Missão de Monitoramento no Vale do Taquari é marcada por relatos que expõem série de violações

Comitiva de entidades visitou as cidades de Lajeado, Roca Sales e Arroio do Meio nos dias 27 e 28 de novembro

Após visita a três cidades gaúchas fortemente impactadas pelas enchentes no Vale do Taquari, que contou com conversa com pessoas afetadas, a Missão de Monitoramento de Direitos Humanos realizou uma audiência pública para ouvir moradores de regiões atingidas pelas enchentes. Uma série de denúncias evidenciou o descaso do poder público municipal e estadual. Encerrando as atividades, a Missão realizou, no dia 28, uma reunião com representante do governo federal, movimentos sociais e moradores. Convidadas, as prefeituras locais não compareceram, se isentando do diálogo.

Em audiência, moradores da região relataram as dificuldades enfrentadas após as enchentes que atingiram o estado – Foto: Carolina Colorio
Moradoras atingidas pelas enchentes reivindicam os seus direitos | Foto: Carolina Colorio

A roda de diálogo contou com a participação de representantes de variados entes sociais: Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST-RS), Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), Amigas da Terra Brasil, Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do RS, Conselho Estadual de Direitos Humanos, Centro de Direitos Econômicos e Sociais (CDES), Defensoria Pública do RS (DPE-RS), Ouvidoria da DPE-RS,  Conselho Estadual do Direito da Mulher, deputados e representantes de mandatos, Fórum Permanente de Mobilidade Humana (FPMH) do RS, Secretaria Estadual de Direitos Humanos, Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP), Ministério do Desenvolvimento Social, Organização Internacional para Migrações das Nações Unidas (ONU-OIM), sindicatos e outros movimentos sociais.

Presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, a deputada estadual Laura Sito (PT) abriu o encontro falando sobre a escuta realizada com moradores atingidos pelas enchentes nas cidades de Lajeado, Roca Sales e Arroio do Meio, respectivamente nos bairros Conservas, Centro e Navegantes.

A parlamentar também citou a audiência realizada no dia anterior, ressaltando que a Missão convidou representantes das prefeituras locais e autoridades, que não compareceram ao debate. “Foi muito emblemático porque convidamos todas as prefeituras da região para acompanharem a nossa ação e a audiência pública. Chamamos para reunião de hoje. Nos causou bastante estranheza o descaso das prefeituras de responderem a um chamado sobre situações muito mais ligadas à sua atuação cotidiana. A única prefeitura que esteve na audiência foi a de Arroio do Meio”, afirmou.

Segundo Laura, a escuta foi permeada por relatos que se assemelham e entrelaçam, especialmente no tocante a questões estruturais ligadas à saúde, política de aluguel social, casas provisórias, acesso limitado à água potável, aumento na conta de luz e uma série de humilhações. “A RGE e a Corsan não respeitaram acordos com a Defensoria Pública, e as contas de água e de luz das pessoas aumentaram”, denunciou, mencionando o acordo de isenção de cobrança.

Também chamou atenção para a dificuldade do manejo de lixos e dejetos nos municípios atingidos, além da preocupação com as zoonoses (doenças transmitidas por animais). Quanto à educação, destacou a questão das escolas afetadas, da falta de infraestrutura adequada e das crianças que não conseguem dar continuidade ao ano letivo. Pontuou ainda que é muito preocupante a questão dos imigrantes. Muitas vezes refugiados de seus países, vêm ao Brasil em busca de melhores condições de vida, mas se deparam mais uma vez com um cenário de violações de direitos, desamparo e com a condição de refugiados climáticos. Laura relatou que foi até embaixadas buscando diálogo.

Outra violação constantemente presente nos relatos da população foi quanto ao atendimento socioassistencial, via Centros de Referência em Assistência Social (CRAS). O serviço não tem dado conta, o que gera uma série de humilhações e exaustão em quem busca atendimento.

“Justiça para limpar essa lama” | Foto: Carolina C.

Assista a integra da audiência aqui

Na sequência, o coordenador do escritório do governo federal em Lajeado, secretário de Comunicação Institucional da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Emanuel Hassen de Jesus (conhecido como Maneco), fez um relato sobre as ações do governo federal no atendimento à crise das enchentes no estado. Começou sua fala evidenciando a necessidade de olhar para o meio ambiente. “Temos que recolocar esse tema na pauta. Meio Ambiente não é só cuidar do desmatamento da Amazônia. Cada um de nós, como cidadãos, temos que colocar esse tema no nosso dia a dia, o da sustentabilidade. Ou eventos extremos serão cada vez mais frequentes, causando tragédias.”

