os Campos de Cima da Serra.

A estação oficial do Instituto Nacional de Meteorologia em Passo Fundo anotou o maior volume em 24 horas para o mês de setembro desde o começo das medições em 1913 com 164,4 mm até 9h do dia 4. O mesmo ocorreu com a estação de Cruz Alta, com dados desde 1912, que registrou 160,8 mm em 24 horas até 9h do dia 4.

Os volumes excessivos sobre a Metade Norte do Rio Grande do Sul no começo deste mês foram consequência da influência de uma área de baixa pressão com rio atmosférico que trouxe grande quantidade de umidade. Esse cenário, reforçado pelo avanço de uma frente fria pelo território gaúcho, favoreceu intensa instabilidade com muitas descargas e chuva com volumes excessivos a extremos.

A meteorologista da MetSul Estael Sias observa que o episódio de chuva extrema no Rio Grande do Sul não pode ser observado isoladamente. Na mesma semana em que os gaúchos passavam por um dos maiores desastres de sua história, outras partes do mundo enfrentavam chuva com volumes extraordinários e sem precedentes.

“A atmosfera é única e o planeta está passando neste momento por um processo acelerado de aquecimento, por causas humanas e naturais, que levou o mundo a ter os meses de julho e agosto com as maiores temperaturas globais já registradas até hoje pela ciência”, observa a meteorologista da MetSul.

Espanha, Grécia, Turquia, Líbia e China foram alguns dos países castigados na última semana por episódios extremos de chuva e com acumulados muito mais altos e impressionantes que os observados no Sul do Brasil. “O Rio Grande do Sul não é uma ilha e a mesma atmosfera que aqui deseja água também traz muita água em outras partes do planeta”, destaca.

“Hoje, no mundo, vivemos uma ‘tempestade perfeita’ que favorece o aquecimento do planeta: temos o aquecimento por emissões antropogênicas [seres humanos], o fenômeno natural El Niño com forte intensidade, maior atividade solar e uma quantidade extraordinária de água gerada pela erupção do vulcão de Tonga que alcançou a estratosfera e aquece o planeta”.

Conforme Estael Sias, a forma com que a atmosfera libera a energia extra gerada pelo maior aquecimento é por eventos extremos, como chuva, tempestades e ciclones. Este ano, pela primeira vez na história, houve ciclones tropicais de categoria 5 em todas as regiões em que se dão estes ciclones. O último foi Lee, no superaquecido Atlântico Norte.

“Que todos estes extremos estejam ocorrendo simultaneamente tem uma forte pegada das mudanças no clima agravadas pelo ser humano. São fenômenos que normalmente já ocorrem, com ou sem interferência humana, mas se tornam mais frequentes e intensos à medida que aumentam as concentrações de gases estufa e a temperatura da Terra”, enfatiza.

CHUVA DE 158 MM EM UMA HORA EM HONG KONG

Hong Kong, na China, teve chuva recorde na última semana com imagens chocantes das ruas do território chinês tomadas por inundação repentina e forte correnteza que mais lembrava a de rios. As chuvas recordes atingiram a cidade entre quinta e sexta-feira, inundando ruas e estações de metrô, causando deslizamentos de terra e deixando pelo menos duas pessoas mortas e mais de 100 feridas.

Reportagens da televisão local e vídeos postados nas redes sociais mostraram água correndo pelas ruas inundadas de Hong Kong e na vizinha Shenzhen, na província de Guangdong. Os metrôs foram inundados, bem como um túnel que ligava a ilha de Hong Kong a Kowloon.


A água da enchente inunda um shopping center em Hong Kong em 8 de setembro de 2023. Chuvas recordes em Hong Kong causaram inundações generalizadas nas primeiras horas de 8 de setembro, interrompendo o tráfego rodoviário e ferroviário poucos dias depois de a cidade ter escapado de grandes danos de um supertufão. | BERTHA WANG/AFP/METSUL METEOROLOGIA

O Observatório de Hong Kong informou que registrou 158,1 mm de chuva em apenas uma hora, no horário entre 23h e 0h, horário de Hong Kong, no final da quinta. Foi o maior registro horário de chuva desde que os registros começaram em 1884. Mais de 20 centímetros caíram em Kowloon e na Ilha de Hong Kong.

