Cúpula UE-CELAC: mais de 450 organizações pedem que o Acordo Tóxico UE-Mercosul pare

Paralelamente ao início da Cúpula UE-CELAC, ativistas construíram e derrubaram uma “Torre Jenga da ambição UE-Mercosul” frente ao Parlamento Europeu, apoiando os responsáveis ​​políticos que detiveram o acordo comercial UE-Mercosul. Foto: Johanna de Tessieres/Greenpeace

Uma coalizão de mais de 450 organizações da América Latina e da Europa, incluindo sindicatos, agricultores, movimentos sociais, ativistas pelos direitos dos animais e ambientalistas, criticou o anúncio dos líderes dos países da União Europeia (UE) e do Mercosul de que pretendem resolver as questões pendentes e concluir o Acordo UE-Mercosul até o final de 2023.

Lis Cunha, ativista comercial do Greenpeace Alemanha, disse: Este acordo comercial é um desastre para as pessoas, os animais e a natureza. Mais conversas secretas só conduzirão a um resultado que submeterá as florestas, o clima e os direitos humanos a uma pressão insuportável. Em vez de avançar com um acordo destinado à exploração corporativa, os países da UE e do Mercosul deveriam recomeçar e repensar sua relação de forma a colocar o planeta, as pessoas e os animais acima da destruição de nosso planeta para o lucro de curto prazo”. 

Alberto Villarreal, da Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC) salientou: Nenhum protocolo ambiental adicional será capaz de remover as ameaças a pessoas, territórios e ao planeta que estão embutidas neste acordo de livre comércio neocolonial e perversamente corporativo, impulsionado por lucro. Precisamos de acordos socioambientais multilaterais exequíveis, baseados em responsabilidades e capacidades diferenciadas para reduzir as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), não falsas soluções baseadas no mercado, promessas líquidas zero ou painéis de disputa em acordos de livre comércio que são totalmente tendenciosos a favor do lucro corporativo.

Morgan Ody, Coordenadora Geral da Via Campesina e membra da Coordenação Europeia da Via Campesina, expõs: Os acordos de livre comércio estão impossibilitando que os médios e pequenos agricultores vivam da agricultura, por isso os camponeses são contra. Os agricultores de ambos os lados não querem produzir para exportar e competir, queremos produzir para alimentar as comunidades locais, priorizando o comércio local, nacional e regional sobre o comércio internacional. Convocamos os parlamentares europeus e os governos dos dois continentes a se unirem como aliados pela soberania alimentar e aumentar a pressão para quebrar o acordo UE-Mercosul.”

Contexto

Nos dias 17 e 18 de julho, os chefes de estado e de governo da União Europeia (UE) e da América Latina e Caribe reuniram-se em Bruxelas para uma cúpula extraordinária pela primeira vez em oito anos.

Paralelamente ao início da cúpula, na segunda-feira, 17 de julho, ativistas de mais de 50 organizações da sociedade civil construíram e demoliram uma gigantesca “Torre Jenga da Ambição do UE-Mercosul”, de três metros de altura, em frente ao Parlamento Europeu, em Bruxelas. Isto em protesto contra a acordo comercial e para pressionar os políticos responsáveis, de ambos os lados do Atlântico, a interromper as negociações para o bem das pessoas, dos animais e do planeta.

Recentemente, no final de maio, a Comissão Europeia havia promovido esta cúpula como um marco importante para as negociações comerciais UE-Mercosul, que duram mais de 20 anos. Desde que Luiz Inácio Lula da Silva se tornou presidente do Brasil em janeiro de 2023, as negociações a portas fechadas se concentraram em um anexo ao acordo. Um rascunho do adendo vazou em março de 2023.

Fotos: Johanna de Tessieres/Greenpeace

O acordo UE-Mercosul proposto foi criticado por vários governos e parlamentos, bem como por agricultores, sindicatos e sociedade civil de ambos os lados do Atlântico, como um desastre para a agricultura local, a natureza, os trabalhadores, a indústria local, os seres humanos e os animais, direitos, biodiversidade e o clima. Avaliações de várias organizações mostram que tarifas e controles mais baixos sobre produtos como autopeças, pesticidas da Europa e carne bovina e de aves de países da América do Sul aumentarão a já alarmante taxa de destruição da natureza.

Mais de 200 organizações pedem aos formuladores de políticas que mantenham o escrutínio democrático dos acordos comerciais. Pedem também que se oponham às tentativas da Comissão Europeia de aprovar a parte “comercial” do acordo sem o apoio unânime dos estados membros da UE e sem a ratificação dos parlamentos em todos os Estados unidos. Tal movimento seria uma violação do mandato de negociação que os estados membros da UE deram à Comissão, de acordo com uma análise legal recente.

Fotos: Johanna de Tessieres/Greenpeace

Texto originalmente publicado no site da Amigos da Terra Europa, em: https://friendsoftheearth.eu/press-release/eu-celac-450-organisations-call-stop-toxic-eu-mercosur-deal/ 

MTST promove janta, shows e sarau para arrecadar fundos para a Cozinha da Azenha

Ação na Cozinha Solidária do MTST em Porto Alegre ocorre nesta quarta-feira (5), a partir das 18h, com entrada franca

Com objetivo de levantar fundos para a Cozinha da Azenha, será realizada nesta quarta-feira (5) a terceira edição do Tempero de Luta, evento mensal do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). A atividade acontecerá na sede da cozinha, localizada na Avenida Azenha, nº 608, em Porto Alegre (RS), e terá nesta edição strogonoff de pinhão (com opção vegana), sarau e shows de Frank Jorge e Forró de Bandido.

Aberta em 26 de setembro de 2021, a Cozinha da Azenha surgiu com o objetivo de minimizar a fome agravada pela combinação das crises econômica, política e sanitária no Brasil. De acordo com o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Rio Grande do Sul (Consea-RS), mais de 1 milhão de pessoas passam fome no estado. A cada 10 famílias, sete enfrentam dificuldades em conseguir comida ou não têm o que comer.

Leia também a reportagem: Fome no Brasil atinge mais as famílias de mulheres negras, aponta estudo

Conforme explica um dos organizadores do evento e militante o MTST, Pepe Martini, a proposta surgiu a partir da militância do movimento e da avaliação da cozinha ser um espaço importante para o movimento no estado. Segundo ele, com quase dois anos de existência, a cozinha é um lugar que vai além da distribuição diária de refeições.

“É um espaço que tinha potencial para também proporcionar um momento de encontro entre a militância, a base do movimento, os apoiadores, num contexto também um pouco mais lúdico e cultural. Proporcionar outro tipo de encontro entre essas pessoas, fortalecer a rede do movimento. Trazer para um lado um pouco mais humana essa convivência. E também, claro, como uma atividade de autossustento”, descreve Pepe.

Leia também: Programa de Aquisição de Alimentos pode ser votado na Câmara nesta quarta-feira (5)

O militante pontua que todo o trabalho da festa é feito de forma voluntária, por quem cozinha, por quem toca, por quem se apresenta de qualquer forma, por quem produz. “Todo o lucro vai diretamente para o caixa da cozinha. A gente também tem venda de algumas bebidas e essa atividade tem gerado uma renda bem interessante para o movimento, que consegue, por exemplo, abater uma boa parte do custo de aluguel, que é um dos maiores custos ali da cozinha”, expõe.

Luta para que as cozinhas se tornem política nacional

Atualmente o movimento tem cerca de 46 cozinhas pelo país que se financiam de forma completamente autônoma, através de doações, apoiadores do movimento.

“Então a gente convoca que todo mundo que se identifica com essa causa, chegue nas noites do tempero de luta, participe proponha atividades, divulgue. Enquanto isso, seguimos também na luta para que as cozinhas solidárias virem uma política pública, através do governo federal. Agora temos um contexto em que isso, possivelmente, vai se concretizar, mas ainda tem muito trabalho pela frente”, afirma.

A Cozinha abre as 18h, e a janta começa a ser servida as 20h. O evento tem entrada franca, com valor da janta a R$35 na hora, ou R$30 antecipado.