Ex-prefeito de Taquari, Maneco lembrou que o governo federal realizou duas visitas ao Rio Grande do Sul. Ele apontou que, na região, 99% dos anúncios da União se realizaram ou estão para se realizar. “Na educação o dinheiro está lá, faltando o município licitar. Demora para a pessoa enxergar o livro de volta, o computador, tem um processo até ser comprado. Mas o dinheiro está garantido e os municípios estão trabalhando para ele ser viabilizado. Mesma coisa com o Minha Casa Minha Vida. Vamos enxergar as casas quando elas forem construídas. Em Lajeado e Encantado a tendência é que em 30, 45 dias comece a construção. Dois municípios que tiveram portaria publicada. Algumas prefeituras são mais rápidas, outras mais devagares”, comentou.

Entre as ações do governo federal, destaca-se a criação do “Minha Casa Minha Vida Rural Calamidades”. De acordo com o secretário, até a sexta-feira passada (24) haviam 110 casas cadastradas na região. Em relação à construção de omradias, a União dividiu a responsabilidade: o município providencia as áreas e o governo do estado constroi as casas temporárias, até o governo federal fazer a moradia definitiva pelo Minha Casa Minha Vida.

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O secretário também afirmou que mais de 52 milhões foram destinados à Defesa Civil aos municípios, recursos para sotuaçoes como abrigo ou aluguel social. “O governo deu tudo que os municípios tinham direito, conforme número de pessoas desabrigadas.”

Na saúde, afirma que o repasse foi de 100% do que os municípios pediram. “Vieram R$ 49 milhões na região para recursos em hospitais e reequipar postos de saúde, R$ 29 milhões para a educação, e todos os municípios da região que requisitaram recursos para reequipar Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) e Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) receberam 100% do que pediram”, disse.

Quanto à agilidade no processo de atendimento à população, Maneco mencionou que uma casa pode demorar mais de ano e meio para ficar pronta e que os processos demoram. Salientou, ainda, que não é papel do governo federal fiscalizar.

“Não é culpa de ninguém, é de todo mundo. Não tinha legislação e programas para momentos como a gente tá vivendo, de uma sequência de tragédias no país inteiro. Temos enchentes no sul, seca na Amazônia, incêndio no Pantanal, todo dia, toda hora. O Brasil chegou a ter quase 30% dos municípios em estado de calamidade. Precisamos melhorar, porque a tendência é essas coisas seguirem acontecendo”, defendeu.

As cidades ainda estão cheias de entulhos das enchentes / Foto: Carolina Colorio

Moradores relatam preocupações 

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Arroio do Meio, Astor Klaus, ressaltou que os pequenos agricultores perdem muito com as enchentes. “Se perdeu muita produção de alimentos, que replantamos depois da primeira enchente. A segunda enchente veio e foi-se de novo o plantio”, contou, questionando qual recurso para este tipo de situação.

Diego Alexandre Dutra, atingido da cidade de Cruzeiro do Sul, pontuou que tanto o governo federal quanto o estadual mandam recursos, contudo ele não chega até a população. “Eu fiz sete cadastros mas em nenhum deles eu fui contemplado, porque não tenho Bolsa Família. Mas a enchente não pegou só aqueles de baixa renda, na extrema pobreza. Cruzeiro do Sul está esquecida. Dinheiro chega, mas falta organização e principalmente transparência: onde o recurso está sendo utilizado, como?”

Bairro Centro, em Roca Sales. Novembro, 2023. Foto: Carolina Colorio

De acordo com ele, em relação à assistência social havia só uma pessoa para fazer o cadastro. ”Filas e filas e filas, pessoal reclamando e ninguém atendido. Pedimos atenção especial do poder público do estado, do poder federal”, adicionou. Pai de três meninas, Diego conta que essa é a primeira enchente que ele enfrenta, e que a enchente de setembro levou tudo. “Cruzeiro do Sul tem pouco maquinário, ninguém veio nos salvar. A Defesa Civil não tem um barco, um motor, nada. Fomos para o telhado na primeira enchente, amarraram cordas para o pessoal ir subindo. Cruzeiro precisa de muita atenção agora.”