Escolas, empresas e mercados financeiros foram fechados na sexta-feira. O secretário-chefe de Hong Kong, Eric Chan, disse aos jornalistas que as chuvas eram consideradas uma experiência de “uma vez no século” e eram muito difíceis de prever. Meteorologistas do Observatório de Hong Kong disseram que a chuva veio de um sistema de baixa pressão associado aos restos do tufão Haikui, que atingiu a costa da província chinesa de Fujian na terça-feira.

INUNDAÇÕES REPENTINAS NA ESPANHA

A Espanha foi outro país duramente castigado por chuva extrema na última semana. O número de mortos devido às fortes chuvas que atingiram a maior parte da Espanha no fim de semana passado atingiu cinco na sexta-feira, depois que a polícia recuperou os corpos de dois homens que haviam sido dados como desaparecidos.


Carro destruído no meio de um rio na cidade de Aldea del Fresno, na região de Madri, em 4 de setembro de 2023. Afetada há meses por uma seca histórica, a Espanha foi atingida por chuvas torrenciais que deixaram pessoas mortas e desaparecidas. Efeito de fenômeno meteorológico conhecido como “Dana” (“Depressão Isolada de Alto Nível da Atmosfera”, em espanhol). | OSCAR DEL POZO CAÑAS/AFP/METSUL METEOROLOGIA

A tempestade, que varreu todo o país, transformou as ruas em torrentes violentas, jogou carros nos rios e destruiu estradas e pontes. As tempestades interromperam as viagens de dezenas de milhares de pessoas no último fim de semana antes do início do novo ano letivo.

Madri foi duramente castigada, mas o pior ficou nos arredores da cidade. As ligações ferroviárias de alta velocidade entre a capital espanhola e a região Sudoeste da Andaluzia e a região da costa Leste de Valência foram uma das principais vias de comunicação forçadas a encerrar.

CHUVA DE TRÊS ANOS NA GRÉCIA

Um dilúvio de proporções épicas se abateu sobre a Grécia. Após semanas de ondas de calor e incêndios, chuvas torrenciais provocaram inundações generalizadas na Grécia Central no início de setembro. Ao longo da tempestade de quatro dias que começou em 4 de setembro, mesmo dia do desastre no Rio Grande do Sul, as enchentes submergiram casas, transformaram ruas em rios caudalosos e varreram carros para o mar.

As fortes chuvas foram alimentadas por um sistema de tempestade de baixa pressão parado que foi intensificado por uma corrente de jato. Esta tempestade foi de natureza semelhante à que causou chuvas torrenciais na Espanha na véspera e faz parte de um sistema meteorológico incomum, no qual uma zona de alta pressão está imprensada entre duas áreas de baixa pressão. Este bloqueio ômega foi responsabilizado tanto por uma onda de calor fora de época no Reino Unido como pelas inundações catastróficas em Espanha, Grécia, Bulgária e Turquia.


Imagem aérea de 8 de setembro de 2023 de uma estrada parcialmente destruída em uma área inundada perto da vila de Itea, no Centro da Grécia. Na Grécia, Turquia e Bulgária, a chuva matou pelo menos 14 pessoas. | ANGELOS TZORTZINIS/AFP/METSUL METEOROLOGIA

A Grécia Central foi uma das regiões mais atingidas pela tempestade em termos de chuvas, com quantidades recordes caindo na região da Tessália em 5 de setembro. Os níveis mais altos de chuva, 754 milímetros em 24 horas, caíram em Zagora, uma vila perto do Monte Pelion, logo a Nordeste de Volos.

Ao final do episódio, algumas cidades somavam mais de mil milímetros de chuva ou três anos de precipitação média. Para efeito de comparação, a capital Atenas recebe em média cerca de 400 milímetros por ano. O rio Krafsidonas, que nasce no Monte Pelion, transbordou em Volos e destruiu uma ponte em seu caminho.