Matéria originalmente publicada no Jornal Brasil de Fato, em: https://www.brasildefato.com.br/2023/07/05/mtst-promove-janta-shows-e-sarau-para-arrecadar-fundos-para-a-cozinha-da-azenha 

 

Carta da Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul EFTA demanda compromisso do parlamento brasileiro

A assinatura do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia trará significativos impactos socioeconômicos, trabalhistas, fundiários, territoriais, ambientais e climáticos para o Brasil e os demais países do Mercosul. Os maiores beneficiários são as empresas  transnacionais, interessadas na importação de matérias primas baratas, na privatização de serviços e na ampliação de mercado para seus produtos industrializados. É o subdesenvolvimento dos países latino-americanos como base para o desenvolvimento do centro do capitalismo.

Crédito: Edgardo Matioli/Radio Mundo Real

Tendo isto em vista, organizações, movimentos sociais e coletivos da sociedade civil compõe a Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul EFTA, que em dezembro de 2020, lançou a sua carta fundadora. Nela, o  Parlamento brasileiro é convocado a promover amplo debate com a sociedade sobre os impactos que o acordo poderá trazer aos povos, pessoas trabalhadoras e aos territórios do país.

Confira a carta na íntegra: 


Carta Fundadora da Frente

Saiba mais sobre essa luta na nossa matéria “Organizações da América Latina e do Caribe pressionam pela responsabilização das transnacionais e contra Acordo UE-Mercosul“.

#StopMercosulUE #STOPMercosur #paremoacordouemercosul

Quem disse que não existe almoço grátis?

Todos os dias, quem passa pela Avenida da Azenha às onze horas da manhã, na altura do número 608, vê uma fila se formar rapidamente. É neste horário que começam a chegar pessoas em situação de rua, aposentados, trabalhadores informais, entregadores, ambulantes, famílias com crianças em situação de vulnerabilidade para pegar suas marmitas, que começam a ser servidas ao meio-dia pela Cozinha Solidária da Azenha. A atividade tem duração de uma hora.

A iniciativa começou na pandemia por iniciativa do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) que luta por moradia digna. Além da localizada na capital gaúcha, existem mais de 30 cozinhas espalhadas pelo Brasil.
Em média, são servidas 250 marmitas por dia. Os insumos vêm de doações de outros movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Ação pela Cidadania e do próprio MTST em âmbito nacional.
Para conseguir manter sua autonomia financeira, o movimento aposta tanto na organização de saraus culturais com venda de pratos quentes, chamado Tempero de Luta, como em campanhas permanentes de arrecadação por meio de contribuições espontâneas.
Isaura Aparecida é uma das voluntárias que faz as refeições servidas de segundas a sextas ISABELLE RIEGER/ESPECIAL/JC
As marmitas são distribuídas nos fundos, no pátio da casa, que conta com um espaço com telhado para proteger de situações adversas de clima. Na hora da distribuição do almoço, a preferência é das mulheres, crianças e pessoas com deficiência. Depois de servidas, é a vez dos homens.

Caso algum representante dos dois primeiros grupos chegue no meio da distribuição, eles têm prioridade imediata. Repetir o prato, ou o apelidado de “repique”, também é permitido, próximo ao fechamento dos portões. Às vezes, há frutas para sobremesa.

No meio da atividade, um representante do movimento grita os avisos gerais do espaço, como necessidade maior de organização do ou atenção para o lixo espalhado no chão. Quando a reportagem esteve no local, quem fez os alertas foi o coordenador da Cozinha Solidária, Fernando Campos Costa.

Ele também explicou sobre a campanha do movimento pela redução do uso de plástico. As marmitas, que eram servidas em recipientes descartáveis de isopor, agora podem estar em potes.

A medida, de acordo com Costa, reduz o impacto ambiental e diminui os gastos com as compras dos recipientes. A Cozinha Solidária, assim, recebe doações de potes, talheres, canecas e copos para seguir com a campanha.

Ao final do almoço, as atividades do dia são encerradas. Os potes descartáveis são jogados nos lixos da Cozinha e se iniciam as despedidas. Muitas pessoas se tornam frequentadores do espaço e compartilham experiências e angústias no espaço sentadas nas cadeiras do pátio.

Sentado em um banco de madeira, o João Ferreira Trindade, 79 anos, conta como chegou no local. Movido por curiosidade, desceu da linha 398 no ponto de ônibus da Avenida Azenha e foi descobrir o que era a casa com a fachada vermelha na avenida. Agora, almoça diariamente há duas semanas por causa da iniciativa do MTST.

Já o venezuelano Juan Pablo Ortiz, 35 anos, retira sua marmita na Cozinha há um mês. Ele mora em um albergue no Centro da cidade, mas está desempregado.

Ortiz já esteve em situação de rua. Por meio de conhecidos que já frequentavam o espaço, descobriu a iniciativa da cozinha, que alivia as circunstâncias de vulnerabilidade pelas quais passa.

“Se não tem trabalho, não tem como ter subsistência. Pelo menos existem lugares para comer como a Cozinha Solidária”, afirma.

São servidas 250 marmitas por dia e, para continuar o trabalho, o Movimento dos Trabalhadores sem Teto precisa de doações que ajudem nos gastos | ISABELLE RIEGER/ESPECIAL JC

Cozinha Solidária já teve outros dois endereços

A Cozinha Solidária está agora na Avenida da Azenha, 608
/ISABELLE RIEGER/ESPECIAL/JC
A casa em que a Cozinha Solidária está situada é o seu terceiro endereço. Em 26 de setembro de 2021, o MTST ocupou um terreno abandonado para iniciar o projeto, também na Avenida da Azenha. O despejo veio 18 dias depois e levou o projeto para o térreo de um prédio na Rua Marcílio Dias, a duas quadras do atual endereço.
Lá, a distribuição de marmitas acontecia na Praça Princesa Isabel, que também comporta um ponto de táxis e feiras de artesanato durante a semana, além de estar suscetível à ação de vento e chuva. Houve reclamações, inclusive, da segurança do local, aponta Costa.
Para seguir com o projeto e garantir a integridade física de todos os participantes, o espaço de número 608 na Azenha foi alugado. Embora não seja ideal por conta dos gastos a mais que a locação acarreta, reconhece Costa, o local permite atividades maiores do que as que estavam sendo feitas na rua.

 

A Cozinha Solidária da Azenha está se transformando: campanha possibilita mais refeições a quem precisa e redução da produção de lixo

Nesse mês de abril, a Cozinha Solidária da Azenha, de Porto Alegre (RS), está se transformando. Para garantir ainda mais refeições para quem precisa, está sendo realizada uma campanha de arrecadação de potes, copos, canecas, colheres ou garfos e facas de plástico. Os utensílios podem ser doados diretamente na Cozinha Solidária, na Av. Azenha, 608, de segunda-feira à sexta-feira, das 9h às 14h. A ideia é substituir gradualmente as embalagens de isopor, reduzindo os custos com a compra de embalagens e o impacto ambiental. 

Isaura, militante da Cozinha Solidária da Azenha | Foto: Isabelle Rieger

As marmitas de isopor começaram a ser utilizadas por questões sanitárias durante a pandemia de covid-19. Eram necessárias para evitar o contágio e garantir a segurança de todos. Além do custo das embalagens, que quase se equiparavam a verba utilizada na compra de alimentos para o preparo das refeições, o isopor tem um impacto na geração de lixo. Fazem parte da construção da soberania alimentar os debates sobre cuidados com a terra, vínculos entre campo e cidade, as relações de solidariedade e a redução da produção de lixo. Por isso, para além de alimentar mais bocas e mais sonhos, a Cozinha tem na campanha a ideia de dialogar sobre como podemos construir espaços de nutrir pensando em alternativas que são, também, mais ecológicas. 

Campanha de arrecadação de utensílios garante mais refeições a quem precisa.

E o principal: alimentar mais pessoas. Com a arrecadação de utensílios, mais gente vai poder compartilhar das refeições da Cozinha da Azenha e acessar o espaço. Com potes, copos, talheres e canecas, as embalagens de plástico não serão mais necessárias e a verba que anteriormente era destinada a elas pode ser revertida para a compra de mais alimentos, ampliando o número de pessoas que o projeto vai conseguir atender. O que se desdobra, ainda, no fortalecimento de alianças importantes, como a relação de maior vínculo da Cozinha Solidária com movimentos sociais, entre eles o Movimento Sem Terra (MST) e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), que a abastecem com alimentos sem veneno e saudáveis, tão especiais no preparo dos almoços distribuídos a quem precisa. 

