A história do cerco à Amazônia

Visitamos a região do Tapajós, no Pará, junto à Terra de Direitos e ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais dos municípios de Santarém e de Alenquer, para ouvir as histórias das resistências dos povos frente ao cerco imposto pelo capital à Amazônia. E o cenário, que já era assustador, piora no atual contexto de pandemia do Covid-19: desmatadores, grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais não estão preocupados em fazer quarentena; pelo contrário, querem aproveitar a paralisia do governo para avançar ainda mais sobre os territórios. Vale acrescentar que, ao que indicam estudos (aqui, aqui e aqui, este último em espanhol), a expansão do agronegócio e a consequente destruição ambiental está por trás do avanço de diversas pandemias ao redor do mundo, o coronavírus entre elas.

*Nota: este conteúdo foi produzido no final de 2019 e início de 2020,
antes da pandemia do coronavírus tomar a proporção que tomou.

// Vídeo 1 – Grilagem de terras: como territórios amazônicos vão sendo transformados em campos de cultivo

// Vídeo 2 – Soja: Amazônia como fronteira agrícola

// Vídeo 3 – Portos: grandes empreendimentos ameaçam os modos de vida tradicionais amazônicos

// Vídeo 4 (final) – Ameaças, resistência e esperança

A engrenagem do capital esmaga a Amazônia, seus povos, a floresta e seus rios: de um lado, a expansão da soja e da pecuária, unidas à derrubada e comercialização ilegal de madeiras e às queimadas criminosas que “limpam a terra” para o agronegócio; de outro, a mineração e os megaprojetos de infraestrutura necessários ao escoamento de commodities e entrega dos bens comuns brasileiros, como portos e ferrovias. Todos de alto impacto às comunidades locais. Em meio a isso, sob grande pressão e convivendo com ameaças constantes, povos em pé e em luta, ainda firmes. São essas histórias de resistências que contaremos a seguir.

Primeiro, porém, uma breve introdução se faz necessária, para que compreendamos o contexto e a complexidade dessas lutas. A introdução está dividida em quatro partes: a primeira delas segue este parágrafo; as outras podem ser acessas pelos links que aparecem abaixo do texto. E, depois dos links, aparecem pequenos resumos de cada história que contaremos – que podem ser acessadas com um clique em seu título.

Uma breve introdução, dividida em quatro partes, e depois as histórias

1. Contexto
Não à toa as queimadas na Amazônia em 2019 chamaram a atenção do mundo: de janeiro a agosto, na comparação com o mesmo período dos últimos três anos, a alta em focos de queimada foi de 34%; houve 55% mais desmatamento na região; e, ainda assim, 11% mais chuvas, o que demonstra que a causa do fogo não foi o período seco, mas sim a ação humana.

Infelizmente, nenhuma surpresa: em agosto do ano passado, em referência ao Dia do Fogo e ao aumento das queimadas, já dizíamos:

– A mão manchada de sangue que acende a chama é a mão do capital: é à política neoliberal colonialista, tão docilmente acatada pelo governo Bolsonaro, que creditamos o ataque aos povos das florestas e a seus territórios.

Antes ainda, à época da campanha eleitoral de 2018, a completa ausência de políticas voltadas ao meio ambiente já alertava para o que estava por vir (por exemplo, a expressão “meio ambiente” aparecia apenas uma vez no programa de governo do então candidato Jair Bolsonaro). Bom… que representa um imenso retrocesso para a pauta ambiental e agrária no Brasil ele próprio deixou bastante nítido mais tarde, quando disse [aos ruralistas, é claro] – Esse governo é de vocês.

