Tratado Vinculante: A sociedade civil denuncia a influência que grandes empresas exercem na ONU

A histórica 10ªSessão de Negociações por um Tratado da ONU que faça as com que as grandes empresas transnacionais (ETN)  sejam responsabilizadas por suas violações de direitos humanos (Tratado Vinculante) acaba de começar em Genebra, na Suíça. Ainda que a princípio seria realizada em outubro de 2024, a decisão unilateral e pouco democrática da Presidência de alterar as datas das negociações apenas um mês antes afetou a presença física da sociedade civil.

Apesar disso, a Amigos da Terra Internacional, junto com a Campanha Global para reivindicar a soberania dos povos, desmantelar o poder das transnacionais e por fim à impunidade está decidida a garantir que a sociedade civil, as comunidades afetadas e os povos indígenas não sejam deixados de lado.  A Amigas da Terra Internacional se mantém firme para garantir que o Tratado Vinculante reflita a vontade dos povos, e suas demandas por justiça às pessoas afetadas que lideram a luta contra o poder empresarial, acima dos desejos das empresas transnacionais.

“As atividades desmedidas das Empresas Transnacionais sangram as comunidades, nossas terras, o meio ambiente e os povos indígenas. As grandes empresas seguem violando os direitos humanos em todo mundo com impunidade. Um Tratado Juridicamente Vinculante, forte e efetivo, deve nos garantir o direito de acesso à justiça e às reparações. Deve garantir que as ETN possam ser julgadas por tribunais independentes pelos delitos cometidos em qualquer parte do planeta. Deve garantir a reparação plena pelos danos, especialmente para as pessoas mais vulneráveis. É inaceitável que se dê maior relevância aos interesses das grandes empresas ao invés de aos direitos humanos”  Pablo Fajardo, UDAPT / Amigos da Terra Equador

O valor agregado do Tratado Vinculante reside na sua complementariedade com as regulamentações nacionais e regionais em matéria de empresas transnacionais. De todas maneiras, deve ser ambicioso e colocar as comunidades e os povos no centro. Muitas destas regulamentações são insuficientes para cobrir todas as cadeias de valor globais e as violações dos direitos humanos que as empresas transnacionais continuam a cometer nelas. As leis nacionais por si só não são suficientes.” Aurore Dorget, Amigos da Terra França.

No entanto, como ocorre em muitas negociações da ONU, o poder das grandes empresas encontrou o seu lugar nas salas de negociações:

“É claro que o lobby empresarial presente nas salas de negociações (como a Organização Internacional de Empregadores, ou o Conselho de Negócios Internacionais dos Estados Unidos) está decidido a debilitar o texto do tratado e converte-lo em outro instrumento frágil e inútil, baseado na autorregulação e na devida diligência das grandes empresas. As propostas dos países do Norte Global de incluir a múltiplas partes interessadas não são mais que tentativas para consolidar ainda mais a cooptação empresarial do processo. Exigimos medidas claras para proteger o espaço contra a influência de grandes empresas  e garantir que as vozes dos povos afetados e dos Estados do Sul Global sejam as que deem forma ao Tratado Vinculante”, Erika Mendes
Justiça Ambiental / Amigos da Terra Moçambique.

“A margem de manobra da sociedade civil e a democracia se encontram ameaçadas nas Nações Unidas e as negociações do Tratado Vinculante não são uma exceção.  Quer se trate de com que projeto de texto que avançamos, de especialistas selecionados ou das datas das sessões que são alteradas no último minuto, todas estas são partes técnicas da ONU que têm implicações muito reais para as comunidades e estados afetados do Sul Global, cujas vozes continuam a ser marginalizadas nas negociações que deveriam liderar.”