O mapa abaixo mostra uma estimativa baseada em satélite das taxas de precipitação (em milímetros por hora) sobre a Grécia em 6 de setembro, enquanto as fortes chuvas continuavam. Os vermelhos mais escuros refletem as taxas de precipitação mais elevadas, que atingiram novamente a Grécia Central, bem como áreas ao Sul, incluindo Atenas.

Os dados são estimativas de sensoriamento remoto provenientes do Integrated Multi-Satellite Retrievals for GPM (IMERG), um produto da missão do satélite Global Precipitation Measurement (GPM). Devido à média dos dados de satélite, as taxas de precipitação locais podem ser significativamente mais elevadas quando medidas a partir do solo.

Helicópteros e botes salva-vidas foram enviados para chegar a centenas de moradores retidos no Centro da Grécia, enquanto o número de mortos em enchentes mortais subiu para 10, disseram as autoridades na sexta-feira. Os bombeiros trabalharam ao lado do exército para chegar a aldeias isoladas pela subida do nível das águas, que transformou estradas em rios e deixou casas submersas na região central da Tessália.

Os dez mortos foram todos encontrados na região da Tessália, cerca de 330 quilômetros ao Norte de Atenas, onde caíram chuvas torrenciais desde a noite de segunda-feira passada até quinta-feira. Os bombeiros gregos disseram que mais de 2.500 pessoas foram resgatadas desde terça-feira. “A maioria das casas da aldeia está inundada. Estamos a viver um pesadelo”, disse Vaios Spyropoulos, residente de Itea, que encontrou refúgio num edifício municipal localizado num terreno mais elevado acima da sua aldeia.

Texto da MetSul Meteorologia publicado originalmente em https://metsul.com/desastre-gaucho-coincide-com-chuva-extrema-no-clima-ao-redor-do-mundo/

Foto de destaque: enchente na cidade de Muçum, no RS. Crédito: prefeitura de Muçum

ENCHENTE NO RS: NOTA DE SOLIDARIEDADE E DE URGÊNCIA PELO AMBIENTE E NOSSAS VIDAS!


Mais um episódio de instabilidade, com chuvas intensas, provoca enchente histórica, mortes e muita devastação no Sul do Brasil. Precisamos apoiar as iniciativas de ajuda às comunidades afetadas e trabalhar em sua recuperação, pressionando por políticas públicas que abordem as mudanças climáticas de forma eficaz.


Pela 3ª vez neste ano, um episódio de instabilidade, com chuvas intensas, vitimizou a população e causou muito estrago material, econômico e ambiental no Rio Grande do Sul. Desta vez, fortes chuvas desde o final de semana passado atingiram, especialmente durante a 2ª e 3ª feiras (4 e 5/09), parte da região Norte, Serra e a chamada “região dos vales” gaúcho, marcada pela presença de rios importantes para a produção e reprodução da vida. Também impactou, com menos intensidade, o estado vizinho Santa Catarina.

Neste momento de muita tristeza e dor, expressamos profunda solidariedade com as vítimas e afetados e afetadas pelas enchentes, popularmente referidas por “cheias”, no Rio Grande do Sul. Este é um momento de união e de apoio às comunidades que estão enfrentando as consequências devastadoras desses eventos climáticos extremos, e é o que garante a existência de uma sociedade que se sensibiliza e se solidariza.

Nós da Amigas da Terra Brasil estamos de luto pelas 48 pessoas encontradas mortas até o momento (47 no Rio Grande do Sul e uma em Santa Catarina). Também nos solidarizamos às mais de 25 mil pessoas desalojadas e desabrigadas, e cerca de 97 cidades e comunidades destruídas ou impactadas, utilizando nossa voz para exigir a rápida resposta dos governos estaduais e federal e demais autoridades competentes à emergência que afetados e atingidos enfrentam. Nesses locais, pessoas perderam suas casas, bens materiais, locais de trabalho, e pior: suas vidas, familiares, vizinhança, animais de estimação e para produção de alimentos e subsistência econômica, com dificuldades imensas para reconstruir a esperança e suas vidas.