O cerco capitalista se expressa em diferentes formas e estágios: desde o “ciclo da grilagem”, que consiste em invasão de território, extração ilegal de madeira, queimadas para “limpar a terra”, introdução de monoculturas e pecuária; até o consequente uso de agrotóxicos que contaminam áreas vizinhas e fontes de água; e o despejo e expulsão das famílias agricultoras, comunidades tradicionais, quilombolas e povos originários para as periferias das cidades, onde passarão a compor a classe empobrecida da sociedade. Quem decide ficar e lutar por seus territórios e pela natureza, enfrenta ameaças e atentados contra a vida.
Os desenhos são de Paulo H. Lange.

A espreita capitalista sobre a Amazônia, sabemos bem, remete a tempos pré-Bolsonaro. Contudo, é da mesma forma óbvio o agravamento da situação hoje: ela é considerada – ela, a floresta – um imenso estoque de terras, amplo espaço disponível para a expansão do agronegócio que já consumiu quase que a totalidade de outros biomas do país (o cerrado, o pantanal, o pampa). E os números comprovam o efeito nefasto gerado pelas políticas do atual governo brasileiro: pela primeira vez na contagem histórica, que começou em 2002, foi verificado aumento de queimadas em todos os biomas no país – ao todo, a área devastada em 2019 foi 86% maior que no ano anterior. No caso do Pantanal, bioma mais atingido, o número é alarmante: a alta nas queimadas é de 573%. Os dados são do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o qual Bolsonaro – não por acaso – tenta insistentemente deslegitimar e controlar.

Ora, também não é acaso o atual governo denominar a Floresta Amazônica uma “região improdutiva e deserta”. É esse o olhar e a compreensão neoliberal sobre a natureza: um negócio a ser explorado, custe o que custar – inclusive vidas.

Nos links abaixo, continua o texto introdutório. Clique em cada um para seguir lendo:

2. As respostas de Bolsonaro às queimadas são em nome do mercado e dos grileiros do agronegócio
3. O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
4. Mas afinal, quem realmente está por trás desses crimes?

E, abaixo, leia as histórias de resistência dos povos da Amazônia ao cerco capitalista contra seus territórios, seus corpos, a floresta e os rios:

// O CERCO, DESENHADO EM UM MAPA
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR-STM), Manoel Edivaldo Santos Matos, o Peixe, explica o cerco do capital à Amazônia a partir de um mapa da região do Tapajós. Não à toa o Plano Diretor de Santarém, cidade que fica à beira do encontro dos Rio Tapajós e Amazonas, dos mais importantes canais d’água da Amazônia, foi alterado sob medida para a expansão do capital na região – e a mudança se deu ao apagar das luzes de 2018, na última sessão legislativa do ano.

// UM PORTO ENTALADO NA BOCA DO RIO
Projetos de construção de portos no Rio Maicá colocam em risco o modo de vida de 12 comunidades quilombolas, além de povos originários e comunidades pesqueiras. Um dos projetos, que estava mais avançado, teve o processo de licenciamento suspenso na Justiça e a empresa deverá realizar uma consulta prévia, livre e informada junto às comunidades impactadas, em acordo com a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

// ANTES DO PORTO CHEGAR (SE CHEGAR), CHEGARAM JÁ OS IMPACTOS
É assim em todos megaempreendimentos e não está sendo diferente no Maicá: mesmo antes de um projeto se concretizar, seus danos às comunidades locais já podem ser sentidos – desde questões imateriais, como a insegurança por nada se saber do futuro (se as famílias serão removidas ou não, e para onde, ou a tristeza de ver ameaçados seus territórios e modos de vida); até questões bem concretas, como a ameaça de vizinhos e a grilagem de terras.

// POSTO DE SAÚDE E ESCOLA QUILOMBOLA: A LUTA MUDA A VIDA
O processo de titulação da comunidade do Tiningu, após longa demora, está quase pronto: em outubro de 2019, o Incra reconheceu a demarcação da área e, agora, falta apenas a assinatura presidencial – o que, em meio a discursos de ódio e corte de recurso para a pauta quilombola, não é “apenas”. Mas a comunidade do Tiningu tem quase 200 anos, e sabe ter calma.