Rever a política de assistência social

Carine Bagestam, consultora do Ministério de Desenvolvimento Social, em parceria com a ONU-OIM, mencionou ser nítido que as assistências sociais nos municípios são uma política fragilizada. “Antes da emergência tinha um déficit, sem equipe mínima”, disse. Para ela, especialmente agora, é fundamental uma reformulação dos critérios e cadastros. “Ontem tivemos reunião com a secretária do estado e reforçamos que tem que ter uma construção estadual e federal para rever a política de assistência social, especialmente em contexto de calamidade”, reiterou.

Ela também chamou atenção sobre a crise habitacional. “Não há informação clara sobre as casas provisórias. As famílias estão esperando, querem saber em quantos dias chega a casa e quem vai acessar.” Contou que o recurso da assistência social está em caixa, que os municípios receberam. “O que sentimos no Vale é que os alojamentos são muito provisórios. A maioria dos municípios começou a tirar pessoas dos alojamentos sem uma inspeção de segurança das casas e nem saber para onde essas famílias iriam, correndo perigo eminente dessas famílias voltarem para casas de risco”, sinalizou.

“Meio Ambiente não é só cuidar do desmatamento da Amazônia”, defende Maneco / Foto: Fabiana Reinholz

O perigo das barragens

A integrante do MAB, Maria Aparecida Castilho Luge reforçou a realidade dos atingidos pelas barragens na região. Ela salientou a necessidade de estudos em relação à questão. “É preciso transparência. De quem são essas barragens?”, questionou. Durante a visita da Missão às cidades, que antecedeu a audiência pública, foram inúmeros os relatos, em especial em Roca Sales, conectando as barragens aos impactos das últimas enchentes e alterações no fluxo das águas.

“Verificamos a falta de um sistema de alerta das enchentes, pois não existe um monitoramento dos rios na região. Isso poderia ser executado em parceria com as universidades”, sugeriu o presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos do RS (CEDH RS), Júlio Alt. Segundo ele, é imprescindível que haja mecanismos efetivos para reconhecer uma calamidade e alertá-la à população, o que passa por um esforço coletivo com estudos, envolvimento de universidades, municípios, poder estadual, coletivos e movimentos, para pensar alternativas desde a questão das barragens, seus impactos e a prevenção de seu uso.

Ainda no enfoque ambiental, Júlio reforçou que é necessária uma atuação drástica frente à catástrofe climática. “Que a gente possa pensar também em parcerias para recompor matas ciliares, a Mata Atlântica, pensar um regime ambiental. Sugerimos implementar um código ambiental nacional, para que a médio e longo prazo a gente possa arrefecer os impactos de calamidade pública”, disse.

Outros pontos destacados por ele foram a criação de grupos e comitês para fiscalizar onde está o recurso repassado pelo governo federal e a criação de um plano de trabalho. “Precisamos pensar alternativas desde a questão das barragens, dos impactos nos territórios.”

Na reunião moradores relataram as dificuldades enfrentadas / Foto: Fabiana Reinholz

Falta de sintonia entre governos prejudica população

Para o coordenador jurídico do CDES, Cristiano Muller, há uma dessintonia que faz com que os investimentos do governo federal não cheguem a quem realmente precisa. Ele propôs que o escritório do governo federal na região não seja fechado e que seja criado um canal de informação e participação dos atingidos, no sentido de que sejam feitas reuniões ampliadas de prestação de contas dos municípios para o governo.

“Foram R$ 29 milhões em recursos em educação e ontem ouvimos denúncia de creche fechada e crianças amontoadas em um salão. O que ficou claro na audiência pública é que no CRAS as pessoas são humilhadas, que pedem muitos documentos. Temos que entender as pessoas atingidas como todas que estão em situação de calamidade, não só as de baixa renda. Quem define quem foi atingido não é política pública, é a água. Não podemos excluir essas pessoas”, acrescentou.

Segundo observou Júlio Alt, muitas pessoas não sabem como acessar essas políticas, ou, quando tentam, é muito burocrático. Claudete Sillas, da Secretaria Estadual de Direitos Humanos, reforçou a questão da saúde mental e da mobilidade, propondo CRAS móveis, tendo em vista que, para quem perdeu tudo na enchente, deslocar-se inúmeras vezes em busca de atendimento é mais uma violação de direito.