Cidade de Roca Sales, no Vale do Taquari (RS), está entre as mais atingidas pela enchente recente na região. Crédito: Maurício Tonetto/ Secom/RS

Impactados por mais uma tragédia, reforçamos a urgência com que todos e todas nós, sociedade, no Brasil e em todo o mundo, precisamos enfrentar esta crise. Especialistas consideram que o Rio Grande do Sul está passando por um dos maiores desastres naturais de sua história. Esta cheia do Rio Taquari é a pior desde 1941, quando atingiu seu pico; é nessa região que fica a cidade de Muçum, que na enchente desta semana ficou com 85% de seu território debaixo d’água e contabilizou o maior número de pessoas mortas até agora (14 pessoas). 

Conforme dados hidrológicos da CERAN (Companhia Energética Rio das Antas), a Usina Hidrelétrica Castro Alves, localizada entre os municípios de Nova Roma do Sul e Antônio Prado (margem direita) e Nova Pádua e Flores da Cunha (margem esquerda), a vazão do Rio das Antas, na tarde do dia 04/09/23, ultrapassou a chamada vazão decamilenar, o que significa uma vazão que se previa ser atingida a cada 10 mil anos! Essa informação acende um alerta quanto à nossa atual capacidade de sequer prever esse tipo de evento daqui para frente, comprometendo, de maneira dramática, a segurança de infraestruturas sensíveis como barragens, estradas e indústrias, mas também de nossas cidades, localidades rurais e áreas agropecuárias.  

A ocorrência de temporais e ciclones extratropicais faz parte do clima do Sul do Brasil, mas a incidência rotineira e cada vez com maior intensidade e danos alerta que a situação está fora do “normal”. Essas enchentes são um sintoma direto da emergência climática e deixa, mais uma vez evidente, que seus efeitos estão acontecendo agora, não são mais projeções de futuro!  Eventos climáticos cada vez mais extremos estão ocorrendo no Brasil e em todo o mundo, como chuvas intensas e inundações, calor e incêndios, chuvas de granizo destruidoras, tempestades de neve e baixas repentinas. O aumento da temperatura global leva a um maior acúmulo de calor nos oceanos, o que, por sua vez, influencia os padrões climáticos, aumentando a probabilidade de eventos climáticos extremos, como as cheias.

Nesse contexto, é importante destacar a necessidade urgente de ações para encarar a situação como emergência climática. A preservação do ambiente e a mitigação das mudanças climáticas são essenciais para reduzir a frequência e a gravidade desses eventos, como as cheias no Rio Grande do Sul. Além disso, medidas de adaptação, mitigação e prevenção também são necessárias para proteger as comunidades vulneráveis. Governos federal, estaduais e municipais precisam dialogar com as populações nos territórios, que são quem conhece e vivenciam a força da natureza. Devemos parar com as alterações e flexibilizações na legislação, licenciamento e monitoramento ambiental, que governos vêm promovendo para atender apenas a interesses econômicos de corporações, imobiliárias, do agronegócio, energia e da mineração, sem proteger o ambiente natural e nem promover políticas sociais às populações mais empobrecidas.

Não podemos mais desrespeitar as margens dos rios, aterrar cursos d’água e banhados; não podemos mais licenciar desmatamento; precisamos de todo mato, toda a floresta, todo campo nativo possível para garantir o ambiente saudável para nós e para todos os seres que dele dependem e que garantem a estabilidade dos ecossistemas. A solução para a crise climática é garantir terra para os povos, demarcar terras indígenas, titular quilombos, proteger territórios tradicionais, fazer a reforma agrária popular, apoiar a agroecologia; identificar, delimitar e respeitar as áreas de risco e garantir a dignidade das comunidades periféricas.

Hoje, a história se repete. Como na enchente provocada no RS em Junho por chuva extrema de mais de 300mm concentrada em pouco tempo, quando a cidade de Maquiné, no Litoral Norte, sofreu com a cheia do rio, que subiu mais que as médias históricas e encontrou os municípios despreparados para esse acontecimento. Esse mesmo episódio também provocou muitos danos na cidade vizinha Caraá e nas regiões dos rios Caí e Sinos, atingindo populosas cidades próximas e na região metropolitana de Porto Alegre. A solidariedade com as vítimas das cheias no Rio Grande do Sul não deve ser apenas um gesto momentâneo, mas sim um compromisso contínuo. Devemos apoiar as iniciativas de ajuda às comunidades afetadas, colaborar com organizações que trabalham na recuperação e, ao mesmo tempo, pressionar por políticas públicas que abordem as mudanças climáticas de forma eficaz e com o caráter de emergência climática.