Além de assegurar condições para que mais pessoas possam ser alimentadas, a iniciativa expande o debate sobre como construir soberania alimentar, laços comunitários e uma relação de mais cuidado com o planeta. Com a arrecadação dos utensílios e substituição das embalagens de plástico, a Cozinha segue firme na luta pela construção de espaços em que alimento é direito de todas, todos e todes, e não uma mercadoria. 

Hoje, a companheirada segue propondo ações para alimentar cada vez mais pessoas. E nessa trajetória, faz da solidariedade um dos vínculos mais fortes para a construção da soberania alimentar e de um Brasil sem fome. É com partilha, coletividade e engajamento que acontecem as transformações. 

Vem com a gente nessa transformação e no combate à fome? Tem potes, copos e pratos sobrando por aí? Faça a sua doação direto na Cozinha Solidária da Azenha, ou combine com a companheirada da Cozinha ou do  MTST_RS como você pode somar na luta.

O que doar: Potes, copos, talheres (colheres ou garfo e faca de plástico) e canecas

Onde doar:  Av. Azenha, 608, Porto Alegre (RS)

Quando? De segunda a sexta, das 9h às 14h

Tem dúvidas? Chama o @mtst_rs no Instagram 

Quer ajudar de outra forma? Fala com o MTST_RS 

Quer ajudar a Cozinha Solidária com pix? A chave é o e-mail rededeabastecimento@gmail.com

Cozinha Solidária da Azenha segue na luta pela soberania alimentar e contra a fome | Foto: Isabelle Rieger

Com a arrecadação de potes, copos, canecas, colheres ou garfos e facas de plástico, a Cozinha vai se transformando e ampliando a sua capacidade de acolhimento e atendimento. Outras iniciativas, como os jantares “Tempero de Luta” e a “Lojinha do MTST”, também se somam na construção de diálogo sobre a cidade, as ocupações urbanas, a importância do combate à fome e da construção de soberania alimentar. Acompanhe o MTST RS e fique por dentro das novidades. 

Saiba mais sobre a história da Cozinha Solidária da Azenha aqui

Leia também: A Urgência de um projeto político para as populações marginalizadas das cidades brasileiras

Pulverização de agrotóxicos é debatida no Fórum Social Mundial de Porto Alegre

Famílias assentadas, organizações e movimentos sociais debatem problemáticas da pulverização de agrotóxicos no Fórum Social Mundial de Porto Alegre e constroem aliança para garantir a produção de alimentos sem veneno

Importância da solidariedade internacionalista e da articulação entre países da América Latina para combater o avanço dos agrotóxicos é enfatizada nos debates. Foto: Maiara Rauber

Nos dias 23 e 24 de janeiro, as famílias Sem Terra participaram do Fórum Social Mundial de Porto Alegre e debateram sobre as problemáticas da pulverização aérea de agrotóxicos na mesa ‘Povos contra agrotóxicos na República Sojeira’.

Também estiveram presentes representantes do Movimento Ciência Cidadã, em colaboração com Multisectorial Paren de Fumigarnos (AR), Red Nacional de Accion Ecologista (Renace – AR), Instituto de Salud Socioambiental da Universidad de Rosario (AR), Famílias do PA Santa Rita de Cássia II e Integração Gaúcha, Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP), Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra (MST RS), Rede Irerê de Proteção à Ciência, Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), Terra de Direitos, Amigos da Terra Brasil, Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), Comissões de Produção Orgânica (CPORG), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Cooperativa Central dos Assentamentos do RS (COCEARGS), Instituto Preservar, Jornal Brasil de Fato RS, Rede Soberania e GT-Saúde/Abrasco.

A mesa, dividida entre dois encontros, contou com troca de relatos e experiências entre companheiros de luta do Brasil e da Argentina. A partilha foi de vivências forjadas pelas desigualdades do capitalismo, que avança com um modelo de produção de alimentos primário exportador (o agronegócio) de alto impacto negativo nos biomas, responsável por danos irreversíveis nos territórios além de inúmeras violações de direitos destes e dos povos. Modelo assinalado ainda por uma relação de dependência econômica do Sul Global em relação ao Norte, que incide no cotidiano de pequenos produtores rurais por meio da violência, destruição da sociobiodiversidade, poluição, envenenamento, falta de incentivo via políticas públicas, desestruturação de suas formas de produção e de vida e perseguição política.

Mas para além do descaso do estado e do desamparo presente nos relatos, o otimismo da vontade foi o horizonte das pautas discutidas. De forma propositiva, também foram elencadas estratégias para barrar a deriva de agrotóxicos, a pulverização aérea de veneno e as violências contra pequenos produtores rurais, propondo o direito à terra, trabalho, comida e à produção de alimentos saudáveis. Na confluência de saberes e realidades, os movimentos e coletivos presentes se fortaleceram, dando início a uma aliança latinoamericana para dar um basta às violações dos corpos, territórios e da natureza imposta por uma minoria muito rica que comanda o agronegócio.

Visita a assentamentos conta com troca de experiências entre Argentina e Brasil e proposição de reivindicações coletivas para barrar as violências dos agrotóxicos nos países

No primeiro dia da atividade ‘Povos contra agrotóxicos na República Sojeira’’, foi realizado um roteiro de reconhecimento dos espaços atingidos pela pulverização aérea nos últimos anos. Inicialmente os participantes reuniram-se no Viveiro Bourscheid, no Assentamento Santa Rita de Cássia II, em Nova Santa Rita, na região Metropolitana de Porto Alegre (RS). O viveiro é o único com certificado orgânico no Rio Grande do Sul. Espaço que resiste às derivas e as ameaças latentes advindas dos agrotóxicos pulverizados nas proximidades, apontando que outros caminhos para a produção de ervas, temperos, hortaliças e medicinas da natureza, assim como o sonho de uma alimentação saudável, são uma realidade não apenas possível, mas que já vem sendo construído na prática. Realidade que também se traduz na segunda visita do dia, realizada em outra propriedade de assentados da região, muito reconhecida pela produção de morangos orgânicos.

Nos locais os visitantes tiveram uma contextualização histórica sobre o processo de produção de alimentos orgânicos e agroecológicos, assim como das lutas cotidianas travadas pelos assentados. Houve a identificação dos problemas enfrentados, das estratégias adotadas e das implicações das pulverizações de agrotóxicos na vida das famílias afetadas. Também foram apresentadas as articulações com comunidades urbanas e laços estabelecidos com a sociedade local e regional.

O assentado e produtor de mudas Adir Bourscheid, um dos primeiros a relatar a deriva da pulverização de agrotóxicos na região de Santa Rita. Foto: Maiara Rauber

As famílias dos assentamentos de Reforma Agrária Itapuí, Santa Rita de Cássia II e Integração Gaúcha relembram os momentos que enfrentaram em 2020 e 2021, nas quais foram atingidos pela deriva de agrotóxicos pulverizados por aviões agrícolas utilizados por grandes produtores de arroz convencional do município de Nova Santa Rita. Os herbicidas afetaram a saúde de agricultores, moradores, culturas orgânicas, animais e agroecossistemas locais, como consequência de voos rasantes de aviões com agrotóxicos sobre e nas proximidades das áreas dos assentamentos, onde se concentram também algumas das áreas de maior produção de arroz agroecológico da América Latina.

Entre os diversos sentimentos presentes, esteve a tristeza pelas violações nos territórios, com impactos traduzidos em estiagens prolongadas, como a de 2020, no envenenamento das águas, e nas ameaças constantes das pulverizações. Foram evidenciados casos de câncer devido ao contato com o veneno, doenças de pele, alergias, bolhas na pele, adoecimento e enfermidades tantas.