Publicado originalmente em Amigos da Terra Internacional, no link: https://www.foei.org/es/tratado-vinculante-la-sociedad-civil-denuncia-la-influencia-que-ejercen-las-grandes-empresas-en-la-onu/?fbclid=IwY2xjawHP-XVleHRuA2FlbQIxMQABHVtCZqJMpuo0-C3YsePfz1QNVtR4yNpmIPsb8RsyNJX82Gj4ih_rfOF1vQ_aem_N2iegz1O2B4D_uD3kapNWw

8ª Sessão de Negociações do Tratado Vinculante na ONU: os povos afetados exigem normas vinculantes para as empresas transnacionais, a nível local e internacional

As grandes empresas estão devastando o meio ambiente e as vidas humanas em todas as partes do mundo. Os Princípios Orientadores das Nações Unidas (ONU) e a abordagem de devida diligência não conseguiram conter a impunidade empresarial. É urgentemente necessário um instrumento internacional juridicamente vinculativo para regular as empresas transnacionais em matéria de direitos humanos, tal como o que está sendo atualmente negociado na ONU. Também são necessárias leis nacionais que se baseiem e deem suporte a este tratado internacional.

Normas vinculantes para as grandes empresas 

A indústria do gás está provocando destruições em Cabo Delgado, na zona norte de Moçambique, e fomenta violações de direitos humanos, pobreza, corrupção, violência e injustiça social. Durante décadas o Estado de Israel e sua empresa Mekorot negaram à população palestina o acesso e controle de suas terras, fronteiras e recursos naturais. As comunidades do Brasil seguem esperando indenização e justiça frente ao colapso da represa da Vale/Samarco/ BHP Billinton, em 2019. Estas são apenas três das  incontáveis atrocidades que cometem as empresas transnacionais e que afetam, em particular, o Sul Global.  

Os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos são uma diretiva fraca e não vinculativa aprovada em 2011. Ainda que se estabeleça que “as empresas devem proceder com a devida diligência em matéria de direitos humanos”, o documento fracassou imensamente na hora de fazer com que as grandes empresas sejam responsabilizadas por suas violações destes direitos. 

A coordenadora do Programa de Justiça Econômica da Amigos da Terra Internacional, Letícia Paranhos, explica: 

“A devida diligência não tem sido de todo suficiente. É por isso que as pessoas celebraram uma vitória no Conselho dos Direitos Humanos da ONU em 2014. Com a adoção da Resolução 26/9, foi criado um novo Grupo de Trabalho Intergovernamental para negociar um Tratado Vinculante sobre Empresas Transnacionais e Direitos Humanos. Este foi um marco fundamental para pôr fim à impunidade empresarial”. 

De 24-28 de Outubro de 2022, realiza-se em Genebra a oitava sessão de negociações deste tratado.

As comunidades afetadas de todo o mundo, com o apoio da Campanha Global para Reivindicar a Soberania dos Povos, Desmantelar o Poder Corporativo e Pôr Fim à Impunidade (Campanha Global), estão liderando o processo da ONU com uma lista clara de exigências relativas ao conteúdo do Tratado Vinculante. Agora, um elemento fundamental da estratégia para os movimentos sociais é, também, a promoção de leis nacionais que complementem e sustentem o tratado internacional.

Lutas complementares contra as grandes empresas do Sul Global e do Norte Global

As lutas diárias enfrentadas pelas comunidades afetadas pelas corporações exigem também uma ação a nível nacional. Do Sul Global, onde operam a maioria das empresas transnacionais, para o Norte Global, onde estas empresas estão sediadas. Nos últimos anos, tem havido um movimento de leis nacionais em vários países. 

A lei da França sobre o dever de vigilância

Num momento histórico em 2017, a França aprovou uma lei sobre o “dever de vigilância” (devoir de vigilance) das empresas-mãe e subcontratadas. “Este foi o resultado de esforços incansáveis – anos de campanha – da sociedade civil e das comunidades afetadas pelas operações das empresas transnacionais francesas no estrangeiro”, diz Juliette Renaud da Amigos da Terra França. Para além dos desafios, esta lei é um passo em frente, pois “aborda a complexidade jurídica das empresas transnacionais com as suas múltiplas filiais e subcontratadas bem como as diferentes formas de relações comerciais que frequentemente utilizam para assegurar a sua impunidade”.