A saúde mental da população é outro tema que precisa de atenção, tendo em vista uma série de traumas causados pelas enchentes e da consequente falta de amparo. “As pessoas estão depressivas, precisam ser ouvidas, precisam ser aconchegadas. Há urgência de um atendimento de saúde mental e mudar um pouco desse esquema de saúde”, acrescentou.

A moradora do bairro Conservas, em Lajeado, Michele Siqueira, sente falta de comunicação com relação às enchentes. Ela também chamou a atenção para a situação das estradas que estão desbarrancando. “Na primeira enchente com imensa quantidade de água já desceu a parede de terra e colocaram pedras ali. A estrada está diminuindo. Não temos proteção naquela lateral, já começou a dar acidente pela quantidade de chuva, asfalto liso. É perigoso”, disse.

Michele mora a 500m do rio Taquari e contou que nunca tinha visto a água subir tanto. Com a enchente de setembro ela perdeu tudo. “Nosso bairro, Conservas, está uma bomba relógio. Não é só quantidade de chuva, é de água. A Defesa Civil encaminhou caminhões e eles se negaram a atender as pessoas porque a ponte estava trancada com o excesso de água”, relatou.

Bairro Centro, em Roca Sales. / Foto: Carolina Colorio

Orçamento 2024

Há muito tempo cientistas do clima e boa parte da militância socioambientalista alertam sobre a gravidade da emergência climática, denunciando o racismo ambiental e uma série de riscos. Sobretudo para as populações empobrecidas, periféricas, indígenas, ribeirinhas e quilombolas. Mesmo assim, tanto as esferas municipais, quanto estaduais e federal, não apresentam soluções estruturais para o tema.

A aprovação do orçamento previsto para a adaptação climática no RS, em 2024, é um exemplo. Do total de R$ 80,348 bilhões, somente 157,933 milhões são para o tema: menos de 0,02% do orçamento total aprovado. Além disso, no eixo Sustentabilidade Ambiental no Plano Plurianual (2024-2027), consta a proposta de aplicar pouco mais de R$ 260 milhões, enquanto há um investimento previsto de mais de R$ 1,6 bilhão para o setor da agropecuária – atividade que, conforme dados de 2021 do Sistema de Estimativa de Emissão de Gases, é responsável por quase metade das emissões de gases de efeito estufa no estado.

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Levando em conta as enchentes e catástrofes climáticas, o investimento em Defesa Civil também deixa a desejar. Para o próximo ano, o governo gaúcho pretende realocar R$ 50 mil na Defesa Civil, que é a primeira a agir durante emergências e a responsável pelo resgate da população atingida. O montante total para um ano inteiro de atuação da Defesa Civil, que precisa urgentemente de melhorias na infraestrutura, compra de equipamentos e na contratação de profissionais, especialmente tendo em vista os inúmeros episódios catastróficos no estado, equivale a menos do que o preço de um carro popular.

Conforme dados de boletim do governo do estado, atualizado em 27 de outubro, chuvas intensas e enchentes impactaram 107 cidades, afetando até aquele momento 402.297 pessoas. Destas, 22.283 pessoas ficaram desalojadas,  5.216 ficaram desabrigadas, 943 feridas, seis desaparecidas e 52 morreram. Em novembro quase 700 mil pessoas foram afetadas, direta ou indiretamente.

Manifestação durante audiência / Foto: Carolina Colorio

Rede de solidariedade 

O representante MPA de Arroio do Meio, Lari João Hoftomer, destacou a importância da solidariedade. Desde a enchente de 2010, o movimento desenvolve ações neste sentido, levando sementes crioulas, mudas e ramas para famílias de agricultores que são atingidas.

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Sobre a última enchente, lembrou da visita de solidariedade. “Arrecadamos dinheiro onde era possível. Entregamos mudas, sementes e ramas de mandioca.” Ele alientou a importância de olhar para a agricultura familiar e para as sementes crioulas, que dentro do princípio da agroecologia são práticas de produção que causam menor impacto socioambiental, numa lógica oposta à do agronegócio – um dos maiores expoentes para a emissão de gases de efeito estufa no Brasil, devido a alteração do uso do solo.