A partilha de relatos sobre a realidade da vida no campo, com enfoque na produção agroecológica, contou com falas como a da companheira argentina Flavia Zenotigh, da organização Mujeres Rurales Campo Hardy y Zona. Ela abordou os impactos do modelo do agronegócio e dos agrotóxicos na vida das mulheres argentinas do campo, que muitas vezes passam por situações como abortos espontâneos pelo contato com o veneno, ou nascimento de crianças com doenças e deformações. Além de um cotidiano evidenciado pela perda de suas crianças, revelou ainda que o câncer alcança índices elevados em seu território, afetando drasticamente as companheiras. Contexto situado dentro da conivência do estado Argentino, que como expôs sua fala, adota políticas que dão as costas aos pequenos agricultores. “E a justiça não nos escuta”, acrescentou. Caso semelhante ao do Brasil, e até mesmo de Santa Rita, com fiscalização que em uma das denúncias feitas demorou 15 dias para ser realizada.

Flavia Zenotigh, da organização Mujeres Rurales Campo Hardy y Zona, abordou os impactos do modelo do agronegócio e dos agrotóxicos na vida das mulheres argentinas do campo na Argentina. Foto: Maiara Rauber

O assentado e produtor de mudas Adir Bourscheid, um dos primeiros a relatar a deriva da pulverização de agrotóxicos na região de Santa Rita, comentou: “Em 2015 fomos atingidos pela primeira vez e ninguém dizia que era veneno, era falado que era falta de água. Tinha veneno por cima de tudo, eu denunciei. Chegamos aqui e construímos o que construímos para persistir na terra, persistir em ir contra o veneno. É difícil fazer uma muda orgânica, mas não vamos parar, porque primeiro de tudo vem a saúde”.

Os impactos das derivas também se dão na vida econômica dos produtores, com perdas que podem comprometer a subsistência das famílias, a ida a feiras e o abastecimento com alimentos em regiões inteiras. Adir resgatou ainda a conexão política com a pauta, mencionando a importância do Movimento Sem Terra e das políticas do governo de Lula para que pudessem tocar o projeto do viveiro.

A questão, que como o próprio assentado e produtor orgânico de morangos, Olímpio Vodzik, ressaltou, vai para além da terra. Olympio, além de contar a história de sua propriedade e a importância da produção agroecológica, que garante inclusive a potabilidade das águas e o equilíbrio ecológico dos locais, destacou a importância dessa forma de produção na fertilidade do solo, na diversidade da vida. E o quanto desde que se assentou no local, numa relação afetuosa com o espaço e sem uso de venenos, foi possível perceber melhorias neste.

A questão, que como o próprio assentado e produtor orgânico de morangos, Olímpio Vodzik, ressaltou, vai para além da terra. Foto: Maiara Rauber

A violência permeia os relatos da resistência contra a pulverização de agrotóxicos no Brasil e na Argentina. Mas para além dela, a indignação, na coletividade e construção das lutas, se torna mobilização para seguir. O assentado do MST, João Vitor de Almeida,  insistiu na cooperação, articulação das lutas, e pressão dos de baixo ao poder público e à justiça para garantir o direito à terra, produção, trabalho e vida digna. “A última vez que nós ficamos muito sufocados era cinco horas da manhã e o avião estava passando. E às cinco da manhã é hora que ninguém fiscaliza. E se as famílias não reclamam, elas não se movimentam. O agronegócio vai corrompendo e vai criando mecanismos que tornam tudo possível novamente. Então a lei é importante, mas mais importante é a consciência e a mobilização das famílias, de que não é possível conviver com agroecologia e agronegócio”, relatou. Evidenciando a importância das alianças de luta, João complementou: “ Temos que juntar todas nossas forças possíveis para que a gente possa produzir alimentos saudáveis, cuidar do ambiente, da terra e do nosso trabalho. E é isso que temos feito nos últimos anos, enfrentando todas as dificuldades possíveis. E o que estamos propondo, diante de todas as dificuldades que enfrentamos é que nós precisamos ampliar essa relação para um processo de luta maior a partir das comunidades locais. Porque uma árvore não se planta de cima para baixo, e nós temos que produzir a luta de baixo para cima”.

Encontro na Assembleia Legislativa apresenta reinvindicações das lutas e proposições para frear o agronegócio

No segundo dia (24) do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, o debate da temática, desta vez aberto ao público, teve sequência na Assembleia Legislativa do RS. Lá, trouxe reflexões a nível de América Latina, de Brasil, mas também abordou informações mais específicas dos casos ocorridos em Nova Santa Rita e Eldorado do Sul, assim como em Santa Fé (AR).

Carlos Manessi, da Multisectorial Paren de Fumigarnos (AR), explanou sobre a realidade Argentina. “As condições são as mesmas, temos agora na Argentina  o presidente Alberto Ángel Fernández ,respaldado pelo CEO da Syngenta, principal promotora desse modelo que temos agora em presidência. Falo para que tenham ampla ideia. Manessi acrescentou ainda que em Santa Fé há 20 milhões de hectares cultivados com soja: “Na nossa província, local da qual venho, temos três milhões e meio de hectares, 70% do nosso território está coberto com soja. Isso corresponde a 70% das terras cultivadas. É muitíssimo. É monocultura, monocultivo demais. Demais”, situou.

Em sua fala, abordou os casos de inundações, secas, contaminação de rios e desmontes decorrentes do modelo do agronegócio, diretamente relacionado ao uso de agrotóxicos e transgênicos. “Santa Fé perdeu 50% da colheita. Uma lagoa com 20km de peixes mortos pela seca em grande lagoa que temos. São impactos tremendos que estamos sofrendo”, contou, estabelecendo um paralelo com os impactos na saúde coletiva.  “Os impactos na saúde são muito grandes e não podemos seguir permitindo que nossos vizinhos sofram o que sofrem agora. Então a nossa ideia na Pare de Fumigarnos e esse coletivos de organizações é, para começar, garantir mil metros livres de fumigação… Não podemos permitir mais isso tudo. Vocês no Brasil, nós na Argentina, e paraguaios, uruguaios e bolivianos”.

Manessi também refletiu sobre a importância desse intercâmbio de informações entre organizações e movimentos de luta, inclusive como ação estratégica para frear a emergência climática: “Somos parte do ambiente, a cadeia do sistema agroindustrial é responsável por quase de metade dos gases de efeito estufa de efeito global. A mudança climática que presenciamos e sofremos está fortemente influenciada por esse modelo de produção agroindustrial. Esse sistema de produção agrária com toda cadeia de valor produz mais de 50% por cento dos gases de efeito estufa que nos leva à mudança climática”.

Somando nessa fala, Gabriel Adrian, do Instituto de Saúde Socioambiental da Universidade Nacional de Rosário (AR), elucidou que as articulações de luta reconhecem a necessidade de transformar o modelo do agronegócio, que gera doenças, mortes e consequências socioambientais nefastas. “Nesse século enfrentamos alguns desafios na saúde coletiva que tem a ver com aquecimento global, com surgimento de futuras pandemias. O modelo agroindustrial gera condições para que possam emergir novos microrganismos com potencial pandêmico, com a forma que são criados industrialmente os animais”, explicou, contextualizando que hoje vivemos em ambientes repletos de substâncias tóxicas como nunca ocorreu em outro momento da história. “Frente a todas essas ameaças, o que os companheiros querem reivindicar não se trata de nada mais que uma forma de produzir, um modo de vida.  Entendemos que os modos de vida agroecológicos são reivindicados porque são os modos de vida que nos permitem enfrentar todas essas ameaças e desafios”, sintetizou.

Adrian defendeu ainda que os sistemas agroecológicos são resilientes,  capazes de captar a sociobiodiversidade: “Frente a possibilidade de sofrimento de pandemias, os sistemas agroecológicos são os sistemas que defendem a imunidade coletiva, de toda sociedade. Contra a carga tóxica que há no ambiente, na água, no solo, no ar, os sistema agroecológicos são os que nos permitem recuperar os territórios para vivermos de modo saudável”, demarcou. Em sua exposição, reconheceu a importância da trajetória construída nas lutas, mas questionou quais compromissos  devem ser assumidos desde o setor da saúde para estar à altura histórica do momento em que estamos vivendo. “Por mais que tenhamos ideias e linhas de trabalho, é necessário recuperar desde as vivências que têm as comunidades e povos. É preciso transformar o sistema de saúde atual em um sistema capaz de produzir saúde”, comentou.