// CURUAÚNA: DE UM LADO, A SOJA. DO OUTRO, A SOJA TAMBÉM
Nos arredores de Santarém, os campos de soja se estendem até o horizonte se perder de vista. Escolas são cercadas pelas plantações, nas quais há alto uso de agrotóxicos sem que se respeite o horário das aulas; a prática do “puxadinho” alonga os campos de soja pouco a pouco, todo ano, por meio de queimadas na beira dos terrenos; comunidades e culturas inteiras vão sumindo, pois as famílias, cansadas, abandonam suas casas e vidas, indo morar na periferia das cidades. Não há mesmo convivência possível com o avanço destrutivo do capitalismo.

// O ROSTO ESTAMPADO NA CAMISETA
Os assassinatos de Maria do Espírito Santo e Zé Cláudio, defensora e defensor dos direitos dos povos, e o caminho cruzado com Maria Ivete, ex-presidenta do STTR-STM. Ela conviveu por dez anos com escolta policial, parte do Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos do governo federal.

// A NOITE DAS MOTOS
Em Alenquer, município vizinho a Santarém, dois pistoleiros montaram uma emboscada para assassinar José Marques. Ele é um dos líderes de uma comunidade de pequenas e pequenos agricultores da região, e o local está em disputa após grilagem de terras com o uso de sobreposição de áreas no CAR (Cadastro Ambiental Rural). Sem qualquer vistoria dos órgãos públicos, as 86 famílias que viviam e trabalhavam ali há cerca de 13 anos foram despejadas pela Justiça, em conluio com os interesses privados dos grileiros.

// SE ORGANIZAR, TODO MUNDO LUTA
O enfrentamento do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Alenquer contra o avanço do agronegócio: as lideranças sofrem constantes ameaças mas, ainda assim, com muita organização e luta – estradas fechadas, pressão a prefeitos, cerco a locais de votação -, direitos são garantidos.

Justiça proíbe uso de agrotóxicos, entre eles o glifosato

Os químicos Abamectina, Glifosato e Tiram foram proibidos devido a inúmeros estudos que apontam seus danos à saúde humana e ao equilíbrio ambiental. Produtos já licenciados devem ser retirados do mercado em até 30 dias; novas licenças estão suspensas. Anvisa tem prazo até o final do ano para concluir reavaliação toxicológica. Decisão ainda pode ser revertida, mas representa uma grande vitória de quem defende a vida, a saúde e o meio ambiente por meio da agroecologia.

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Uma decisão da 7ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal proíbe o uso dos agrotóxicos abamectina, glifosato e tiram no Brasil. Segundo a juíza que proferiu a ordem, “está mais que suficientemente demonstrada a toxidade dos produtos para a saúde humana”, não restando dúvidas à necessidade da proibição. A conclusão judicial vem embasada por inúmeros estudos que apontam a alta nocividade destes químicos.

O glifosato é o agrotóxico mais utilizado no Brasil, em especial por produtores de soja. A Organização Mundial da Saúde (OMS), a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC, na sigla em inglês), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca) já se posicionaram sobre os malefícios da substância: para a IARC, o glifosato reduz a produção de progesterona em mamíferos, afeta a mortalidade de células placentárias e é supostamente carcinogênico; a OMS e a Abrasco o classificaram como “provável carcinógeno humano” – em uma escala de 1 a 5 da OMS, este é o segundo maior risco que pode ser dado a uma substância.

Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a exposição de animais ao glifosato causou “aumento significativo das aberrações cromossômicas e de presença de micronúcleos”. O Inca também apontou os malefícios do glifosato para a saúde humana, que contribuem para o aumento da taxa de mortalidade.