Atuando desde setembro na região, o MAB tem feito o atendimento emergencial e de articulação junto às comunidades para acessarem as políticas públicas necessárias. Juntamente com o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Rio Grande do Sul (Consea-RS), o movimento montou uma cozinha solidária em Arroio do Meio, após a primeira enchente. Mais de 1,2 mil refeições chegaram a ser feitas por dia, além disso, o MAB tem apoiado mais de 600 famílias que já receberam 2.100 cestas básicas, milhares de litros de água e 500 kits com produtos de limpeza. O movimento segue com as doações.

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A coordenadora do MAB, Alexania Rossato, reitera relatos feitos na audiência, quando foi exposto que, em algumas situações, a entrega de cestas básicas distribuídas pelo movimento foi o único apoio que as famílias receberam. Ela também reforçou o desinteresse das autoridades locais em participar da missão. “Prefeitos convidados não compareceram e se negaram  a ouvir as demandas do povo, assim como se negam a caminhar onde o povo mora. O que ouvimos no mutirão que fizemos, durante todo o dia, é que essa  realidade se repete em todas as prefeituras.”

Alexania relembrou do documento com reinvindicações dos atingidos, entregue ao governo em setembro, após a primeira enchente. Durante a reunião de 28 de setembro, ela questionou se seria possível dar sequência ao que foi proposto, e exigiu respostas em relação à questão de moradia e segurança alimentar. Trazendo um pouco de esperança, a liderança destacou a aprovação do Projeto de Lei (PL) 2788/2019, que cria a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) e aguarda sanção presidencial.

“A sensação é que há uma naturalização da enchente, virou comum. Só que não é assim, quem vive, quem sofre a enchente, que tem que limpar suas casas de novo. Recomeçar. Não dá pra nós naturalizar a enchente na vida das pessoas e tratar como uma coisa comum”, pontou Alexania.

Sobre a Missão

Na Missão de Monitoramento de Direitos Humanos do Vale do Taquari foram checadas violações de direitos e como as ações de reparação às famílias atingidas são feitas, bem como as medidas tomadas para reconstruir os locais e as condições de vida e de trabalho das pessoas afetadas. Ela foi organizada em três momentos: o primeiro de visita a cidades afetadas e conversa com moradores em seus bairros, o segundo com audiência pública e o terceiro com reunião com autoridades.

A Missão foi organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos, pelo CDES Direitos Humanos e pela Acesso Cidadania e Direitos Humanos.

Como encaminhamento da Missão, a Comissão de Direitos Humanos irá realizar um relatório das denúncias recebidas durante os dois dias. O documento será entregue ao Ministério Público do RS (MP RS) e ao Tribunal de Contas do RS (TCE RS). Também será solicitada uma audiência com o governo do estado.

Conteúdo também publicado no Jornal Brasil de Fato em: https://www.brasildefato.com.br/2023/12/03/rs-missao-de-monitoramento-no-vale-do-taquari-expoe-violacoes-a-familias-atingidas-por-enchentes 

Amigas da Terra Brasil participa de Missão de Monitoramento dos Direitos Humanos de atingidos por enchentes no Vale do Taquari (RS)

Nestes dias 27 e 28 de novembro, acontece a Missão de Monitoramento dos Direitos Humanos no Vale do Taquari. Depois de duas grandes enchentes que atingiram a região, em menos de três meses, a Missão fará visitas em quatro municípios para verificar como estão sendo feitas as ações de reparação das famílias e a reconstrução das condições de vida e de trabalho dos atingidos.

As atividades estão sendo organizadas pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos, pelo CDES Direitos Humanos, pela Acesso Cidadania e Direitos Humanos e pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Além das visitas nos bairros de Lajeado, Cruzeiro do Sul, Arroio do Meio e Roca Sales, no dia 27 será realizada uma Audiência Pública no Seminário Sagrado Coração de Jesus, em Arroio do Meio, com a presença de atingidos de todas as cidades do Vale do Taquari e de autoridades. O objetivo é ouvir os relatos dos moradores da região sobre como estão sendo implementadas as políticas públicas e apresentar um relatório de monitoramento dos direitos humanos.

A Missão se encerra no dia 28 com uma mesa de diálogo com as autoridades locais para acompanhamento das ações que estão sendo realizadas e indicação de novas possibilidades para a reconstrução das regiões atingidas. Estarão presentes autoridades, entre elas a deputada estadual Laura Sito, presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, e representantes da Comissão de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado, da Ordem dos Advogados do Brasil e do Tribunal de Justiça do estado.