Adalberto Martins, da direção nacional do MST, apresentou em dados a problemática do agronegócio em nosso país, relacionando ao caso argentino. Evidenciou que o Brasil é o maior consumidor de veneno,  assinalando  que grande proporção dos agrotóxicos consumidos aqui são proibidos em seus países de origem.  “No Brasil, nas nossas lavouras temporárias que deveriam ser produção de alimentos, estão destinados em três cultivos: soja, milho e cana. Falamos de cerca de 40 milhões de hectares de soja, outros 22 milhões de milho, nove milhões de cana..  Isso implica para nós uma imensa concentração de riqueza, uma imensa concentração de terra, uma imensa concentração de insumos, e nesse caso os agrotóxicos saltam aos olhos no caso brasileiro. Nós somos o maior consumidor de veneno do mundo”, anunciou.

Adalberto Martins, da direção nacional do MST, apresentou em dados a problemática do agronegócio em nosso país, relacionando ao caso argentino. Foto: Maiara Rauber

A advogada e ouvidora da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, Marina Dermmam destacou em sua fala o descaso do poder público em relação a fiscalização de crimes vinculados à agrotóxicos, mencionando a relevância do trabalho jurídico realizado para ajudar as famílias atingidas por pulverização aérea de agrotóxicos em Nova Santa Rita. “Os agrotóxicos podem violar uma série de direitos humanos, em especial os direitos que chamamos de DHESCAs (Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais). A gente tem uma série de legislações muito protetivas aqui no Brasil, especialmente que surgiram na década de 80 e 90: o nosso plano nacional de meio ambiente, a política nacional de meio ambiente, leis de crimes ambientais, de fato são muito protetivas, mesmo no que teve em desregulamentação no último momento que vivemos. Mas é um grande desafio quando vamos no sistema de justiça procurar responsabilidade”, mencionou. Marina manifestou ainda a importância dos polígonos de exclusão, locais em que a pulverização de agrotóxicos deve ser proibida.

Acordo Mercosul-União Europeia: acordo comercial sem participação dos afetados intensifica projeto neocolonial de superexploração dos povos e territórios no Sul Global

Para além das lutas cotidianas nas bases dos territórios, abordadas nos encontros do “Povos contra agrotóxicos na República Sojeira”, foi dimensionada como estas se travam dentro da geopolítica global. Na correlação de forças entre centro e periferia do sistema capitalista, países embobrecidos por esta economia hegemônica, como os da América Latina, são grifados pela violenta situação de dependência escancarada no modelo primário agroexportador do agronegócio. Modelo que privilegia o desenvolvimento dos países colonizadores, como os membros da União Europeia, a partir do subdesenvolvimento e superexploração do Sul Global.

Na prática, um acordo que intensifica o racismo ambiental, o ecocídio, a mercantilização da natureza e o genocídio dos povos indígenas, quilombolas,  ribeirinhos, tradicionais, campesinos e das periferias, que são os mais afetados pela emergência climática. Emergência essa causada pelo capitalismo e diretamente fomentada pelo agronegócio, ainda mais tendo em vista que o maior motivo de emissões de gases poluentes da atmosfera no Brasil é a alteração de uso de solos, via desmatamento para a ampliação da fronteira agrícola.

Exemplos que escancaram essa realidade são acordos como a Alca, barrado pelas lutas anos atrás. Caso que a assentada do MST e atingida pela pulverização de agrotóxicos, Graciela Almeida, trouxe a memória evidenciando a necessidade de uma rearticulação para também vetar o Acordo Mercosul- União Europeia, agora em abertura de diálogo no governo Lula.

Graciela Almeida, trouxe a memória evidenciando a necessidade de uma rearticulação para também vetar o Acordo Mercosul- União Europeia, agora em abertura de diálogo no governo Lula. Foto: Maiara Rauber

Logo, na luta contra a exploração dos corpos, territórios e da natureza na América Latina, este acordo é mais um ponto a ser considerado. Ele se relaciona diretamente com o avanço do agronegócio, que traz o uso de agrotóxicos que poluem águas, solos, afetam a saúde e integram um modelo de produção desigual. Graciela abordou essa situação de dependência econômica prolongada pelo Acordo, assim como o uso de agrotóxicos como armas químicas a qual estão submetidas as comunidades. O Acordo Mercosul-União Europeia a maioria das pessoas  desconhece. Quem conhece um pouco, e um pouco porque nem sequer foi traduzido nas línguas dos países que supostamente estão envolvidos, sabe muito bem que é uma nova exploração dos nossos territórios.  É um aprofundamento da exploração do sistema capitalista nos nossos territórios e nos nossos corpos. E isso significa que a fronteira da soja, a república unida da soja como falava a Syngenta, vai querer se expandir muito além. E isso vai acontecer com todas as monoculturas se nós não paramos, não conversamos e dizemos para esse novo governo que não queremos mais exploração nos nossos territórios”, situou Graciela quanto a necessidade de incidência das lutas neste Acordo.

Encontros fortalecem as alianças entre movimentos e organizações que assumem o compromisso no processo de conscientização da sociedade da América Latina

Leonardo Melgarejo, do Movimento Ciência Cidadã, explicou a importância dessa atividade multi-institucional que envolveu ativistas que lutam contra o agrotóxicos na América Latina, e contou com uma comitiva de quatro instituições da Argentina. “Nós discutimos um fato básico, temos doenças que são as mesmas, que afetam as famílias de todos os países da América Latina, que são causadas por agrotóxicos que são os mesmos comercializados com instituições que são as mesmas. Precisamos estabelecer uma forma de defesa conjunta para atuarmos de uma mesma maneira e não isoladamente, para atuarmos conjuntamente contra este problema que se associa aos avanços das lavouras transgênicas, das lavouras geneticamente modificadas tolerantes agrotóxicos que estão inundando os nossos territórios”, declarou.

Foi concluído no final do debate a importância de superar processos de alienação da sociedade de todos os países da América Latina, pois segundo Melgarejo a água que habita, que dá vida aos territórios da América Latina está sendo contaminada de maneira irreversível sendo que essa água faz parte dos organismos, das crianças, idosos, e também nos rios, lagos e aquíferos. “Uma maneira de tirar esse veneno dos espaços é evitando que ele chegue lá. Para isso temos que estabelecer mecanismos de comunicação que ajudem a sociedade a tomar consciência do problema que está em andamento e esses mecanismos exigem que nós pautamos ações em comum em conjunto nos vários espaços ao mesmo tempo”, reforçou o integrante do MCC.

Um dos exemplos citados por Melgarejo é o documento produzido pelas famílias assentadas de Nova Santa Rita, o qual conta a sua história e as estratégias que vem desenvolvendo para estabelecer essas alianças com as populações urbanas. Para fortalecer o documento estão captando assinaturas de adesão para levar adiante a sociedade do que acontece aqui no Rio Grande do Sul e que por extensão é o que acontece em todo o conjunto da América Latina.

Por fim, Melgarejo encarou o encontro positivamente, ao destacar a relação estabelecida com companheiros de lugares diferentes da América Latina. E novas etapas dessa luta conjunta já estão previstas. Segundo Leonardo, em junho deste ano haverá um momento na Universidade de Rosário, na Argentina, durante o Congresso de Saúde Coletiva e Saúde Ambiental. Outro encontro será realizado em novembro na cidade do Rio de Janeiro, no Congresso Brasileiro de Agroecologia (ABA).

“Nesse meio tempo nós temos um compromisso de apoiar as instituições que trabalham nessa linha e ajudar a proteger esses ativistas que estão envolvidos com essas ações de proteção, pois eles são perseguidos, discriminados e ameaçados. Devemos construir gradativamente esse processo de conscientização da sociedade da América Latina, e tomar medidas em conjunto para superar essa crise”, finalizou Leonardo Melgarejo.

Acesse o documento na integra.

Texto por Maiara Rauber e Carolina Colorio Reck

Confira alguns dos registros das atividades na nossa galeria de fotos: 

 

Créditos: Carolina C.