A lei já está sendo utilizada: em 2019, seis organizações francesas e ugandesas, incluindo a Amigos da Terra França e a Amigos da Terra Uganda, entraram com uma ação judicial contra a gigante petrolífera francesa Total por violações dos direitos humanos e danos ambientais potencialmente irreversíveis na Uganda e na Tanzânia. O processo, que foi o primeiro a ser instaurado com base na nova norma “dever de vigilância”, segue em curso.

Agora outros países da União Europeia (UE) estão seguindo os passos da França, como Alemanha, Áustria, Bélgica, Holanda, Finlândia e Luxemburgo, que atualmente estão analisando propostas 

No início de 2022, a UE divulgou a sua proposta de lei sobre a devida diligência obrigatória para as empresas em matéria de direitos humanos e meio ambiente. Infelizmente, na sua forma atual, a lei “não garante justiça nem responsabiliza as empresas pelos seus impactos climáticos“. Em resposta, 220 organizações apelaram à UE para que resolvesse as principais falhas da diretiva. A participação do bloco europeu no processo do Tratado Vinculante da ONU tem estado longe de ser exemplar: desde os estados membro que votaram no bloqueio contra a resolução 26/9 em 2014, até às várias tentativas de desandar o processo ao longo dos últimos anos de negociações.

O projeto de lei do Brasil sobre um marco para as empresas e os direitos humanos

Com o colapso da barragem de Mariana e Brumadinho ainda fresco na memória, a luta para frear os abusos empresariais no Brasil atingiu um ponto-chave em 2022. As violações dos direitos humanos neste gigantesco país latino-americano são moeda corrente. E o fato de que existam grandes empresas por trás de muitas destas violações não é uma surpresa.

Apesar da contínua devastação provocada por Bolsonaro, em Agosto de 2022 o Brasil formulou o projeto Lei Marco Brasileira de Direitos Humanos e Empresas (PL 572 de 2022). Cabe destacar que movimentos sociais, organizações da sociedade civil, acadêmicos e sindicatos de pessoas trabalhadoras participaram na redação do texto. O projeto de lei irá beneficiar os povos indígenas, povos quilombolas (afrodescendentes), as comunidades afetadas por violações dos direitos humanos e a classe trabalhadora. Estes são os grupos mais afetados pelas violações corporativas. 

De forma inovadora, o projeto de lei estabeleceria a primazia dos direitos humanos e incluiria obrigações diretas para as empresas transnacionais, o que é sem precedentes a nível mundial. Por conseguinte, poderia ser utilizado para responsabilizar as empresas por violações dos direitos humanos. A proposta em si é baseada nas experiências das comunidades afetadas no Brasil. Além disso, seriam atores-chave no estabelecimento de medidas de prevenção, controle e compensação. Isto é algo sem precedentes. O projeto de lei será posto em votação, mas ainda não foi definida uma data. 

“Claramente no caso do Brasil, o desejo de trabalhar a nível das bases para uma lei nacional foi em parte inspirado pela participação dos movimentos brasileiros no processo do Tratado de Vinculação da ONU”, afirma a brasileira Letícia Paranhos. A participação na Campanha Global fortaleceu a sua confiança e a capacidade de articular as suas exigências, o que abriu o caminho para uma forte participação a nível nacional. Esta lei nacional também será útil na criação de mecanismos para implementar normas internacionais dentro do Brasil.  

Letícia Paranhos acrescenta: 

“A América Latina está cansada da devida diligência e dos Princípios Orientadores, medidas que foram impostas de maneira neocolonial no Sul Global. A Lei Marco Brasileira De Direitos Humanos e Empresas está dentro do espírito da Campanha Global. Foi redigido com base na nossa proposta de Tratado Vinculante. Precisamos avançar nos nossos contextos nacionais com leis juridicamente vinculantes baseadas nas nossas demandas para o contexto internacional. Ao mesmo tempo, estas leis nacionais dariam respaldo a esse processo na ONU, para pressionar um instrumento internacional ambicioso verdadeiramente capaz de pôr fim à impunidade empresarial”.

*Texto divulgado originalmente no dia 26 de outubro de 2022,  no site da Amigos da Terra Internacional, no link: https://www.foei.org/es/grandes-empresas-pueblos-afectados-exigen-normas-vinculantes/ 

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