“As mudanças climáticas já são uma realidade presente no nosso cotidiano e no Vale do Taquari atingiram diretamente milhares de pessoas. O Estado brasileiro e os governos das esferas federal, estadual e municipais precisam proteger vidas”, disse Alexania Rossato, coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragens. “A Missão quer alertar para o problema, ouvir a população e fazer o monitoramento dos diretos humanos”, completou Júlio Alt, presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos.

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Bairro Navegantes, em Arroio do Meio (RS). Bairro Navegantes, em Arroio do Meio (RS). Novembro, 2023. Foto: Carolina Colorio
Álbum de fotos da ATBR sobre a ronda no Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, nos dias 27 e 28 de novembro de 2023.

*Texto do post é o relise enviado à mídia
** Foto: Carolina Colorio/ ATBr

ENCHENTE NO RS: NOTA DE SOLIDARIEDADE E DE URGÊNCIA PELO AMBIENTE E NOSSAS VIDAS!


Mais um episódio de instabilidade, com chuvas intensas, provoca enchente histórica, mortes e muita devastação no Sul do Brasil. Precisamos apoiar as iniciativas de ajuda às comunidades afetadas e trabalhar em sua recuperação, pressionando por políticas públicas que abordem as mudanças climáticas de forma eficaz.


Pela 3ª vez neste ano, um episódio de instabilidade, com chuvas intensas, vitimizou a população e causou muito estrago material, econômico e ambiental no Rio Grande do Sul. Desta vez, fortes chuvas desde o final de semana passado atingiram, especialmente durante a 2ª e 3ª feiras (4 e 5/09), parte da região Norte, Serra e a chamada “região dos vales” gaúcho, marcada pela presença de rios importantes para a produção e reprodução da vida. Também impactou, com menos intensidade, o estado vizinho Santa Catarina.

Neste momento de muita tristeza e dor, expressamos profunda solidariedade com as vítimas e afetados e afetadas pelas enchentes, popularmente referidas por “cheias”, no Rio Grande do Sul. Este é um momento de união e de apoio às comunidades que estão enfrentando as consequências devastadoras desses eventos climáticos extremos, e é o que garante a existência de uma sociedade que se sensibiliza e se solidariza.

Nós da Amigas da Terra Brasil estamos de luto pelas 48 pessoas encontradas mortas até o momento (47 no Rio Grande do Sul e uma em Santa Catarina). Também nos solidarizamos às mais de 25 mil pessoas desalojadas e desabrigadas, e cerca de 97 cidades e comunidades destruídas ou impactadas, utilizando nossa voz para exigir a rápida resposta dos governos estaduais e federal e demais autoridades competentes à emergência que afetados e atingidos enfrentam. Nesses locais, pessoas perderam suas casas, bens materiais, locais de trabalho, e pior: suas vidas, familiares, vizinhança, animais de estimação e para produção de alimentos e subsistência econômica, com dificuldades imensas para reconstruir a esperança e suas vidas.

Cidade de Roca Sales, no Vale do Taquari (RS), está entre as mais atingidas pela enchente recente na região. Crédito: Maurício Tonetto/ Secom/RS

Impactados por mais uma tragédia, reforçamos a urgência com que todos e todas nós, sociedade, no Brasil e em todo o mundo, precisamos enfrentar esta crise. Especialistas consideram que o Rio Grande do Sul está passando por um dos maiores desastres naturais de sua história. Esta cheia do Rio Taquari é a pior desde 1941, quando atingiu seu pico; é nessa região que fica a cidade de Muçum, que na enchente desta semana ficou com 85% de seu território debaixo d’água e contabilizou o maior número de pessoas mortas até agora (14 pessoas). 

Conforme dados hidrológicos da CERAN (Companhia Energética Rio das Antas), a Usina Hidrelétrica Castro Alves, localizada entre os municípios de Nova Roma do Sul e Antônio Prado (margem direita) e Nova Pádua e Flores da Cunha (margem esquerda), a vazão do Rio das Antas, na tarde do dia 04/09/23, ultrapassou a chamada vazão decamilenar, o que significa uma vazão que se previa ser atingida a cada 10 mil anos! Essa informação acende um alerta quanto à nossa atual capacidade de sequer prever esse tipo de evento daqui para frente, comprometendo, de maneira dramática, a segurança de infraestruturas sensíveis como barragens, estradas e indústrias, mas também de nossas cidades, localidades rurais e áreas agropecuárias.  