Não foi possível estar presente? Confira a transmissão ao vivo  da atividade na Assembleia Legislativa, que conta com apresentação da Carta dos atingidos pela deriva de agrotóxicos e debate internacionalista, da sociedade civil, movimentos e organizações sobre a pauta

Transmissão ao vivo

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Saiba mais sobre a luta contra o Acordo Mercosul- União Europeia na matéria “Delegação brasileira faz Jornada na Europa para denunciar os impactos do Acordo Mercosul-União Europeia”

E aqui você confere  o posicionamento da Frente Brasileira Contra o Acordo Mercosul-UE, que foi apresentada ano passado no Parlamento Europeu 

Rodas de conversa da AFP: enfrentamento à fome, à violência e construção de soberania alimentar

A Aliança Feminismo Popular constrói, junto às mulheres, espaços de diálogos pelo fim da violência contra a mulher, do racismo estrutural, da falta de moradia e da fome. No mês de novembro, as companheiras relembraram a luta contra o racismo com o Dia da Consciência Negra (20) e o Dia de Enfrentamento da Violência contra as Mulheres (25), ressaltando que a luta é diária.
 
A Aliança também denuncia o absoluto descaso do governo federal frente às desigualdades e a falta de políticas públicas, pois a violência ocorre em todos os lugares e atinge mulheres de todas as idades, raças e classes sociais. E a sua raiz está no sistema capitalista, patriarcal e racista, que exerce controle, apropriação e exploração do corpo, da vida e da sexualidade.
 
Esse debate é permanente na agenda da Aliança Feminismo Popular, que salienta que a violência não é um fenômeno isolado e individual de um homem contra uma mulher. Mas sim um instrumento de controle e de disciplina do corpo, da vida e do trabalho das mulheres.
 

No mês de novembro, para avivar a luta e memorar o Dia Latino-americano e Caribenho de Luta Contra a Violência às Mulheres, a Aliança Feminismo Popular preparou o vídeo abaixo.

A coordenadora da Amigos da Terra Brasil, Letícia Paranhos, lê um trecho do manifesto publicado pela AFP para marcar a data:

Clique aqui e confira o manifesto preparado pela Aliança Feminismo Popular na íntegra

Em dezembro deste ano, dando continuidade às pautas de novembro, que são cotidianas na vida de todas nós, a AFP realizou atividades com mulheres em Porto Alegre (RS). Marcadas por dois encontros e muita construção coletiva.

Roda de conversa na Cozinha Solidária do MTST

No dia 15 aconteceu uma roda de conversa com as mulheres da Cozinha Solidária da Azenha, projeto do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) que desde o início da pandemia de Covid-19 assegurou, em Porto Alegre, de 200 a 250 almoços diários para a população em vulnerabilidade. A Cozinha Solidária da Azenha se soma a outras 31 Cozinhas Solidárias do MTST espalhadas pelo Brasil, e ao longo do ano, com carinho e afeto, distribuiu mais de 1,5 milhões de refeições gratuitamente.

Roda de conversa na Cozinha Solidária do MTST

Conheça mais sobre a Cozinha Solidária da Azenha aqui

Cerca de 15 mulheres que tocam o cotidiano da cozinha e são responsáveis pela organização e limpeza do espaço, pelo preparo das refeições e atendimento à população que circula por ali estiveram presentes, além das representantes da AFP. Conversaram sobre a dura condição das mulheres nesta sociedade capitalista e patriarcal e as violências que sofrem.

Roda de conversa na Cozinha Solidária do MTST

No encontro, assistiram ao vídeo da Campanha Sem Culpa, Nem Desculpa, lançada pela Sempreviva Organização Feminista (SOF) e a Marcha Mundial das Mulheres (MMM), em 2017. Ambas são organizações feministas que abordam de forma geral como a violência afeta a vida das mulheres, assim como as formas e formatos de violência que incidem em nossos cotidianos.

Abaixo você confere o vídeo Sem Culpa, Nem Desculpa:

A AFP também fez a entrega de kits de higiene para as companheiras da Cozinha Solidária. Todas ficaram comprometidas em buscar um outro momento para avançar na auto-organização das mulheres.

Roda de conversa na Cozinha Solidária do MTST

Dando sequência, o dia 18 de dezembro contou com mais uma roda de conversa, dessa vez com as mulheres envolvidas no projeto da horta comunitária do Morro da Cruz. A horta está completando dois anos de existência, e começou na pandemia devido à necessidade de fazer enfrentamento às situações de fome e insegurança alimentar.

Roda de conversa na Horta Comunitária do Morro da Cruz

Para além da resistência, e como anúncio de novas possibilidades para a alimentação, a Aliança pauta ainda a construção da soberania alimentar. Tendo isso em vista, desde 2020, teve início a construção de uma horta em espaço público da comunidade, que antes era utilizado como estacionamento de carros.

E assim vem se fortalecendo a organização das mulheres no espaço, que em dois anos conta com cerca de vinte companheiras com as suas famílias – entre crianças e companheiros, que também se envolvem nos debates e construções. O dia 18 foi um momento de confraternização e encerramento do ano, e contou também com a roda de conversa sobre o enfrentamento à violência contra as mulheres, tema que perpassa a vida das mulheres e de suas famílias. Ainda nessa perspectiva, este dia também contou com apresentação e diálogo sobre o filme “Sem culpa nem desculpa”.

Horta Comunitária do Morro da Cruz

Tendo em vista que muitas vezes a falta de dinheiro pressupõe priorizar a comida ao invés de absorventes ou produtos de higiene, que ajudam na vida das companheiras, a Aliança distribuiu novamente kits de higiene neste encontro. Uma ação que também foi voltada a um resgate de processos de autocuidado e de autoestima das companheiras. Em conexão com outra pauta fundamental da horta comunitária, que é a alimentação, também foram distribuídos alimentos do Movimento Sem Terra (MST), que em aliança constante e solidariedade com a AFP constrói momentos assim. Feijão, arroz, leite e farinha láctea compuseram o kit alimentar.

Entrega de kits na Horta Comunitária do Morro da Cruz

O momento contou com cerca de 15 mulheres. A maioria segue participando dessa construção de luta desde o início: se auto organizando, se sentindo cada vez mais um grupo, e se percebendo em um espaço de segurança para conversar. E, sobretudo, para pensar a alimentação, no caso da horta, como um fomentador para o debate do feminismo e da vida cotidiana das mulheres na periferia de Porto Alegre.

A violência contra a mulher não é o mundo que queremos. O fortalecimento do feminismo popular segue, assim como a luta contra a exploração, as opressões, o capitalismo, o patriarcado e o racismo. Estamos juntas para transformar o mundo.

Não deixe de acompanhar o blog da Aliança Feminismo Popular, onde é possível conhecer as construções coletivas e de luta das companheiras

 

A urgência de um projeto político para as populações marginalizadas das cidades brasileiras

Durante a pandemia os movimentos populares ocuparam espaços deixados pela negligência do Estado – Isabelle Rieger/Arquivo Amigos da Terra Brasil

Somos 213,3 milhões de brasileiros e de brasileiras vivendo nas cidades; destes, 21,9% se encontram concentrados em 17 municípios, que possuem mais de 1 milhão de habitantes. Segundo esses dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2021, chegamos a 49 municípios com mais de 500 mil habitantes.

A inversão de rural para urbano se deu nos últimos 50 anos sem planejamento, a única regra era a da segregação e exclusão criando muros e a periferização das cidades. Esta expansão aconteceu usando o povo empobrecido como ferramenta do setor imobiliário, que por meio desse crescimento também disseminou o seu território, e usou a máquina do Estado para expandir a infraestrutura como demanda social.

Essas áreas que o setor imobiliário deixava descoberto por sua milícia, eram áreas de preservação, córregos, arroios, banhados e áreas do Estado, assim ampliando a disponibilidade de terras e retirando o natural da cidade, canalizando, aterrando e ocupando uma paisagem, concretado e impermeabilizado, sem vento e nem sol. Até o sol nos tiraram, as próprias estrelas com que a sociedade dialoga há milhares de anos, acabou em 50 anos.

Esta é a dimensão do desafio das cidades brasileiras. Como alimentar, fornecer moradia adequada, luz, água, saneamento básico, educação, transporte, saúde, a essa população? E ainda, como adequar tudo isso para reduzir os danos ambientais, promovendo uma transição agroecológica com justiça ambiental e soberania alimentar?