Lembramos que, diante da emergência climática, todos somos responsáveis por tomar medidas para proteger nosso planeta e as pessoas que nele habitam, mas atentamos que a emergência não deve passar por cima da participação e da escuta da população. A solidariedade é um passo importante nessa jornada, mas também é crucial agir de forma proativa para combater as causas subjacentes desses eventos climáticos extremos. Afinal, a vida vale mais que o lucro, e cuidar do ambiente natural e das pessoas que nele vivem é uma prioridade que não pode ser ignorada!

Amigas da Terra Brasil

Crédito da foto: Maurício Tonetto/ SECOM/RS

* Texto publicado no dia 7 de setembro, às 12h
* Texto alterado em 8 de setembro, às 11h18min, para atualização do número de vítimas, pessoas desabrigadas e desalojadas e municípios afetados
* Texto alterado em 12 de setembro, às 12h52min, para atualização do número de vítimas, pessoas desabrigadas e desalojadas e municípios afetados

Nota de solidariedade às comunidades atingidas pela tragédia climática no RS

Diante das tragédias provocadas por eventos climáticos extremos no Rio Grande do Sul desde a última quinta-feira (15/06), resultantes em destruição ambiental, perda de vidas humanas, empobrecimento e precarização de territórios de luta e resistência, sobretudo nas regiões do Litoral Norte do estado e nas periferias da capital Porto Alegre e da região metropolitana, expressamos nosso pesar e solidariedade às famílias das vítimas de enchentes e de deslizamentos nos diversos municípios atingidos, como Caraá e Maquiné, nominalmente à família da professora Agnes Schmeling, do Conselho de Cultura de Maquiné, sua mãe e seu esposo, que perderam suas vidas nesse momento tão trágico e doloroso.

Demandamos ao Estado do Rio Grande do Sul que, para além das buscas emergenciais, garanta o urgente restabelecimento às condições de energia elétrica ou por meio de geradoras e, assim, a comunicação e mapeamento da situação de famílias e comunidades com crianças e idosos ainda isoladas pela destruição de estradas e infraestruturas no vale do Rio Maquiné.

Ao Governo Federal, demandamos que libere urgentemente as forças do Exército para a reconstrução e atendimento às condições de alimentação, abrigo, saúde e infraestrutura nos municípios e populações atingidas.

Chamamos a atenção ao poder público e à sociedade em geral para as injustiças ambientais da crise climática causada pelo modelo econômico hegemônico, em que as comunidades e territórios mais atingidos e devastados, apesar de não se beneficiarem nem contribuírem atual ou historicamente com o sistema intensivo em poluição, emissões de gases de efeito estufa e degradação ambiental, são aqueles mais atingidos, desproporcionalmente, por suas consequências.

Reiteramos nosso apoio e solidariedade incondicional aos territórios e retomadas que, com seus modos de vida, suas práticas e formas de organização, nas florestas, campos, nas cidades no urbano ou no rural, preservam a biodiversidade, as águas, a produção de alimentos saudáveis, os saberes ancestrais, a luta secular pelo direitos dos povos Indígenas e Quilombolas. A luta deles garante também o despertar de uma consciência e compromisso com a centralidade da sustentabilidade da vida como base de uma ação política, coletiva, solidária e cotidiana, capaz de dar respostas às urgências da fome, das catástrofes e das violências, assim como transformar a realidade e combater as injustiças e emergências climáticas dos nossos tempos.

Convocamos, por fim, todas as pessoas a se organizarem na entrega de doações de materiais e apoiarem também, dentro de suas possibilidades, com contribuição financeira, por meio dos seguintes endereços ou conta bancária:

 

 

Amigos da Terra Brasil

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