A ocorrência de temporais e ciclones extratropicais faz parte do clima do Sul do Brasil, mas a incidência rotineira e cada vez com maior intensidade e danos alerta que a situação está fora do “normal”. Essas enchentes são um sintoma direto da emergência climática e deixa, mais uma vez evidente, que seus efeitos estão acontecendo agora, não são mais projeções de futuro!  Eventos climáticos cada vez mais extremos estão ocorrendo no Brasil e em todo o mundo, como chuvas intensas e inundações, calor e incêndios, chuvas de granizo destruidoras, tempestades de neve e baixas repentinas. O aumento da temperatura global leva a um maior acúmulo de calor nos oceanos, o que, por sua vez, influencia os padrões climáticos, aumentando a probabilidade de eventos climáticos extremos, como as cheias.

Nesse contexto, é importante destacar a necessidade urgente de ações para encarar a situação como emergência climática. A preservação do ambiente e a mitigação das mudanças climáticas são essenciais para reduzir a frequência e a gravidade desses eventos, como as cheias no Rio Grande do Sul. Além disso, medidas de adaptação, mitigação e prevenção também são necessárias para proteger as comunidades vulneráveis. Governos federal, estaduais e municipais precisam dialogar com as populações nos territórios, que são quem conhece e vivenciam a força da natureza. Devemos parar com as alterações e flexibilizações na legislação, licenciamento e monitoramento ambiental, que governos vêm promovendo para atender apenas a interesses econômicos de corporações, imobiliárias, do agronegócio, energia e da mineração, sem proteger o ambiente natural e nem promover políticas sociais às populações mais empobrecidas.

Não podemos mais desrespeitar as margens dos rios, aterrar cursos d’água e banhados; não podemos mais licenciar desmatamento; precisamos de todo mato, toda a floresta, todo campo nativo possível para garantir o ambiente saudável para nós e para todos os seres que dele dependem e que garantem a estabilidade dos ecossistemas. A solução para a crise climática é garantir terra para os povos, demarcar terras indígenas, titular quilombos, proteger territórios tradicionais, fazer a reforma agrária popular, apoiar a agroecologia; identificar, delimitar e respeitar as áreas de risco e garantir a dignidade das comunidades periféricas.

Hoje, a história se repete. Como na enchente provocada no RS em Junho por chuva extrema de mais de 300mm concentrada em pouco tempo, quando a cidade de Maquiné, no Litoral Norte, sofreu com a cheia do rio, que subiu mais que as médias históricas e encontrou os municípios despreparados para esse acontecimento. Esse mesmo episódio também provocou muitos danos na cidade vizinha Caraá e nas regiões dos rios Caí e Sinos, atingindo populosas cidades próximas e na região metropolitana de Porto Alegre. A solidariedade com as vítimas das cheias no Rio Grande do Sul não deve ser apenas um gesto momentâneo, mas sim um compromisso contínuo. Devemos apoiar as iniciativas de ajuda às comunidades afetadas, colaborar com organizações que trabalham na recuperação e, ao mesmo tempo, pressionar por políticas públicas que abordem as mudanças climáticas de forma eficaz e com o caráter de emergência climática.

Lembramos que, diante da emergência climática, todos somos responsáveis por tomar medidas para proteger nosso planeta e as pessoas que nele habitam, mas atentamos que a emergência não deve passar por cima da participação e da escuta da população. A solidariedade é um passo importante nessa jornada, mas também é crucial agir de forma proativa para combater as causas subjacentes desses eventos climáticos extremos. Afinal, a vida vale mais que o lucro, e cuidar do ambiente natural e das pessoas que nele vivem é uma prioridade que não pode ser ignorada!

Amigas da Terra Brasil

Crédito da foto: Maurício Tonetto/ SECOM/RS

* Texto publicado no dia 7 de setembro, às 12h
* Texto alterado em 8 de setembro, às 11h18min, para atualização do número de vítimas, pessoas desabrigadas e desalojadas e municípios afetados
* Texto alterado em 12 de setembro, às 12h52min, para atualização do número de vítimas, pessoas desabrigadas e desalojadas e municípios afetados

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