O urbano 

Nos últimos 4 anos, caminhamos para o desmonte das políticas públicas para as cidades e nos colocamos, ainda mais distantes, da necessária Reforma Urbana. Logo, no dia 1° de janeiro de 2019 foi extinto o Ministério das Cidades, destruindo os 16 anos de construção do planejamento urbano no país.

O Programa Minha Casa Minha Vida foi cancelado em 2021, após ter entregue cerca de 4,5 milhões de casas e apartamentos, num país que vive por volta de 7,9 milhões de déficit habitacional. Em seu lugar, o governo implementou o Programa Casa Verde e Amarela, que suprimiu a FAIXA 1 de acesso ao financiamento, justamente a destinada às famílias de renda mensal inferior a R$ 1.800, o que corresponde a 92% do déficit de moradia. Em setembro deste ano, o governo anunciou o corte de quase 95% do orçamento habitacional previsto para 2023.

Outrossim, a pandemia desvelou uma realidade triste do Brasil: a dos despejos e das remoções. A lógica da propriedade privada e da especulação imobiliária sempre estiveram presentes no país. Ocorre que durante a crise sanitária, a necessidade de um teto para o exercício do isolamento social em condições dignas foi uma prioridade. Assim, movimentos populares e diversas organizações fundaram a Campanha Despejo Zero, que foi responsável pela articulação da ADPF nº.828 (Arguição Descumprimento de Preceito Fundamental), na qual os despejos ficaram suspensos até outubro deste ano.

A decisão proferida pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, em 31 de outubro não manteve a suspensão dos despejos, no entanto recomendou que fossem instaladas comissões de mediação coletiva antes da decisão judicial. Apesar da orientação, juízes já começaram a conceder reintegrações de posse, inclusive de áreas que são terras públicas federais ocupadas, as quais caberia perfeitamente um diálogo exemplar. Segundo a Campanha Despejo Zero, quase 1 milhão de pessoas estão em risco de despejo neste momento no país.

Temas candentes 

Os movimentos de moradia, com destaque ao MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), têm reivindicado a retomada do Ministério das Cidades e da constituição de um debate popular sobre a Reforma Urbana. Em face disso, propõe-se ao novo governo que seja retomado o Projeto Minha Casa Minha Vida Entidades, por meio do qual os movimentos puderam demonstrar ser possível construir moradias, com acessibilidade a hortas, transição energética, casas adequadas para a realidade das famílias e, sobretudo, com uma gestão popular, fora da lógica das grandes construtoras. Assim, a moradia, no Programa, retoma seu lugar como direito necessário à dignidade humana e não na perspectiva de geração de lucros às empresas.

Além dessas, outras propostas são apresentadas. O primeiro eixo envolve combater a mais valia urbana por meio de uma valorização do Estatuto da Cidade e uma radicalização da função social urbana da Constituição. O propósito é de que o Estado use os recursos das zonas mais ricas da cidade para investir em moradia, saneamento público, passe-livre nas zonas que carecem disso, promovendo uma distribuição de riquezas.

Repensar a organização socioespacial da cidade para disponibilizar aos trabalhadores e às trabalhadoras acesso ao transporte, trabalho, saúde e educação nas proximidades de suas casas. A especulação imobiliária, a exclusão das cidades, expulsam as populações de baixa renda do direito à cidade, submetendo-as a viver nas fronteiras distantes sem direitos. É urgente repassar as cidades excludentes e terminar com a segregação social, racial e de classe.

Também garantir o acesso à água e ao saneamento. Nos últimos anos, foram aprovados projetos de privatização do saneamento básico no Brasil, trazendo inúmeras incertezas sobre a concretização do direito à água, além da especulação com tarifas extraordinárias. Muitas ocupações e bairros de periferia ainda não acessam água encanada de qualidade. Sem contar na população em situação de rua, que está completamente privada deste direito. Hoje no Brasil, o direito universal que garante o acesso à água só é permitido a quem tem a posse regularizada, ou seja, ocupações, retomadas e aldeias não demarcadas e quilombos não titulados não têm este direito garantido.

A privatização também caminha para os espaços públicos e coletivos da cidade. Muitas dessas iniciativas são financiadas e desenhadas pelo próprio BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e não estão sendo acompanhadas do adequado processo de participação social. Isso é algo que o novo governo precisará rever. Em Porto Alegre (RS), por exemplo, discute-se a concessão do Parque da Redenção sem a realização de qualquer debate público por parte da prefeitura.

Fernando Campos, integrante da Amigos da Terra Brasil e militante do MTST, destaca que é necessário pensar na importância do retorno dos espaços de participação popular, previstos na Constituição e no Estatuto das Cidades. Para ele, pensar as cidades brasileiras é romper com a lógica do empresariado na gestão dos problemas da cidade e assegurar o caráter deliberativo aos Conselhos Municipais e às Conferências das Cidades, posto que trazem as propostas a partir da realidade dos territórios, sendo capazes de elencar as escalas de prioridades a serem enfrentadas pelo poder público. Assumir um compromisso público e político com a participação popular é tarefa urgente.

Na pandemia, fomos obrigados a repensar nossos valores de cuidados e solidariedade coletivas. Assim nasceu a iniciativa do MTST das cozinhas solidárias, hoje são 31 cozinhas no país, que distribuem refeições diárias, gratuitas, ajudando a combater a fome nas periferias. Pensar no combate à fome, que como anunciou Lula será uma das prioridades do governo, deve ser encarado conjuntamente com outras  políticas públicas como de moradia e de cidade. Bem como estar conectado ao fortalecimento público dessas iniciativas populares, que são promotoras da segurança alimentar e da aliança campo e cidade.

Com propostas concretas e possíveis, marchamos rumo à Reforma Urbana

Diante de um Estado negligente, os movimentos populares organizaram suas forças e resistiram, cumprindo um papel político e pedagógico durante a pandemia que caberia ao poder público. Certamente, esses atores estão plenamente capacitados para opinar e construir soluções às cidades brasileiras porque, ao longo de sua luta histórica, acumularam experiências alternativas, como a Cozinha Solidária, os mutirões de construção e as ocupações urbanas, que educaram e politizaram o povo brasileiro para participar ativamente da construção de sua cidade. O novo governo precisa romper a lógica de que “a cidade é um espaço sem opção” propagada por empresas e assumir a capacidade do povo de se organizar, resistir, ocupar e pensar sobre seus problemas candentes.

* Coluna publicada no site do jornal Brasil de Fato em: https://www.brasildefato.com.br/2022/12/06/a-urgencia-de-um-projeto-politico-para-as-populacoes-marginalizadas-das-cidades-brasileiras

Projeto destina 300 mudas de árvores nativas para incremento de agroflorestas dos quilombos urbanos de Porto Alegre

Uma iniciativa em parceria da Amigos da Terra Brasil (ATBr) com a Frente Quilombola do Rio Grande do Sul (FQRS) está destinando cerca de 300 mudas de árvores nativas para plantio nos territórios quilombolas urbanos de Porto Alegre. O projeto busca a recuperação, a médio prazo, da soberania e segurança alimentar, através do fortalecimento dos conhecimentos ancestrais, aliados a ações focadas no desenvolvimento de hortas comunitárias e agroflorestas, bioconstrução de espaços comuns, soberania energética e trabalhos voltados à educação e à saúde para as comunidades.

Projeto em parceria da Amigos da Terra Brasil e da Frente Quilombola do RS destina cerca de 300 mudas para quilombos urbanos localizados em Porto Alegre. Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil

As mudas recebidas, em uma articulação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) junto à Cooperativa de Energia e Desenvolvimento Rural Coprel, ATBr e FQRS, são uma primeira ação de fortalecimento comunitário e serão destinadas aos quilombos de Porto Alegre, além da ocupação Povo Sem Medo, localizada na zona norte da Capital. A arborização dos espaços têm diferentes objetivos, dentre eles a recuperação do solo, trabalho terapêutico através do contato, cuidado e carinho com a natureza — medida de alta necessidade com o contexto de desesperança trazido pela pandemia —, além de contribuir com a soberania alimentar com árvores frutíferas nos territórios. Muitos dos espaços já contam com hortas e pomares para autoconsumo, e sob uma perspectiva agroecológica, a parceria surge como forma de ampliar a relação com o espaço e os conhecimentos passados de geração a geração.