O Ministério da Saúde registra de 12 a 14 mil intoxicações por agrotóxicos no Brasil a cada ano – em 2016, foram quase 500 vítimas fatais. E a OMS estima que somente um em cada 50 casos cheguem às autoridades, o que aumentaria o registro de intoxicações para cerca de 650 mil por ano. Leia mais no site da campanha Agrotóxico Mata: Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

A principal produtora do glifosato é a Monsanto, que o vende sob o rótulo “Roundup”. A empresa de venenos foi recentemente comprada pela Bayer (que produz os remédios para as doenças que, agora, ela própria cria). Em julgamento em 2017 nos Estados Unidos, ficou comprovada a manipulação de dados pela Monsanto a favor de seu veneno: a empresa havia contratado, em sigilo, cientistas para que produzissem dados em defesa do químico. Ou seja, as pesquisas que minimizam os efeitos danosos da substância não possuem credibilidade alguma: são encomendados pela própria culpada, a Monsanto. Ainda assim, devido ao forte lobby empresarial, o glifosato, que estava prestes a ser barrado na União Europeia, ganhou validade de mais cinco anos por lá; e a situação brasileira é muito mais grave: aqui, o limite de uso de glifosato é 200 vezes maior que no bloco europeu.

Infográfico da Repórter Brasil. AQUI, mais informações do uso de agrotóxicos no Brasil, em matéria que mostra também os focos geográficos das contaminações

A abamectina já é proibida na União Europeia. De acordo com nota da Anvisa, a substância “apresenta resultados preocupantes relativos à toxicidade aguda e suspeita de toxicidade reprodutiva dessa substância e de seus metabólitos”. Outro grave problema deste químico está na contaminação de recursos hídricos consequentes de seu uso no solo. Sobre o tiram, estudos indicam ser “provocador de efeitos neurocomportamentais, como ataxia, convulsões, letargia e malformações fetais severas, devido à existência de dissulfeto de carbono dentro de sua composição”.

“São estarrecedoras as conclusões da Fundação Oswaldo Cruz acerca do uso de abamectina, utilizando-se como base pesquisas experimentais realizadas em camundongos, macacos, cães ou coelhos, quando todos eles apresentaram sintomas e danosos que vão desde a irritação da pele até perda de peso, taquicardia e mutações no DNA” – Luciana Raquel Tolentino de Moura, 7ª Vara da Justiça Federal do DF

Além da proibição imediata de novas licenças para produtos à base destes três químicos e do prazo de 30 dias para retirada de mercado de produtos anteriormente licenciados, foi dado o prazo de 31 de dezembro deste ano à Anvisa para que finalize a reavaliação toxicológica das três substâncias. Esta reavaliação se arrasta desde 2008 – no Brasil, uma vez dada a licença a um agrotóxico, ela é permanente, podendo ser alterada somente mediante novo estudo. A multa estipulada, caso o prazo não seja respeitado, é de R$ 10 mil por dia.

Movido pelo Ministério Público Federal, o processo corre desde 2014. Leia AQUI a decisão judicial na íntegra (na nova janela, vá até a aba “Inteiro Teor” e acesse a última decisão, de 03/08/2018).

PL DOS AGROTÓXICOS
Os agrotóxicos são prejudiciais tanto a quem aplica o veneno quanto a quem o consome; e se beneficiam deste envenenamento geral da população apenas grandes empresas como Monsanto, Bayer, Syngenta ou Taminco, todas citadas no processo, além dos grandes produtores de soja e outras monoculturas, que usam amplamente venenos em sua produção e lutam contra a proibição destes químicos – e, em consequência, contra a saúde pública.

Recentemente, veio à tona um projeto de lei (PL), em trâmite no Congresso Nacional, que pretende flexibilizar a concessão de registros para agrotóxicos. Em nota, o MPF destaca os riscos desta medida, que “está na contramão da preocupação mundial com o meio ambiente e a saúde”. Pesquisadoras e pesquisadores da Abrasco e da Associação Brasileira de Agroecologia lançaram recentemente um dossiê científico contra o PL, também o condenando.

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