Mesmo sob chuva, as mudas estão chegando e, nos próximos dias, devem entrar em contato com o solo que será sua nova casa. A realização de momentos de mutirão tem, também, um caráter educativo, especialmente para as crianças que aprendem sobre a natureza, alimentação, saúde e cuidado com o espaço. Com o contexto de manutenção da curva de contágio do vírus COVID-19, os cuidados nessas ações seguem redobrados, envolvendo-se apenas algumas pessoas que vivem nas comunidades e com a utilização dos itens de proteção.

Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil

Caminhos da solidariedade: Organizações sociais estão em luta contra a fome aprofundada pela crise do Covid-19

Amigos da Terra Brasil e entidades como Frente Quilombola RS (FQ-RS), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Comitê Popular em Defesa do Povo e Contra o Coronavírus e Comitê Gaúcho Emergencial no Combate à Fome do Consea-RS organizam coleta e distribuição de alimentos e itens de higiene a famílias em situação de vulnerabilidade no Rio Grande do Sul.

Amigos da Terra Brasil, articulada com diferentes organizações, realiza a compra e repasse de alimentos e itens de higiene a famílias em situação de vulnerabilidade. Pelo menos 500 kg de alimentos já foram entregues e outros 1800kg estão a caminho para famílias de diferentes localidades gaúchas. A ação é uma medida emergencial para tentar minimizar os reflexos da crise que se aprofunda com a pandemia.

Há um abismo de desigualdade que se expõe ainda mais nesse momento. São universos muito distintos: daqueles que têm recursos e podem tomar precauções sanitárias para manter-se em segurança e bem alimentados e dos que já estavam em situação precária antes dessa nova crise e estão longe de ter condições mínimas como saneamento básico e alimentação balanceada para manter a imunidade em equilíbrio. A ONU aponta que a crise do coronavírus poderá fazer com que mais de 135 milhões de pessoas no mundo entrem em situação de fome neste ano. 

A Amigos da Terra Brasil atua, neste momento, na intermediação entre essas doações e a entrega dos alimentos às comunidades, ajudando na distribuição realizada junto à Frente Quilombola, ao CIMI e ao MTST. A CaSaNaT, sede da Amigos da Terra Brasil em Porto Alegre, é onde os alimentos e itens de higiene básica são estocados para distribuição. O espaço, que foi alvo recente do governo Bolsonaro, já tem um histórico de ser referência de articulações para a soberania alimentar com a realização das edições da Feira Frutos da Resistência, que estabelece uma rede de colaboração e trocas mútuas entre atores de diferentes setores do campo e da cidade. 

Neste momento delicado gerado pela pandemia, centenas de famílias em diferentes localidades como nos territórios indígenas, quilombolas e na periferias das cidades têm atravessado forte dificuldade de aquisição de alimentos, seja pelas distâncias, seja pela falta de recursos. Em todo o país, ações de organizações e movimentos sociais vêm tentando minimizar os impactos na alimentação das populações mais vulneráveis. Um papel do Estado, que, seguindo a perspectiva neoliberal, se exime da responsabilidade que é sua. 

Oito toneladas de cebola foram doadas por agricultores familiares e distribuídas para quilombolas, indígenas e pessoas em situação de vulnerabilidade. Foto: Luiza Dorneles/Amigos da Terra Brasil

A necessidade de quarentena também afeta o escoamento da produção da agricultura familiar. A produção corresponde a 70% dos alimentos consumidos no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).  Essa rede de solidariedade articulada entre as diferentes organizações sociais também apoia os e as pequenas agricultoras conectando campo e cidade na compra, transporte e destino desses alimentos. Produções de arroz, feijão, cebola, banana, entre outros cultivos estão sendo compradas em toneladas. Campanhas de arrecadação, ou doações diretas de movimentos como MST e MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), têm possibilitado que agricultores não fiquem com excedente de produção e prejuízos, enquanto populações passam fome. Agricultores ecologistas das feiras ecológicas de Porto Alegre, do Bonfim e do Menino Deus, se somam a essa ação contribuído com os excedentes de produção. São também parte dessa rede de solidariedade as e os agricultores de São José do Norte (RS) que lutam contra a mineração para permanecer em seus territórios, como é o caso das doações de cebola e abóbora destinadas por agricultores familiares que estão em conflito com o Projeto Retiro da mineradora Rio Grande Mineração (RGM).

Para além das necessidade emergenciais, é imprescindível que se pense a médio e longo prazo a partir da crise que estamos vivendo. Assim como em outros momentos da história, as crises não terminam da noite para o dia e os reflexos da pandemia na economia devem seguir se aprofundando. Tendo em vista esse cenário, é fundamental que se pense formas de construir discussões conscientes sobre o que gera a fome e quais os caminhos para diminuir as desigualdades. A distribuição de alimentos é uma medida pontual. É necessário que se estabeleça um novo paradigma de relação com a produção de nossa comida, criando autonomia e garantindo direitos às populações. Há muitos grupos de solidariedade que se colocam para ação neste momento de maior evidência, essas redes precisam se estabelecer de forma permanente com caráter popular. Agir contra a fome é também lutar por justiça ambiental nos territórios, por autonomia das populações com um Estado que esteja a serviço de seu povo e não das corporações.

Nesse sentido, é preciso que se coloque em pauta de forma emergencial a Renda Básica Universal e Permanente. Um debate que se amplia mundialmente e já vem em construção nas últimas décadas no Brasil frente às desigualdades profundas e as alterações nos modelos de trabalho que a robotização, a economia dos algoritmos e a inteligência artificial apresentam. Enquanto uma família brasileira pode levar até nove gerações para deixar a faixa dos 10% mais pobres e chegar à renda média do país, segundo estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2018, se torna claro que um dos caminhos para diminuir as desigualdades é taxar o 1% super rico. Com a pandemia, a urgência do debate ganha força popular com campanhas como “Taxar Fortunas para Salvar Vidas” e projetos sobre o tema podem entrar em votação no Senado. Ao mesmo tempo, o caminho encontrado pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, é o do endividamento do país estudando a tomada de empréstimo de U$4 bilhões a bancos internacionais para pagar o auxílio emergencial de R$600,00. Medida que poderá ser paga pela população em forma de impostos por 20 anos trocando uma dívida em reais por dólares, enquanto o dólar gira em torno de R$5,50.

Temos, hoje, a pior gestão possível para gerir uma crise como a que atravessamos. Enquanto a curva de contágio se amplia, o governo prioriza as monoculturas e o agronegócio colocando em pauta a MP910/2019, agora como PL 2633/2020, que anistia crimes de grileiros regularizando a invasão de terras públicas até junho de 2008. Um governo que, literalmente, afirma ‘E dai?’ e parece ignorar a morte de dezenas de milhares por Coronavírus não irá resolver o problema da fome. A perspectiva é perversa, mas ao mesmo tempo tem lógica e escancara que está a serviço do Capital. 

A  produção e distribuição de alimentos fazem parte da soberania de um povo. Quando se fala em Soberania Alimentar é sobre isso que se discute: pensar e colocar em prática coletivamente caminhos para que as diferentes populações tenham abastecimento de alimentos de base agroecológica. Hortas comunitárias, trocas de sementes e de aprendizados sobre como cultivar são uma necessidade também urgente. Seguiremos articulados com movimentos sociais e com a luta na defesa da soberania dos povos e de seus territórios construindo caminhos populares para a soberania alimentar. Nos próximos meses, um plano de auxílio nesse sentido está sendo desenvolvido e posto em prática, pensando além da necessidade alimentar atual, estabelecendo formas de subsistência permanentes. Se há algo que essa situação complexa evidencia é que a saída para mais essa crise se dará de forma coletiva.

Agricultores ecologistas das feiras ecológicas de Porto Alegre, do Bonfim e do Menino Deus, contribuem com os excedentes de produção. Foto: Eduardo Osório/Amigos da Terra Brasil
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